De um banqueiro francês, sobre o que pode ocorrer com a moeda europeia: “Se um país deixar o euro, você deve multiplicar por dez o efeito [da quebra do] Lehman Brothers.”| Foto: Tony Gentile/Reuters

Fragilidades

Não digam que Friedman não avisou

Saudada por muitos como um passo em direção à utopia de um mundo sem fronteiras, a adoção do euro enfrentou o ceticismo dos economistas à época de sua criação. A principal crítica era de que seria difícil manter a moeda única sem que os países unificassem também as políticas fiscal e tributária. Quase dez anos depois, a conta chega: a ameaça ao euro vem, justamente, do contraste entre a austeridade de uns e a atitude perdulária de outros.

"As taxas de câmbio entre moedas diferentes têm sido um mecanismo de ajuste a choques e eventos econômicos, que afetam cada país de modo distinto. Ao estabelecer uma área de moeda comum, o euro, os países estão, essencialmente, jogando fora esse mecanismo de ajuste. O que irá substituí-lo?", perguntava o economista Milton Friedman, prêmio Nobel de 1976, em uma entrevista dada a uma rádio australiana em 1997. Naquela ocasião, Friedman observou que os países europeus poderiam ter sorte, de forma que os impactos fossem os mesmos nos dez ou 20 anos que se seguiriam. Caso contrário, sofreriam consequências de um ajuste que incluiria desemprego e inflação.

Cédulas e moedas do euro começaram a circular em 2002, e a moeda completará dez anos em algumas semanas em sua crise mais séria. Ninguém pode dizer que não foi avisado.

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Banqueiros europeus desdenham riscos

Surpreendentemente, os bancos de países europeus afetados pela crise não parecem tão perturbados quanto os que olham de fora. Na França e na Itália, alguns banqueiros contam que não estão fazendo planos de contingência simplesmente porque concluíram que a implosão do euro é algo impossível. Embora bancos como BNP Paribas, Société Générale, UniCredit e outros tenham se livrado recentemente de bi­­­lhões de euros em dívida soberana, o pensamento geral é de que não há motivos para novas providências.

"Nos Estados Unidos há uma visão clara de que a Europa pode ‘desmontar’, mas nós, aqui, acreditamos que ela deve se manter como está", disse um executivo francês, resumindo a opinião de seus compatriotas. "Por isso ninguém está defendendo uma retirada", afirmou.

Quando o Intesa Sanpaolo, segundo maior banco da Itália, avaliou diversas situações na preparação de seu plano estratégico 2011-2013, em março, nenhum deles incluía defecções na zona do euro. "Mesmo com a evolução dos eventos, não revisamos nosso cenário para levar isso em consideração", contou Andrea Beltratti, presidente do conselho de administração.

Beltratti disse que os bancos podem provocar um estouro de manada no caso de o nervosismo em relação ao euro crescer, e que Intesa Sanpaolo tem sido "muito cuidadoso" do ponto de vista de liquidez e capital. Em meados deste ano, o banco elevou seu capital em 5 bilhões de euros, em uma das maiores operações do gênero na Europa.

Ele também observou que a Itália, assim como o restante da União Europeia, poderia adotar uma série de medidas capazes de garantir o futuro da moeda. "Certamente já fui mais confiante [com o euro] alguns meses atrás, mas ainda sou otimista", afirmou.

Gregos protestam contra medidas de austeridade do governo: empresas já se preparam para saída da Grécia do euro

A chanceler alemã Angela Merkel costuma repreender qualquer um que fale sobre um rompimento iminente entre os países da zona do euro. "Isso não vai acontecer", diz. Mas alguns bancos não estão mais tão seguros disso, especialmente depois que a crise da dívida passou a ameaçar a própria Alemanha, há dez dias – para quem não lembra, foi quando o mercado rejeitou uma oferta de títulos do governo local, obrigando o Tesouro a adquirir quase 40% dos papéis.

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Líderes europeus insistem em dizer que não há razão para preparar um "plano B", mas é exatamente isso que estão fazendo algumas das maiores instituições financeiras do mundo. "Não podemos ser complacentes, e não estamos sendo", disse Andrew Bailey, chefe de um setor da Autoridade Britânica de Serviços Financeiros encarregado de operações especiais ligadas à crise financeira. "Não podemos ignorar a possibilidade de uma fuga desordenada de países da zona do euro."

Embora admitam que seja legalmente, politicamente e financeiramente complicado para a Grécia deixar a zona do euro, os bancos estão calculando como os euros serão convertidos em dracmas, como os contratos serão executados e como um evento dessa magnitude poderia afetar os mercados globais. O Royal Bank of Scotland (RBS) é um dos que estão testando sua capacidade de lidar com um esfacelamento do euro. "Fizemos muitas análises e testes de estresse para saber o que acontecerá se o euro deixar de existir ou se certos países deixarem de usar a moeda comum", disse Bruce van Saun, diretor financeiro da instituição. "Não quero ser mais dramático do que isso", completa.

A partir de um levantamento publicado na semana passada, feito a partir de respostas de mil clientes, o banco Barclays concluiu que quase metade deles espera que pelo menos um país deixe a zona do euro. Pouco mais de um terço (35%) esperam que o rompimento se limite à Grécia, e um em cada 20 acreditam que cinco países abandonem a moeda no ano que vem.

Alguns bancos também têm preocupações que vão além da Grécia. Em relatório, o Merril Lynch já andou especulando o que aconteceria caso vários países voltassem a usar suas antigas unidades monetárias. Sua conclusão: se Espanha, Itália, Portugal e França voltassem hoje a imprimir pesetas, liras, escudos e francos, essas moedas estariam entre as mais fracas em relação ao dólar, refletindo a relativa fraqueza de suas economias. Por outro lado, moedas de economias mais fortes, como Alemanha, Holanda e Irlanda, provavelmente se valorizariam em relação ao dólar.

O maior perigo do esfacelamento do euro, segundo Stephen Jen, sócio da consultoria britânica SLJ Macro Partners, é o que ele chama de "risco de redenominação" – o efeito imprevisível que ele teria sobre ativos financeiros no período turbulento em que as moedas recém-criadas buscariam seus próprios níveis de preço no mercado. A dúvida é o que ocorreria com os contratos firmados em euros nesse ambiente.

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A maioria das pessoas torce para que isso não acontecça. "Lembra o que aconteceu quando o Lehman Brothers quebrou? Ninguém conseguia antecipar o que aconteceria", disse um banqueiro francês, que falou sob a garantia de anonimato. "Aquilo foi uma empresa, não um país. Se um país deixar o euro, você deve multiplicar por dez o efeito Lehman."

Empresas fazem contas já pensando no pior

Da Redação, com agências

Algumas empresas estão tomando precauções em relação ao risco do euro. O tema esteve presente em um encontro ocorrido na sexta-feira retrasada, na Dinamarca, que reuniu o diretor financeiro da Novo Nordisk, líder mundial na produção de insulina, e executivos de marketing da companhia. O tema da conversa: como a empresa vai definir o preço de novos produtos para o mercado europeu se o euro deixar de existir?

"É difícil fazer planos detalhados, mas temos de pensar em nossa estratégia de preços no caso de um repentino desmantelamento do euro", disse Jasper Brandgaard, o diretor financeiro. Ele tem tempo: os produtos em discussão estão percorrendo o longo caminho de homologação pelas autoridades sanitárias e não devem estar prontos para venda antes do fim de 2012.

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Outras empresas têm dificuldades mais imediatas. A operadora turística alemã TUI mexeu num vespeiro recentemente, ao enviar cartas a hotéis na Grécia solicitando que os contratos sejam renegociados em dracmas, para se proteger contra perdas caso o país deixe de usar o euro.

A empresa tomou essa atitude pouco tempo depois que Angela Merkel e o presidente francês, Nicholas Sarkozy, reconhecheram pela primeira vez que a Grécia realmente poderia deixar a união monetária. Isso ocorreu no início do mês passado, durante a reunião de líderes do G-20, em Cannes. Mais recentemente, o próprio banco central da Grécia advertiu que, se o país não conseguir melhorar duas finanças rapidamente, sua permanência na área do euro estaria ameaçada.

Numa pesquisa realizada pela agência de notícias Reuters, 14 de 20 economistas consultados disseram que a moeda única não deve sobreviver em sua forma atual e que as empresas estão começando a se preparar para o pior cenário possível.

"A complexidade da situação provoca um medo atroz", observa Martin Sorrell, presidente do grupo WPP, maior agência de publicidade do mundo. "É a última coisa no mundo que alguém pode querer. Mas a resposta mais honesta é preparar um plano de contingência para qualquer ruptura na zona do euro."