Mudanças nas formas de correção da caderneta entre os anos 1980 e 1990 causaram perdas aos poupadores| Foto: Arte sobre foto de Marcelo Elias/ Arquivo/Gazeta do Povo

Bolsa 0,31% foi a queda do Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, ao fim do pregação de ontem, devido ao temor de perdas bilionários para as instituições financeiras após a decisão do STJ favorável aos poupadores. A maior queda foi registrada nos papéis do Banco do Brasil, que recuaram 7,25%. Já as ações do Bradesco PN e do Itaú Unibanco fecharam em queda, respectivamente, de 2,54% e 2,13%.

CARREGANDO :)

Entrevista

"Sinto que estou lutando contra o Estado"

Walter José Faiad de Moura, advogado do Idec

Camille Bropp Cardoso

Com essa sentença, o que muda para os poupadores que tiveram perdas com os planos econômicos?

A única coisa que se resolveu foi que, a partir de agora, contam desde o início [da intimação] os juros da dívida que os bancos devem pagar a quem já teve sentença favorável. Quem detém extratos da época [anos 1980 e 1990], tem como comprovar que tinha dinheiro depositado e ainda não teve ação transitada em julgado sobre o assunto pode pedir provimento dentro do prazo. Claro que o Supremo pode, caso esqueça tudo o que decidiu nos últimos 20 anos, reverter o entendimento [na ação de constitucionalidade dos planos econômicos] e ninguém receberá nada. Se fizerem isso, meu Deus, vamos nos mudar para a Argentina.

O STF marcou julgamento para o dia 28. Espera novo adiamento?

Claro que espero, se o Banco Central advoga pelos bancos. Sinto que estou lutando contra o Estado. E eles podem tudo.

O argumento de que os bancos podem ter perdas bilionárias será um empecilho?

Isso é mentira. Os bancos falam em R$ 340 bilhões, mas a conta é de R$ 8,5 bilhões hoje, sendo que o faturamento deles é oito vezes maior do que isso. Nenhum banco vai quebrar pagando o que deve. O Supremo não vai julgar essa causa com nenhuma granada no colo.

Os brasileiros que entraram com ação judicial para serem ressarcidos de perdas no rendimento da caderneta de poupança com as mudanças de planos econômicos na época da hiperinflação tiveram uma vitória ontem na disputa com os bancos pela forma de correção.

Publicidade

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os juros de mora incidentes nas ações coletivas movidas pelos poupadores devem ser contabilizados a partir da citação da ação, ou seja, no início do processo, em 1993. Os bancos e o governo defendiam que os juros de mora – espécie de punição pelo atraso no pagamento de títulos de crédito – deveriam incidir só a partir da execução individual da condenação.

A decisão do tribunal pode ampliar em bilhões a quantia que os bancos terão de pagar aos poupadores. Isso, no entanto, só ocorrerá caso o Supremo Tribunal Federal (STF), em outro julgamento marcado para a próxima quarta-feira, entenda que poupadores devem ser ressarcidos por perdas com os planos Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. No STJ ainda há uma segunda questão pendente, a abrangência das ações, se elas têm repercussão local ou nacional, julgamento que ainda não tem data para ocorrer.

Erasto Villa Verde de Carvalho, subprocurador-geral do Banco Central, afirmou que a autoridade monetária vai avaliar se é o caso de recorrer da decisão, por meio de embargo declaratório. O BC estima que o impacto para os bancos pode chegar a R$ 341 bilhões, mas o valor é contestado por órgãos de defesa do consumidor. Segundo Carvalho, o impacto dessa decisão pode ser modulado, com parcelamentos.

O entendimento que vigorou no acirrado julgamento do STJ, desempatado pelo voto do presidente do tribunal, Felix Fischer (o placar final foi oito a sete), foi que adiar o início da contagem dos juros estimularia a resistência do cumprimento de ações coletivas julgadas. Essa é a visão do relator de um dos recursos, ministro Sidnei Beneti.

Os ministros analisaram ontem dois recursos, um do Banco do Brasil e outro do HSBC. Nesses dois casos, a Justiça já havia decidido que o BB e o HSBC (originalmente Bamerindus) terão de ressarcir os poupadores pelas perdas com o plano Verão.

Publicidade

A decisão estava suspensa por causa do recurso movido pelos bancos sobre a contagem dos juros de mora. Agora, eles terão de pagar, além das perdas, o valor "cheio" dos juros. O entendimento do STJ nessas duas situações vai servir para todos os casos semelhantes envolvendo pagamento de juros de mora em ações coletivas.

Coerência

Para o jurista Ives Gandra Martins, a Corte foi coerente com decisões anteriores ao reconhecer que os juros de mora devem incidir desde o início das ações públicas. "Não esperava outra decisão que não fosse nessa linha", disse.

Votaram a favor dos poupadores os ministros Ari Pargendler, Nancy Andrighi, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes, Sidnei Beneti e o presidente da Corte, Felix Fischer.

Bancos tentam protelar prazos com recursos judiciais

Publicidade

Camille Bropp Cardoso

Além de tentar reduzir o montante das indenizações, os bancos tentam protelar prazos por meio de recursos, avalia o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Isso porque correntistas dos cinco bancos já obrigados pela Justiça a devolver dinheiro têm data-limite em 2014 para pedir o cumprimento da sentenças. No caso de quem teve perdas com o Plano Verão (janeiro e fevereiro de 1989) por causa do Bamerindus (agora, HSBC), o prazo é outubro; no do Banco do Brasil, agosto.

O reflexo da decisão do STJ sobre isso é garantir juros de mora de 194% (até maio de 2014) para correntistas do BB e de 195% para os do Bamerindus, segundo cálculos do instituto. Os outros bancos com sentenças desfavoráveis em ações do Idec relacionadas ao Plano Verão são Nossa Caixa Nosso Banco, Banco do Estado da Bahia (Baneb) e Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe).

Extratos

As sentenças são válidas para todos os poupadores, mas é necessário reunir documentos e pedir o cumprimento das decisões – processo diferente do de ingressar com nova ação. Os extratos devem ser pedidos por escrito aos bancos, com prazo de dez dias para a entrega das microfilmagens. Caso haja negativa, é possível denunciar a situação ao Banco Central. Se o titular da conta já morreu, o pedido pode ser feito por herdeiros ou inventariante.

Publicidade

A presidente do Conselho Diretor do Idec, Marilena Lazzarini, salienta que pedir o cumprimento da sentença antes do prazo é a única forma de garantir indenização. Mas, mesmo assim, o poupador ainda fica à mercê do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que vai avaliar se os planos econômicos dos anos 1980 e 1990 (Bresser, Verão e Collor) feriram a Constituição ao mudar os índices de correção das poupanças.