A retração da economia brasileira no primeiro trimestre atingiu com força setores como a indústria, mas pouco afetou os resultados do ramo financeiro: os principais bancos privados do país cresceram no período a taxas próximas de 30%. Analistas destacam aumento de tarifas, cortes administrativos e controle da inadimplência como explicações para o feito, exceção neste momento de crise.
Entre as empresas privadas, o melhor resultado foi do Itaú Unibanco, líder no varejo brasileiro, com expansão de 29,70% no lucro líquido sobre o primeiro trimestre de 2014, alcançando R$ 5,73 bilhões. O lucro do Bradesco também cresceu com força, a 23,26%, para R$ 4,24 bilhões. No segmento público, o Banco do Brasil expandiu os ganhos em 117,30%, impulsionado pelo impacto da joint venture com a Cielo em gestão de cartões. Já o lucro da Caixa Econômica Federal no período ficou estável, em R$ 1,5 bilhão.
A renda do setor com tarifas cobradas por serviços se expandiu e foi decisiva para o bom resultado: as margens cresceram mais expressivamente para Itaú Unibanco (19,45%) e Bradesco (20,85%). “O ritmo de crescimento dessas tarifas está sendo superior à inflação. E o cliente não tem como fugir: se vai para Itaú ou Caixa, dá no mesmo”, diz o economista João Augusto Salles, que é analista da consultoria Lopes Filho & Associados.
A margem de lucro com a concessão de empréstimos também está em alta. Dados do Banco Central indicam aceleração do spread, diferença entre os custos de captação e a receita de venda do crédito. Entre abril de 2013 e 2015, a taxa cresceu de 14,60% para 17,10%, chegando ao maior nível em quase três anos. No segmento de pessoa física, a aceleração foi a mais forte, de 8% para 9,3%.
“Os bancos repassaram boa parte do aumento de juros para os clientes, apesar do cenário negativo”, explica o professor de Economia João Fróis Caldeira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Balanço da Caixa econômica
Com três semanas de atraso, a Caixa Econômica Federal divulgou seu balanço do primeiro trimestre nesta quarta-feira (3) com um lucro líquido de R$ 1,5 bilhão. O desempenho reflete o aumento das receitas de operações de crédito em 35,3%, do resultado de títulos e valores mobiliários e derivativos em 88,2% e do avanço nas receitas de prestação de serviços em 14,9%. No período, a Caixa liberou R$ 113,5 bilhões em empréstimos, contra R$ 112,9 bilhões em 2014.
Inadimplência e custos
Um fator decisivo para o bom desempenho do setor foi o controle da inadimplência, por meio da ampliação da seletividade na venda de crédito, em especial nos bancos privados. Itaú e Bradesco tiveram, no semestre, tímido crescimento na carteira, descontada a inflação do período.
Sampaio diz que os bancos perceberam, ainda no ano passado, os sinais de desaquecimento da atividade econômica. Desde então, passaram a ser mais criteriosos, para reduzir o risco de inadimplência. “O país agora está em recessão, mas os banqueiros sabiam havia bastante tempo que estávamos caminhando para isso e fizeram a lição de casa, restringindo o crédito”, diz Eduardo Sampaio, presidente da FTI Consulting.
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Leia a matéria completaCaldeira ressalva apenas que a inadimplência ainda pode se configurar, já que os balanços financeiros consideram como receita empréstimos cujo prazo de quitação ainda não venceu, mas que não necessariamente serão quitados.
A redução de custos também colaborou para o resultado positivo no trimestre. Os balanços financeiros de Itaú e Bradesco apontam reduções de 2,26% e 4,58% no quadro funcional, respectivamente – o primeiro banco desligou 2,1 mil e o segundo, 4,5 funcionários.
Os analistas ressaltam, ainda, a receita de investimentos externos de Bradesco e Itaú, beneficiada pela desvalorização cambial deste ano, na ordem de 20%.
Instituições projetam um crescimento da inadimplência em 2015
Embora esteja sob razoável controle, a inadimplência preocupa os bancos, que já projetam crescimento das dívidas neste ano. A chamada Provisão para Despesas Duvidosas (PDD) subiu com intensidade nos principais bancos privados, com destaque para o Bradesco, que reajustou em 25% o valor projetado.
No Banco do Brasil, a elevação foi de 34%, enquanto na Caixa, a alta foi ainda mais intensa, de 102,9%. “Os bancos públicos foram menos criteriosos para dar empréstimos, principalmente por questões políticas, e vão sofrer mais”, estima Eduardo Sampaio, presidente da FTI Consulting.
A maior preocupação diz respeito às pessoas jurídicas, com destaque para as empresas envolvidas na Operação Lava Jato, algumas das quais podem pedir concordata. “Os bancos têm carteira de crédito relativamente grande na construção civil, que passa por dificuldades”, explica o economista Hersz Ferman, da Elite Corretora.
Ele acrescenta que o segundo trimestre será importante para identificar se a tendência de aumento da inadimplência foi pontual ou se sustenta – neste caso, os resultados dos bancos devem ser mais impactados.
Alíquota maior do CSLL deve impactar juros de empréstimos
A recente decisão do governo federal de elevar de 25% para 30% a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro, que inclui os bancos, deve prejudicar o segmento e aumentar os juros cobrados por empréstimos, de acordo com expectativa do mercado. O novo patamar do imposto passa a valer em agosto, com a entrada em vigor da Medida Provisória 675.
A estimativa do economista João Augusto Salles, analista da consultoria Lopes Filho & Associados, é de que o impacto no balanço de 2015 será pequeno, já que a mudança abarcará apenas um quadrimestre completo. Para 2016 , ele estima um impacto de 4% a 6% nos resultados das empresas.
Há expectativa de que a elevação tributária tenha reflexo nas taxas de empréstimos praticadas pelos bancos. “Isso ocorre em qualquer setor. Se o governo aumenta imposto sobre bebidas, quando vai tomar cerveja, o preço está mais alto. Muito dificilmente o aumento de imposto ficará exclusivo sobre a empresa”, diz o economista Hersz Ferman, da Elite Corretora.
O repasse não necessariamente será integral – a força da demanda por crédito será decisiva na definição desse porcentual. Caso haja escassez de procura, fica difícil o repasse da tributação para o consumidor e o banco tende a absorver a maior parte da nova despesa.
Outro freio é a própria elevação abrupta de custo para o cliente. “Se o banco aumentar muito a tarifa dos empréstimos, corre risco de perder o cliente. Como o mercado tem oligopólio, mas não monopólio, ninguém pode sair elevando taxas indiscriminadamente, porque enfrenta concorrência”, pontua Eduardo Sampaio, presidente da FTI Consulting.
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