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Um dia após ser classificado de a única “coisa desajustada” do país, o Banco Central aplicou um 9 a 0 sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A votação unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) aliviou as desconfianças do mercado em relação a interferências políticas e ao compromisso da autoridade monetária com a meta de inflação. Ao mesmo tempo, porém, fez aumentarem as dúvidas sobre a sucessão no BC, hoje comandado por Roberto Campos Neto.
Em outras palavras, as mesas de operação podem ter dias um pouco mais tranquilos no curto prazo, após semanas de queda na Bolsa e alta no dólar e juros futuros. É o que se vê em todos os comentários de bancos, consultorias e corretoras. Só que, mais adiante, a tensão pode voltar a ditar o rumo dos negócios, dada a contrariedade de Lula com os votos dos diretores que ele já nomeou para o Banco Central.
"Nossa visão é de que o mercado deve reagir bem a essa decisão [do Copom]", diz Fernando Ferreira, estrategista-chefe da corretora XP. "Agora, a grande incógnita que fica é qual será a reação em Brasília a essa decisão, e também se isso impacta ou não o processo de tomada de decisão de quem será o próximo presidente do BC."
Todos os indicados de Lula ao Banco Central votaram pela manutenção da Selic
Nesta quarta-feira (19), todos os quatro indicados de Lula votaram pela manutenção da taxa Selic em 10,5% ao ano. Esse time inclui o economista Gabriel Galípolo, que até dias atrás era visto como provável escolha do petista para presidir o Banco Central a partir de 2025, após o fim do mandato de Campos Neto.
A Faria Lima andava ressabiada desde a reunião anterior do Copom, quando os quatro "lulistas" votaram por uma queda maior da Selic (de 0,5 ponto percentual) enquanto os cinco indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defenderam corte mais suave (de 0,25 ponto).
Agora, após o placar unânime, Galípolo e os demais ganham pontos com o mercado, pois seus votos foram lidos como sinais de independência e rigor técnico. "Os membros do Copom reforçaram que seus interesses individuais não estão à frente do mandato do próprio BC e afastaram a ideia de que intervenções políticas permeiam a condução da política monetária", aponta Carla Argenta, economista-chefe da corretora CM Capital.
Mas, exatamente por isso, eles tendem a perder pontos no caderno do presidente da República.
Galípolo, 42 anos, começou a cair nas bolsas de apostas já na terça (18). Naquele dia, Lula disse que escolherá para o comando do BC "uma pessoa madura, calejada". Deu outro recado, que ganha ainda mais relevo agora: avisou buscar alguém que "não se submeta a pressões de mercado", "que não pense só em controlar a inflação".
"O alinhamento de Galípolo pode ajudar a estancar a piora das projeções de inflação. Por outro lado, vale a pena observar também a reação do governo a esse voto. Apesar de não poder ser descartado um certo 'mise-en-scène' [jogo de cena], o tom adotado pode indicar também que as chances de Galípolo ser o escolhido diminuíram", aponta Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
Lula vai indicar três diretores do BC nos próximos meses. E escolher o novo presidente
Nos próximos meses o presidente vai indicar mais três diretores ao BC, em substituição a Campos Neto e outros dois remanescentes do governo Bolsonaro. Com isso, no começo do ano que vem o Copom será formado por uma maioria de escolhidos do petista – serão sete.
Os acontecimentos dos últimos dias sugerem que o novo presidente da instituição pode vir do novo grupo de indicados. Até nomes como o do ex-ministro Guido Mantega e do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, começaram a ser citados na capital federal.
Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), avalia que as recentes declarações de Lula são uma tentativa de mostrar que pode impor sua pauta, em meio a um momento político difícil. Ele crê que o presidente vai esperar o fim das eleições municipais para tomar uma decisão.
"Acho que a escolha vai acabar sendo pessoal, mas será técnica. Por mais que seja um nome alinhado ao pensamento do presidente, terá de ser técnico. Nenhum governo pode prescindir de um BC que busque a estabilidade da moeda. Porque inflação alta é politicamente muito ruim para o governo", diz Tingas.