Depois de cerca de 20 anos de pousos e decolagens levando passageiros pelo mundo, os aviões atingem a meia idade, em que ainda mantêm sua capacidade de voar, mas suas condições internas de conforto começam a ficar restritas ou ultrapassadas para a maioria dos passageiros. Para aumentar esse preconceito contra aviões mais antigos, a concorrência entre as empresas aéreas costuma valorizar as frotas mais jovens, como diferencial de venda.
Essas aeronaves que vão sendo encostadas pelas companhias aéreas mantêm, porém, ainda boa confiabilidade para empresas de carga, que podem comprá-las pagando menos do que pagariam por uma nova e convertê-las para voarem por até mais duas décadas. E a procura por conversão em cargueiros está mais aquecida do que nunca no mundo, principalmente por causa do avanço do comércio eletrônico.
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No ano passado, a gigante Amazon anunciou que comprará 40 aeronaves desse tipo, por meio de parceiros, para que suas mercadorias cheguem mais rapidamente a seus clientes. Na última quinta-feira (9), a empresa anunciou investimentos de US$ 1,49 bilhão em um centro de distribuição de voos em Cincinatti, nos Estados Unidos. Há também outros sites de vendas globais agindo nesse mercado, como o AliExpress, da China. No passado, quem costumava comprar mais aeronaves convertidas para transportar encomendas eram empresas de encomendas, como a Fedex.
“No mundo, o comércio eletrônico cresce a taxas de 20% ou 30% ao ano. Nos EUA, eles compram itens como sabonetes, pasta de dentes pela internet. Essa demanda passa a justificar a distribuição com frotas próprias, o que antes era feito por empresas de logística”, explica Pedro Guasti, diretor-presidente da Ebit, consultoria do setor.
A Air Transport Services Group (ATSG), uma das empresas que fornecerá aviões convertidos à Amazon, tinha, no fim do ano passado, sete Boeings 767-300 em processo de conversão ou na fila para isso. “Para comparação, a companhia tinha três aeronaves programadas para conversão no fim de 2015, e nenhuma no final de 2014”, informou a ATSG em nota.
Segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), no último mês de novembro, a demanda global por transporte aéreo de carga crescia a um ritmo de 6,8% em relação ao mesmo mês de 2015. Além disso, a oferta de espaço para carga nos demais aviões cresceu 4,4%.
No Brasil, apesar das dimensões continentais e dos problemas das estradas, o volume de demanda do comércio eletrônico ainda não justifica investimento próprio das empresas em aviões, explica Guasti. Aqui, as empresas ainda usam principalmente espaços disponíveis em aviões de carga ou de passageiros.
De acordo com a ATSG, quando comparados a aviões cargueiros zero quilômetro, os convertidos têm um custo mais competitivo por tonelada de receita de frete, devido a menores taxas de arrendamento e gastos com o financiamento.
“Não é que a segurança do avião mude muito, mas a percepção do passageiro é afetada com aeronaves mais antigas e atualizar o interior do avião para eles é mais caro”, afirma André Castellini, diretor da Bain & Company em São Paulo e especialista no setor.
Processo de conversão
Na fábrica de conversão da Bedek Aviation Group, subsidiária da Israel Aerospace Industries (IAI), em Tel Aviv, o ritmo de trabalho na conversão desses aviões era intenso no mês passado, com diversas aeronaves na linha industrial - que vai da retirada das poltronas até a pintura final. A parte interna ganha uma espécie de trilho, para receber os contêineres que entram por uma grande porta lateral instalada entre a asa e a cabine.
A empresa tem seus hangares lotados para converter pelo menos 50 aeronaves pelos próximos dois anos, sendo que a empresa é a única no mundo, além da própria produtora, capaz de converter Boeings-767 de passageiros em cargueiros. A EFW, da Alemanha, é outra empresa que atua na área, especializada em converter os Airbus. Ali, o processo dura cerca de quatro meses. Mas vale destacar que nem todos os aviões de passageiros são conversíveis em cargueiros.
O trabalho inclui uma sofisticação tecnológica para que a aeronave ganhe uma nova porta capaz de receber contêineres de aviação, mas sem perder a estabilidade no ar, explicou Santiago Machtinger, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Bedek, que possui certificados para executar essas conversões.
“Mexer numa aeronave é como cortar um ovo. É preciso desenvolver um novo esqueleto em um avião antigo, para ele levar mais peso. É preciso muita técnica, para ele ainda poder voar”, esclarece Machtinger.
Além do e-commerce, também empresas dedicadas ao transporte de carga e de encomendas e serviços militares demandam esse tipo de conversão de aeronaves, explicou a ATSG. Em 2013, o Brasil encomendou da IAI a conversão de dois Boeings 737-300ER da Varig em cargueiros para a Força Aérea Brasileira (FAB), mas o contrato foi congelado por falta de recursos.
O valor do projeto chegou a ser cotado em R$ 600 milhões. Convertidos, os aviões seriam capazes de realizar reabastecimento de caças em voo, transporte estratégico de até 43 toneladas de carga e tropa e evacuação aeromédica.
No entanto, a FAB afirmou à reportagem que encerrou oficialmente no dia 30 de setembro de 2016 o projeto KC-X2. O Comando da Aeronáutica destaca que o programa que previa a aquisição de aeronaves de transporte e de reabastecimento em voo não teve desembolsos financeiros.
A aeronave estava prevista para atuar em missões de paz das Forças Armadas no Haiti ou no Líbano. Sem o projeto formalizado, o governo brasileiro costuma alugar para operações militares, quando necessário, aeronaves similares, como uma muito próxima do que seria o KC-X2, na Colômbia.
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