Em seu relatório da PEC dos precatórios (23/21), apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (24), o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) fez mudanças que tornam o programa Auxílio Brasil permanente e, ao mesmo tempo, dispensa o governo federal de apresentar uma compensação financeira para bancar o programa – driblando, assim, uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os partidos Podemos, PSB, PSDB e Progressistas pediram vistas após a leitura do relatório de Bezerra. As mudanças realizadas pelo relator da matéria visam conseguir maior apoio dos parlamentares à PEC. Para ser aprovada, a proposta precisa de 49 votos dos 81 senadores, em dois turnos. A expectativa é de que a proposta seja votada pela CCJ ainda nesta semana e pelo plenário da Casa na próxima terça-feira (30).
Considerada o principal marco regulatório dos gastos públicos, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que para bancar um programa dessa natureza, de caráter permanente, o governo federal realize corte de despesas do Orçamento ou aumente receitas. E é preciso indicar exatamente qual será o corte ou de onde virá o dinheiro.
Bolsonaro gostaria de elevar o benefício do programa social de R$ para "no mínimo" R$ 400 até dezembro do próximo ano. Mas, por enquanto, sem fonte de recursos, o valor médio do tíquete do Auxílio Brasil será de R$ 217,18 mensais. O relatório da PEC, contudo, vai prever um auxílio de R$ 400 permanente, para além de 2022.
"É indiscutível a necessidade de abertura de espaço fiscal dentro do teto de gastos para abrigar um novo programa social robusto, tanto em termos do tamanho do público-alvo atendido quanto em termos do valor mensal dos benefícios disponibilizados às famílias", defendeu o relator da PEC.
"Não há dúvidas de que o novo arcabouço social que se desenha amenizará as agruras financeiras atuais de contingente expressivo da população, impactando positivamente na redução da desigualdade de renda, que é um problema observado no país há longo tempo e necessita de soluções. O Auxílio Brasil, contudo, como se sabe, não se limita a apenas isso", disse Bezerra.
Sem sucesso, governo tentou encontrar fonte de recursos permanente
O Executivo obedeceu, em parte, a LRF ao definir que a fonte de custeio oficial do programa nos seus dois primeiros meses de funcionamento seria por meio do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Mas trata-se de uma medida temporária. Uma vez que o programa será tornado permanente, é preciso indicar uma compensação financeira, isso é, uma fonte de recursos também definitiva.
Sem sucesso até agora, o governo tentou, inicialmente, definir como fonte de custeio do Auxílio Brasil a tributação dos dividendos, prevista na reforma do Imposto de Renda. Mas a proposta está parada no Senado e não há expectativa de que ela avance na Casa.
Em defesa de seu parecer e contra críticas de que estaria descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, Bezerra argumenta que as emendas à Constituição se sobrepõem à lei, de forma que a exigência de indicação de fonte de recursos para financiar o programa permanente estaria dispensada.
"O governo quer sim cumprir com toda a legislação aplicável. Ela exige sim que, para cada despesa nova e aumento de despesa, indique-se que uma fonte. Como nós estamos tratando da natureza do programa através de emenda constitucional, a interpretação é que estaria suprida essa exigência na partida do programa para financiar o Auxílio Brasil", disse o parlamentar em entrevista a jornalistas na noite de terça-feira (23).
O parecer do relator prevê, além disso, a criação de uma comissão no Congresso responsável por auditar a evolução dos precatórios e os pagamentos ano a ano. "Evidencia-se a necessidade de o Congresso Nacional acompanhar institucionalmente e de forma propositiva o conjunto de atos que originam essas obrigações pecuniárias", propõe Bezerra.
"A comissão deverá atuar em cooperação com o Conselho Nacional de Justiça, podendo requisitar informações e documentos de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Uma vez concluídos os trabalhos dessa comissão, seus resultados deverão ser encaminhados aos órgãos competentes", diz o relatório.
Recursos carimbados para o Auxílio Brasil e INSS
Em seu relatório, Bezerra também "carimba" os recursos adicionais ao Orçamento de 2022 que podem vir com a aprovação da PEC, para que sejam destinados obrigatoriamente ao Auxílio Brasil e ao reajuste de despesas obrigatórias, como o pagamento de benefícios do INSS. Dessa forma, não seria possível utilizar o dinheiro para o reajuste do salário de servidores, como tem prometido Bolsonaro.
"Essa foi uma manifestação de muitos senadores, no sentido de que o espaço fiscal esteja vinculado ao Auxílio Brasil em primeiro lugar, e vinculado às despesas relacionadas ao valor do salário mínimo", afirmou o relator da PEC.
Priorização de precatórios do Fundef e nova regra de correção do teto estão mantidos
Bezerra manteve em seu relatório a previsão de prioridade do pagamento de parte dos precatórios relacionadas ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) em 2022. Essa prioridade foi decisiva para que a PEC fosse aprovada na Câmara dos Deputados.
Em vez de ficar na fila "convencional" do pagamento de precatórios, esses débitos serão pagos de forma mais rápida que os demais, em três anos. Juntos, quatro estados têm direito a receber cerca de R$ 16 bilhões em precatórios relacionados ao Fundef. Representantes da educação pleiteiam que 60% do valor devido pela União seja destinado a professores – o que significa R$ 9,6 bilhões.
Quanto a isso, o parlamentar incluiu na PEC um dispositivo para que os precatórios pagos a professores sejam feitos como abonos salariais, impedindo, por exemplo, que os recursos sejam considerados para a aposentadoria dos professores.
O parlamentar também preserva em seu texto o adiamento do pagamento de boa parte dos precatórios que o governo deveria pagar no ano que vem, e ao mesmo tempo altera a regra de correção do teto de gastos, principal âncora fiscal do país. Fica estabelecido o limite anual de pagamento de 40% do montante de precatórios até 30 de abril, de 30% do montante até 31 de agosto e 30% do montante até 31 de dezembro.
Quanto à correção anual, ela se dará com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro a dezembro do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
Outras mudanças na PEC
Outra mudança incorporada ao texto da PEC muda o prazo para envio dos precatórios a fim de serem incluídos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). O limite, que atualmente é 31 de julho, passaria a ser 15 de abril de cada ano.
A nova redação da proposta também permite que o credor dos precatórios tenha "mais opções para usufruir do seu direito creditório".
O detentor do precatório poderá escolher utilizar o crédito que tem direito a receber para "quitar débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa do ente devedor, comprar imóveis públicos disponíveis para venda, pagar outorga de delegações de serviços públicos junto ao ente devedor, adquirir participação societária do ente devedor e comprar direitos do ente devedor postos à cessão, inclusive, no caso da União, antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo".
Segundo Bezerra defendeu em seu parecer, "no geral, as hipóteses de compensação têm efeito positivo sobre o cumprimento do teto de gastos no âmbito federal, pois a compensação de débitos e créditos evita o pagamento de despesa com sentenças judiciais, que, por ser despesa primária, reduz o espaço fiscal para a assunção de outras despesas de mesma natureza".
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