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Alterações promovidas pelo governo de São Paulo no regime de cobrança do ICMS para uma lista extensa de produtos – que vai de veículos a seringas e agulhas – têm provocado contestações entre juristas e o setor produtivo. A perspectiva é de que os aumentos entrem em vigor no próximo dia 15, mas já há ações no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Supremo Tribunal Federal (STF) buscando barrar os reajustes.
As alterações na cobrança do ICMS foram autorizadas pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em outubro do ano passado, por meio da lei nº 17.293. O texto, que promoveu medidas de ajuste para o Executivo estadual, deu autorização ao governo para reduzir benefícios fiscais relacionados ao ICMS. Na prática, todos os produtos com alíquota inferior a 18% foram enquadrados nesse grupo, isto é, tiveram a manutenção do incentivo subordinada, apenas, à vontade do Executivo.
Após a aprovação da lei, o governo de João Doria (PSDB) publicou quatro decretos, nos quais ou suspende isenções fiscais a partir de 2021 ou aumenta a alíquota de alguns produtos. Segundo a secretaria estadual da Fazenda (veja a nota completa abaixo), a opção do Executivo foi por fazer um corte linear de 20% dos benefícios.
Ainda de acordo com a pasta, o conjunto de medidas de ajuste deve proporcionar aumento de R$ 7 bilhões na arrecadação, “que serão essenciais para fazer frente às perdas causadas pela pandemia e manter as obrigações em áreas como saúde, educação e segurança pública”.
Setor produtivo busca reverter reajustes; economista aponta resistência para o fim de privilégios
A publicação dos decretos provocou reações no setor produtivo, que questionou os aumentos publicamente. A pressão dos setores de agronegócio – que chegou a fazer um "tratoraço" em protesto – e farmacêutico provocou um recuo do governo estadual, que prometeu manter os benefícios fiscais sobre alimentos e medicamentos genéricos. A revogação, que incluiu também o setor de energia elétrica, foi publicada no Diário Oficial nesta sexta (15).
De qualquer modo, a estimativa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) é de que o reajuste provoque aumento de 3% no diesel; 4,4% em eletrônicos; 1,5% em máquinas e equipamentos para construção; e 3% para têxteis, couro e calçados – nesse caso, podendo chegar a 7,3% para empresas do Simples.
Veículos novos e usados também serão impactados. No segundo caso, a mudança na base de cálculo do imposto deve provocar aumento de 207% no valor do imposto. "Para nós, foi uma surpresa. Não imaginávamos que, em um momento de recuperação do mercado, o estado de São Paulo propusesse um aumento de carga tributária", afirmou o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, em coletiva de imprensa na semana passada.
Mesmo com a iminência dos reajustes, representantes do setor produtivo não desistiram de fazer o governo voltar atrás. "Estamos fazendo uma pressão política para ver se, da mesma maneira que o governo recuou na questão dos alimentos e genéricos, recua em outros segmentos – de preferência, em todos", afirmou André Rebelo, economista da Fiesp, em conversa com a Gazeta do Povo.
Por outro lado, na opinião do economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, as manifestações do setor produtivo são mais uma ilustração da "dificuldade com a agenda de reformas no Brasil".
"As lideranças do setor privado, porém, defendem reformas desde que não afetem seus próprios privilégios. A proposta do estado incluía tributar em 4,14% bens que nada pagam atualmente, mas ainda muito abaixo da alíquota padrão de 18%. Em outros casos, a alíquota passaria de 7% para 9,4%, ou de 12% para 13,3%. A pequena redução dos benefícios provocou reações indignadas e 'tratoraços'. Esses produtores não aceitam ser tratados como a maioria da sociedade", escreveu Lisboa em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo.
Questionamentos às alterações no ICMS também são jurídicos
Independentemente da pertinência, ou não, da retirada dos benefícios fiscais, tributaristas têm questionado a legalidade da medida. Douglas Mota, sócio da área de Direito Tributário do Demarest Advogados, explica que a contestação se deve ao fato de as alterações não terem sido submetidas, individualmente, à avaliação da Alesp. "A discussão está bastante pulverizada, já que há contribuintes e associações questionando judicialmente as mudanças", explica.
Luciano Bernart, advogado e presidente executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), afirma que, de acordo com o artigo 150 Constituição, o aumento de alíquota ou a redução da isenção precisam, sim, ser apreciadas pelo Legislativo. "A redação [da lei 17.293/2020] é genérica, mas não é permitido que uma só lei altere alíquotas e revogue várias isenções", completa.
Como ainda não houve nenhuma decisão judicial a respeito do caso, as mudanças, por enquanto, valem a partir do dia 15. Douglas Mota, do Demarest, afirma que o escritório já vem recebendo consultas de empresas a respeito da possibilidade de transferência de estado.
"As reduções de benefícios fiscais são discutidas dentro de um contexto maior. Essa atuação, bastante desconectada com o todo, acaba provocando mais distorções, e abrindo oportunidades para que as empresas saiam de São Paulo", avalia o advogado.
Leia o posicionamento completo da Secretaria da Fazenda de São Paulo
"A lei 17.293/2020 não implica em aumento do tributo, mas em uma autorização legislativa para reduzir benefícios fiscais. No Estado de SP, a alíquota padrão do ICMS é de 18%, as alíquotas inferiores são incentivo fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (parágrafo 1º do artigo 14 da Lei Complementar nº 101). Dessa forma, é equivocada a alegação de inconstitucionalidade.
A redução significativa da atividade econômica e a consequente queda na arrecadação de Estados, União e Municípios, em razão da pandemia, levou o Governo de São Paulo a promover a redução linear de 20% nos benefícios fiscais que são concedidos a diversos setores. Ou seja: 80% do benefício concedido serão preservados.
Para honrar seu compromisso de não prejudicar a população mais necessitada, o Governo do Estado manteve 100% dos benefícios a todos os produtos contidos na cesta básica de alimentos e de medicamentos. Na última semana, o governador João Doria determinou a criação de uma força-tarefa das secretarias da Fazenda; Projetos, Orçamento e Gestão; Desenvolvimento Econômico; e Agricultura e pediu a revogação da redução de benefícios fiscais também para insumos agropecuários usados na produção de alimentos, e para medicamentos genéricos.
O Governo reforça a manutenção contínua do diálogo com todos os setores produtivos no Estado. A publicação do novo decreto depende da finalização dos trabalhos realizados pela força-tarefa.
Reforçando que objetivo do ajuste fiscal é proporcionar ao Estado recursos da ordem de R$ 7 bilhões, que serão essenciais para fazer frente às perdas causadas pela pandemia e manter as obrigações em áreas como saúde, educação e segurança pública."