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Azul mira no BNDES para investir na portuguesa TAP

 | Paulo Whitaker/REUTERS

Fundador da Azul, David Neeleman incluiu Portugal na sua rota de viagens desde junho, quando comprou 61% da TAP, ao lado do grupo português Barraqueiro. E pode buscar apoio do BNDES para chegar a 95% da empresa por meio da Azul. Os planos incluem ampliar frota e destinos. No Brasil, avalia que as passagens só voltarão a subir em 2017, lamenta a perda de confiança do investidor estrangeiro e prevê retração da economia de 2,5% este ano

O Globo - Por que comprou a TAP?

David Neeleman - Há muitas razões. Realmente acreditamos que a TAP tem potencial enorme. De 35% a 40% da receita da TAP vêm do Brasil. Ela tem 26% do market share dos voos entre Brasil e Europa, é líder nesse mercado. A TAP é grande porque tem voos diretos para 12 cidades do Brasil. O novo A321 LR (avião encomendado pelo consórcio Gateway, que comprou a TAP e é formado por Neeleman e pelo grupo português de transportes Barraqueiro) pode chegar a Manaus, Belém e São Luís, a partir de Lisboa, pois Lisboa é o ponto na Europa mais perto do Brasil. Outros hubs (centros de distribuição) na Europa não podem usar essa aeronave.

Por que não podem?

As outras companhias usam wide bodies (aviões grandes, que fazem voos de longo curso), com custos maiores. No A330-900, por exemplo, preciso de 180 pessoas a bordo para chegar ao break-even (ponto de equilíbrio em que não se tem ganho nem perda). Nos A321, bastam 85. E os A321 têm alcance de sete a oito horas de voo. Os motores novos queimam 15% menos combustível (comparados com os modelos antigos). Então, os A321 têm alcance maior. Podem fazer viagens de Portugal para o Nordeste do Brasil ou para o Nordeste dos Estados Unidos a um custo 50% menor que o do A330.

Para quais novos destinos a TAP vai voar no Brasil?

São Luís, Teresina, João Pessoa. Podemos ir também para Cuiabá, onde a Azul é forte, e Campo Grande. Todas as capitais.

E nos Estados Unidos e na Europa?

Nos Estados Unidos, a TAP só voa para New Jersey e Miami. Achamos ser possível voar para seis a oito novos destinos. Há muitos portugueses em Boston e Washington. Na Europa, já há cerca de 50 destinos. Talvez tenhamos que ignorar alguns. Se a TAP voa para alguma cidade em que as pessoas não têm interesse em voar para Portugal, Brasil ou EUA, não queremos voar para lá (risos).

O consórcio Gateway entregou uma carta do BNDES ao governo de Portugal dizendo que o banco poderia apoiar a operação de compra da TAP. Mas o BNDES só financia empresas brasileiras, e o consórcio tem controle português. Como se dará um eventual apoio do BNDES à operação?

Seria por meio da Azul, mas não está decidido ainda. Temos 61% da TAP hoje e temos a opção de chegar a 95%. Se a gente quiser colocar mais capital, o BNDES poderia emprestar dinheiro para a Azul, e a Azul poderia entrar na TAP. Não precisamos disso agora, mas seria bom se a Azul tivesse essa opção, seria um investimento para a Azul.

No anúncio de compra da TAP, foi dito que seriam encomendados 53 novos aviões para a aérea. Pretende levar os aviões da Embraer para lá?

Os 53 aviões são da Airbus (A330-900 e as famílias A321 e A320), já foram encomendados e irão para a TAP, que tem 88 aeronaves. Parte dos aviões será usada para renovar a frota e parte será usada para ampliá-la. Além disso, dentro do grupo TAP tem a Portugália, que é regional. A frota dela precisa ser renovada. Uma das ações é colocar os jatos 190 e 195 (da Embraer) na Portugália. Estamos estudando isso. Outra opção é fazer uma fusão de Portugália com a TAP e ampliar ainda mais a frota da TAP. Nesse caso, a TAP faria os voos regionais e poderíamos comprar aviões menores da Airbus, como o A319.

O BNDES poderia entrar financiando aviões da Embraer?

Claro, é isso que o BNDES faz.

Quais as sinergias entre TAP e Azul?

A gente pode entregar muitos clientes para eles e eles podem entregar muitos clientes para nós. Podemos fazer o handling (pessoal que trabalha nos serviços em solo) da TAP e da Azul juntos. E fazer compras (de suprimentos) juntos. Somos duas vezes maiores agora. Temos poder de barganha maior. E a Azul é o maior cliente da TAP Manutenção (que fica no Brasil).

O investimento na TAP é de € 350 milhões. Os fundos que são acionistas da Azul participam?

Hum, hum. Tem alguns.

A TAP vai dar lucro?

Contratei uma consultoria para estudar a empresa profundamente. Paguei uns US$ 500 mil para eles. Eles disseram que a receita da TAP poderia ser € 200 milhões maior. Hoje, é de cerca de € 3 bilhões. Achamos que podemos elevar isso em 8%, fazendo conectividade, gerenciamento de tarifa, alimentando melhor o Brasil e ajustando a malha na Europa.

O senhor tem experiência em companhias com perfil muito diferente do da TAP. O que vai mudar?

Vai ter uma grande mudança de frota, de malha e de produto. Hoje, as aeronaves têm dez anos e (as poltronas) não deitam na executiva. Vamos mudar isso. Vai ter entretenimento, mais conforto a bordo. Vai ser um produto bem melhor.

Vai haver demissões?

A TAP é eficiente. Pode ser mais eficiente, mas não é demitindo que vamos ficar mais eficientes. Fizemos uma promessa que não faríamos demissão por três anos.

Como foram as conversas com o governo brasileiro?

Tivemos apoio. O governo brasileiro ligou para o governo português e falou: “Esses caras são sérios”. A primeira vez que ouvi falar do interesse brasileiro na TAP foi há cinco anos, quando Gleisi Hoffmann (ex-ministra da Casa Civil) ligou para mim e perguntou: “Vocês podem comprar a TAP? É muito importante para o Brasil. Alguém tem que comprar”. E o Brasil tinha que ter interesse mesmo porque 50% das pessoas a bordo (da TAP) são europeias. Vêm aqui gastar dinheiro. Nos voos que vêm dos EUA, 95% são brasileiros. Não trazem dólar para cá, levam dólar para lá. Sem contar os dois mil empregos da TAP Manutenção e Engenharia no Brasil.

Por que não houve interesse antes?

Depois da fusão da Azul com a Trip (em 2012) foi que ficamos mais robustos. Aí fazia mais sentido.

A TAP tem acordo de compartilhamento de voos com a Gol. Isso vai acabar?

Se a Gol quiser dar receita para a TAP, com voos que a Azul não tem, nós podemos manter o acordo.

A Delta injetou mais capital na Gol este ano e a Azul vendeu 5% da empresa para a United Airlines. O capital estrangeiro é necessário para atravessar a crise atual?

É, de certa forma, uma maneira de abrir capital. A gente vendeu 5% da Azul por US$ 100 milhões, o que coloca a empresa com um valor de US $ 2 bilhões. Foi um bom preço. Claro que o capital é bem-vindo. Mas não foi por causa da crise.

As empresas têm feito promoções para manter os passageiros de lazer viajando, já que o corporativo sumiu dos aviões. Com tarifas tão baixas, o prejuízo será inevitável?

Tem que ter (preços baixos), porque tem que estimular o mercado. As empresas estão muito sofisticadas. Com 180 dias de antecedência, sabe-se qual taxa de ocupação o avião deve ter, qual a tarifa deve ser cobrada. O problema é a tarifa média este ano, que está menor do que a do ano passado. E os custos estão mais altos por causa do dólar.

A receita da Azul será menor?

Se a pergunta é se vamos ter lucro, a resposta é não (risos). A receita vai ser quase a mesma. Se não fosse pelo dólar, poderíamos ter lucro. A tarifa média está mais baixa, teríamos uma receita menor, mas poderíamos ter lucro. Com o dólar alto, é impossível.

Quando haverá recomposição de preços das passagens?

Este ano não. Talvez só em 2017. Mas temos bastante caixa para atravessar esses anos.

A Azul começou a operar no Brasil em dezembro de 2008. O que mudou de lá para cá? O país continua atraente para o investidor estrangeiro?

O câmbio foi de R$ 1,60 a R$ 3,50. As políticas aqui, as despesas do governo, a confiança... O problema agora é que muita gente que investia no Brasil tirou investimento porque perdeu a confiança no país. Imagina as pessoas que investiam na Petrobras... Tem dezenas de bilhões que as pessoas perderam. Antigamente os fundos falavam: “Puxa, que bacana... Você está no Brasil. O país está indo bem, Copa do Mundo, Olimpíadas, a classe média está crescendo”. Era tudo ótimo. Eu falava: não é tão bom assim. Hoje, eles falam: “Puxa, você está lá, nossa! Que merda”. E eu estou falando: não é tão ruim assim. A verdade está em algum lugar no meio. Então, o que precisamos é ter a confiança dos investidores estrangeiros de volta. Nosso país precisa de investimento de fora.

O que fez eles saírem? Alguma medida de política econômica?

Tudo. Se o Brasil perder o grau de investimento (selo de bom pagador), vai ser mais difícil ainda. Quado vim para cá nem tinha grau de investimento. E houve perda de confiança por causa da corrupção.

Qual a variação do PIB com que estão trabalhando para este ano?

Retração de 2,5%.

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