Antes da revogação da Lei de Imprensa, no fim do ano passado, jornalistas e empresários já discutiam alternativas à legislação, editada em 1967 e marcada pela ditadura instituída no país na época. Quando derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a lei eliminou, por exemplo, penas consideradas exageradas fazendo com que o julgamento de ações contra jornalistas passasse a ser feito com base na Constituição e nos códigos Civil e Penal. Mas também deixou lacunas a serem preenchidas, como as questões que envolvem o direito de resposta. Na semana passada, vislumbrou-se uma solução com a intenção da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) de criar um conselho de autorregulamentação da imprensa. Um projeto ainda embrionário, no entanto, e longe de um consenso.
As formas de atuação do conselho ainda estão em estudo. O que se sabe até agora é que ele será composto por sete membros e nascerá com base nos modelos já adotados em outros países. Em seu discurso de abertura do Congresso Nacional de Jornais, realizado na semana passada no Rio de Janeiro, a presidente da entidade e diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã, Judith Brito, defendeu a criação do conselho como um avanço em relação aos códigos de ética já existentes em alguns jornais do país e na própria ANJ, em um "modelo que permita debater e avaliar nossos erros, de forma transparente".
Responsabilidade
A ANJ vê no conselho uma forma de reiterar seu compromisso com a liberdade de expressão e com a responsabilidade editorial. A proposta remete a uma inevitável comparação com o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que naquela mesma semana completava 30 anos e é tido pelo setor como um exemplo de sucesso no combate a abusos. Mas que, por outro lado, é questionado por dezenas de entidades não-governamentais que pedem restrições mais severas em alguns segmentos. Mantido por agências, anunciantes e empresas de comunicação, o Conar nasceu no fim dos anos 70, quando o governo federal pensava em sancionar uma lei que, para o setor, seria uma espécie de censura prévia à propaganda.
A comparação com o conselho publicitário, no entanto, trouxe à tona, em discussões no próprio congresso, as dificuldades de se implementar um órgão como este reforçadas por críticas a uma possível reedição da abortada ideia de um Conselho Federal de Jornalismo, defendida em 2004 pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
"Não é censura agora?", questiona o professor Rogério Christofoletti, pesquisador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) em um artigo publicado nesta semana. O grande temor na época das discussões em torno do CFJ era que ele se tornasse um instrumento de censura. O editor de Opinião de O Globo, Aluizio Maranhão, que tem assento no Conar, indicado pela ANJ, disse em sua participação no congresso que o fato de o assunto estar na agenda do setor é bastante positivo, mas disse ver "sérias dúvidas" sobre a possibilidade de a ANJ criar um conselho nos moldes do Conar. "É muito mais fácil identificar o desvio numa publicidade do que o desvio numa reportagem", ponderou. "Qual código poderá abranger o universo de 140 jornais num país disparatado como o nosso, onde se tem caciquias políticas, crime organizado com um pé na política, Bangladesh e Nova York?", questionou.
Maranhão disse ainda que se sentia desconfortável ao criticar uma ação "corporativista-sindical-paraestatal" como a tentativa de criação de um CFJ e, ao mesmo tempo, defender a proposta da ANJ ressaltando que fazia uma avaliação pessoal e política. O Conselho Federal de Jornalismo tinha como objetivo, entre outros pontos, "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista".
Riscos
O vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril e vice-presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Sidnei Basile, também fez referência ao CFJ e argumentou que o país precisa de "menos tribunais de ética e de mais práticas de uma cultura de convivência de boa fé". "Isso [a autorregulamentação] é mais ou menos como carregar uma carga de dinamite. Dá para ser feito, mas com um enorme cuidado, porque o risco é imenso."
O vice-presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, defendeu a ideia do conselho citando a censura ao jornal O Estado de S.Paulo como um "exemplo objetivo" de eventuais atuações do órgão. "Fernando Sarney, um dono de jornal, entrou com uma ação e censurou o jornal O Estado de S. Paulo. Todos os associados (à ANJ) têm de sustentar a liberdade de expressão. Nós temos os valores, mas não temos um rito, por isso vamos nos regulamentar", disse ele, citando a proposta de se aplicar sanções aos jornais, não aos jornalistas. A punição máxima seria a desfiliação da entidade.