Bradesco anunciou que terá R$ 16 milhões para novos empréstimo após medidas do BC| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

Opinião

BC faz leitura correta, mas falta coordenação

Guido Orgis, editor executivo de Economia

As medidas anunciadas ontem pelo Banco Central evidenciam que a economia brasileira está em um momento delicado. Os bancos vêm reduzindo o ritmo de concessão de empréstimos, o que é normal em um momento de elevação das taxas de juros e de pessimismo entre empresários e consumidores. Baixar o custo dos empréstimos pode ser um estímulo para que alguns investimentos se tornem viáveis – por isso, é muito bem-vinda a medida que permite empréstimos maiores para pequenas empresas – e para que as pessoas consumam mais.

O BC parece ter lido de forma correta os efeitos da contração na concessão de empréstimos. Hoje, o saldo do crédito no Brasil cresce a um ritmo de 12,7% ao ano. Era de mais de 20% há pouco mais de um ano. Os empréstimos com recursos livres, aqueles que não têm destinação obrigatória, como o habitacional e as linhas do BNDES, crescem a 5,7% ao ano. Há pouca chance de a economia voltar a crescer sem que esse ritmo melhore, embora fosse melhor um foco sobre o investimento do que sobre o consumo.

O problema por trás da medida do BC é que falta coordenação. Os juros subiram nos últimos meses porque ainda é necessário controlar a inflação. Um dos efeitos é o encarecimento do crédito e um maior conservadorismo dos bancos. Em outras palavras, o Banco Central quer corrigir um problema que ele causou. Ao mesmo tempo, o governo federal demonstrou pouca vontade de cumprir uma meta fiscal mais firme que justificaria um afrouxamento monetário. E, por último, mais estímulo ao consumo não é uma solução de longo prazo para o crescimento.

A melhor hipótese para explicar as medidas é a de que o BC vê a atividade econômica tão fraca que está preparando o terreno para baixar os juros assim que a inflação ceder perto do fim do ano. É quando o que foi anunciado ontem vai começar a ter efeito real na economia.

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Um dia depois de afirmar que não vai mexer na taxa básica de juros por um longo período, o Banco Central anunciou medidas de estímulo ao crédito. A instituição retirou restrições e criou incentivos que podem injetar R$ 45 bilhões na economia. O valor representa apenas 1,5% do estoque de crédito no país (R$ 2,8 trilhões). Por outro lado, equivale às concessões de novos empréstimos em um período de três meses.

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INFOGRÁFICO: Entenda quais são as principais medidas anunciadas pelo BC

A principal medida é o corte na remuneração de parte dos recursos que os grandes bancos são obrigados a deixar parados no BC, os depósitos compulsórios – medida semelhante foi adotada na crise de 2008. Para não perder dinheiro, o banco pode comprar carteiras de crédito de instituições menores ou fazer, ele mesmo, empréstimos para compra de veículos e motos.

A liberação do dinheiro, porém, depende da vontade dos bancos de emprestar e da demanda dos consumidores em um momento de alta dos juros. O setor bancário estima que o impacto será limitado, apesar do Bradesco já ter anunciado que terá R$ 16 milhões disponíveis para fazer novos empréstimos devido às medidas. O presidente do Itaú, Roberto Setubal, também elogiou a estratégia do BC. "Vejo de forma positiva as iniciativas, pois criam condições de aumentar o crédito em alguns segmentos do mercado financeiro em que a liquidez estava menos folgada", disse Setubal.

O BC não garante que o dinheiro chegue à economia e diz que a decisão não muda suas previsões de inflação. As medidas podem ajudar, no entanto, a conter insatisfações no governo com a postura da instituição de indicar juros estáveis nos próximos meses, mesmo diante do risco de o país entrar em recessão.

O presidente da Febraban (federação dos bancos), Murilo Portugal, afirmou que o sistema financeiro poderá expandir o crédito de forma "prudente" e sem pressionar a demanda. "Trata-se de medidas de aplicação voluntária, mas que criam estímulos adequados para as instituições financeiras."

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Impacto limitado

O perfil mais seletivo para emprestar, priorizando segmentos de menor risco, e o nível de endividamento das pessoas físicas e jurídicas devem minimizar os impactos das medidas de estímulo ao crédito, segundo Luiz Miguel Santacreu, analista de bancos da Austin Rating. "O governo continua tentando conciliar crescimento econômico com controle de inflação. A flexibilização das medidas macroprudenciais visa, mais uma vez, estimular o crescimento econômico com consumo", disse.

Para o economista Sílvio Campos Neto, da consultoria Tendências, os resultados advindos das mudanças anunciadas ontem são "muito duvidosos". "Hoje as famílias estão mais cautelosas para partir para novas decisões de consumo e aumentar seu endividamento", comentou. Para ele, o setor automotivo pode até perceber alguma consequência positiva, mas o enfraquecimento da demanda por crédito e o mercado de trabalho mais frio não compõem um cenário favorável ao consumo.

Efeito dúbio

O setor privado avalia que as novas medidas do BC não devem pressionar a inflação. Por outro lado, também não conseguirão reverter a desaceleração do crescimento do PIB – analistas preveem que a expansão da economia não ultrapassará 1% em 2014.

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