A volta aos tempos áureos da aviação comercial brasileira - entre 2002 e 2015, quando o fluxo de passageiros em voos domésticos mais do que triplicou e o preço médio da tarifa (em valores reais) caiu 55%, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - vai exigir mais do que a liberação dos 100% do capital estrangeiro às empresas do setor, medida aprovada no final de maio pelo Congresso e aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Outros problemas que afetam o segmento são o cenário econômico conturbado, com expectativas de baixo crescimento - bancos já trabalham com um cenário de crescimento inferior a 1% -; a necessidade da revisão da política de preços do querosene de aviação, que é atrelada ao mercado internacional; a necessidade de melhoria na infraestrutura para o transporte aéreo e o avanço no programa de concessões para os aeroportos.
Segundo a Latam Airlines, para o mercado obter o crescimento e o equilíbrio desejado é preciso ir além da liberação total do capital estrangeiro no setor. Por meio de nota, a segunda maior empresa aérea doméstica em participação de mercado, disse que é necessário o combate às incertezas jurídicas, o fim de práticas de tutela do consumidor, a redução de custos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do combustível e que o setor esteja alinhado às práticas internacionais.
“O que impede o surgimento de mais empresas aéreas não é a falta de leis e sim o custo Brasil. O mercado da aviação comercial tem um custo operacional com a valorização do dólar frente ao real e a alta do preço do combustível. Além disso há a legislação trabalhista brasileira. Tudo isto torna esta indústria extremamente desafiadora”, aponta a Azul, a terceira maior empresa aérea brasileira em participação de mercado.
Momento complicado para a expansão da aviação comercial
O momento não é propício para uma forte expansão da aviação comercial, apontam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo: a economia está se desaquecendo; a renda, estagnada; e o desemprego e o desalento se mantém em patamares elevados. “Quem voa é quem tem renda”, sintetiza Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Mas, mesmo com esse cenário complicado, a demanda por voos domésticos aumentou 3,5% no primeiro quadrimestre do ano em relação ao mesmo período de 2018, de acordo com a Anac. “O segmento tem se mostrado resiliente”, afirma Vinícius Andrade, analista da Toro Investimentos
Liberação não terá impactos imediatos
Mesmo a liberação do capital estrangeiro nas aéreas brasileiras não terá impactos imediatos, apesar do interesse de empresas estrangeiras em operar no Brasil, como é o caso da espanhola Globália, dona da Air Europa.
Além da burocracia para colocar a operação em funcionamento, Pedro Holloway, analista da Mapfre Investimentos, lembra que o investidor estrangeiro precisa entender o mercado, avaliar se compensa investir e ver a estratégia de mercado que vai adotar: se entra em guerra de preços ou vai adotar outra estratégia de diferenciação. Isso, em um segmento, onde as margens são baixas, há exposição ao dólar e a demanda é sazonal.
“O Brasil tem uma série de peculiaridades: complexa legislação trabalhista e tributária e um amplo ambiente regulatório”
Pedro Holloway, analista da Mapfre Investimentos
A tendência de curto prazo é de aumento na concentração do mercado de aviação comercial, devido à suspensão das operações da Avianca, que era a quarta maior empresa aérea. Segundo a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), os três maiores players do mercado tinham 88,7% de share no primeiro quadrimestre.
“O atual cenário é de um mercado que não é estimulado a competir por preço. As operações da Azul não tem tanta sobreposição com as da Gol e da Latam”, diz Arbetman.
Para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o ideal seria a entrada de um novo competidor no mercado que absorvesse as operações da Avianca. E, para a Azul, ter mais espaço para novas empresas atuarem no aeroporto de Congonhas, um dos mais movimentados do país, onde quase 90% das operações são da Latam e da Gol.
Nova legislação pode ser ineficaz
A Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) avalia que a nova legislação pode se mostrar inócua caso sejam mantidas duas restrições: a proibição à cobrança de bagagens e a obrigatoriedade de as empresas que entram em realizarem pelo menos 5% de voos regionais.
As duas medidas chegaram a fazer parte do relatório do senador Roberto Rocha (PSDB-PA), antes da votação da liberação do capital estrangeiro no Congresso. A proibição da cobrança de bagagens acabou sendo aprovada, mas o presidente Jair Bolsonaro admite vetá-la, mesmo já tendo dito que era a favor dela.
“Quem quer entrar no mercado brasileiro está atento a essa decisão a ser tomada”, diz o analista da Mapfre. Entre as interessadas estariam as chilenas JetSmart e Sky e a norueguesa Norwegian. As duas últimas já operam voos internacionais para o Brasil. “O desempenho destas rotas pode servir de termômetro para decisão de investimento”, diz o analista da Ativa Investimentos.
A questão dos voos regionais nem chegou a ser avaliada, porque foi retirada do projeto. Mas já haveria um compromisso para ser incluída na Lei Geral do Turismo.
O presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, aponta que com a votação da MP que libera o acesso das empresas estrangeiras ao mercado aéreo brasileiro, o Congresso deu dois recados: as empresas que vierem a investir no Brasil devem enfrentar mais barreiras e as regras podem ser alteradas facilmente, citando o caso da autorização para cobrança de bagagens, autorizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e implementada a partir do primeiro semestre de 2017.
“O estabelecimento da obrigatoriedade de voos regionais é uma restrição brutal para quem quer investir no país. Ela não dá liberdade para as empresas elaborarem as suas malhas.”
Ele aponta que a liberação na cobrança de bagagens possibilitou o surgimento de tarifas mais acessíveis. Só que, segundo ele, a valorização do dólar frente ao real e o aumento no preço do querosene de aviação, contribuíram para diluir o impacto dessas medidas. Segundo a entidade, 60% dos custos das empresas aéreas estão em dólar.
“Acabou, também, alinhando o Brasil às práticas internacionais”, destaca. Somente China, México, Rússia e Venezuela regulamentam a franquia de bagagens em voos, mesmo assim, sem força de lei, como propôs o Congresso.
Segundo Andrade, da Toro Investimentos, a liberação dos 100% de participação de empresas estrangeiras no capital das aéreas brasileiras também traz um benefício às que já estão instaladas: o maior acesso ao capital estrangeiro. “Cria mais fontes de financiamento para as empresas e também abre espaço para o setor ser mais dinâmico.”