Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
FINANCIAMENTO

Bancos privados acirram disputa para compra da casa própria

Com o endurecimento das condições dos empréstimos imobiliários da Caixa Econômica Federal, para muitos compradores já vale mais a pena optar por bancos privados na hora de financiar a casa própria. No fim de abril, a estatal mudou suas regras, passou a exigir entrada de 50% a 60% do valor do imóvel em algumas linhas e abriu espaço para concorrentes, que fecham negócio exigindo ao mutuário pagamento inicial de apenas 20% do preço total. A desvantagem pode custar à Caixa a perda de parte da gigantesca fatia que detém do setor, estimada hoje em 70%, sobretudo entre os compradores de classe média e média alta. O desempenho do mercado, no entanto, ainda depende do grau de confiança das famílias, indicador que anda em baixa por causa do cenário recessivo do país.

Considerando a compra de um imóvel novo de R$ 750 mil, valor máximo do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) - que permite o uso do FGTS - a diferença de condições pode significar a necessidade de desembolsar R$ 225 mil a menos para pagar a entrada. De acordo com simulações feitas pelo GLOBO nos sites dos bancos, enquanto o cliente da Caixa precisa pagar R$ 375 mil à vista e pode parcelar a outra metade em 35 anos, no Bradesco, por exemplo, é possível comprar o mesmo imóvel com entrada de R$ 150 mil, e financiamento dos R$ 600 mil restantes em 30 anos. No fim das contas, o valor total pago é menor no banco público - R$ 1,7 milhão, contra R$ 1,9 milhão no Bradesco - até porque o valor do empréstimo sobre o qual incidem juros foi bem mais baixo na Caixa. Mas para especialistas, o tamanho da entrada pesa mais na decisão de compra.

“A cota máxima de financiamento é mais importante que os juros para o consumidor. Financiar só 50% é brincadeira, é praticamente travar o mercado. No mercado internacional, financiar até 90% (com 10% de entrada) não é nada de mais. A não ser que você tenha preços em bolha, não tem nenhum problema”, defende João da Rocha Lima Jr., coordenador do núcleo de real estate da USP.

Há casos, porém, em que as taxas cobradas pela Caixa são mais altas. No exemplo do imóvel de R$ 750 mil, ela cobra juros de 10,4% ao ano, enquanto a concorrência chega a cobrar 9,5% ao ano.

No caso de imóveis usados, a desvantagem da Caixa é ainda maior. O mesmo acontece com os mais caros, enquadrados no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Para comprar um usado de R$ 1,3 milhão, na Caixa a entrada exigida é de nada menos que R$ 780 mil, com parcelamento do restante em 35 anos. Já no HSBC, o desembolso inicial é de R$ 260 mil e o restante pago em até 30 anos. Procurada, a Caixa informou que as mudanças “estão relacionadas às tendências do mercado imobiliário e, também, foram impactadas pelo desempenho das captações líquidas em caderneta de poupança e da elevação da taxa Selic (a taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano)”.

Este ano os saques da caderneta de poupança superaram os depósitos em R$ 32,2 bilhões, minguando a principal fonte de recursos para o crédito imobiliário. Para amenizar o problema, o Conselho Monetário Nacional (CMN) liberou cerca de R$ 22,5 bilhões dos depósitos compulsórios para os bancos emprestarem a quem comprar a casa própria. Na mesma resolução, o governo mudou as regras de emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), que terão que ser lastreados em financiamentos do SFH.

Para Hamilton Rodrigues da Silva, diretor de crédito imobiliário do Banco do Brasil, as mudanças de condições na Caixa e as novas regras do CMN geram oportunidades de mercado, mesmo em um cenário de atividade mais fraca. De acordo com estimativas do próprio banco, o BB, que atua no segmento desde 2008, tem cerca de 7,5% da participação no mercado. Nas simulações feitas pela reportagem, as taxas de juros do BB ainda são maiores que as da Caixa, mas, assim como nos bancos privados, as condições iniciais são mais facilitadas.

“A partir do momento que a Caixa tem mais dificuldade de atender (ao mercado), pelo menos os clientes do BB tendem a ficar por aqui. Claro que melhora as nossas condições”, afirma o executivo.

Os bancos Itaú, Santander e HSBC não quiseram falar sobre suas estratégias para a concessão de crédito imobiliário. O Bradesco informou, por meio da assessoria, que executivos do banco já anunciaram projetos para reduzir os juros no crédito imobiliário para tentar aplicar os R$ 4 bilhões que o banco terá de folga por causa das medidas do CMN e avaliam que a concorrência fará o mesmo. A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) não comenta o assunto.

Analistas alertam, no entanto, que os consumidores não devem se animar muito, porque o cenário de juros altos e crédito mais restritivo não deve mudar, pelo menos no curto prazo.

“A decisão do CMN estimula os bancos privados a emprestar mais para a compra da casa própria. E a Caixa, que está com captação negativa na poupança, se beneficia da medida. Mas que não se espere crédito abundante e juros mais baixos com a concorrência no segmento. Temos um cenário econômico de incerteza, com inflação alta e baixo crescimento da economia”, diz Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção da Fundação Getúlio Vargas/Ibre. “Não é interesse do Banco Central que os bancos acelerem o ritmo de concessão de crédito imobiliário, sem muito critério, sob risco de inadimplência. Do lado do consumidor, a procura está menor, já que há medo do desemprego e incertezas sobre a economia, além das taxas de juros estarem altas.”

O diretor-executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, afirma que aos bancos privados interessa muito a relação de longo prazo com os clientes, já que, ao financiar um imóvel em 30 anos, é possível oferecer produtos como seguros, financiamento de veículos, previdência privada. Embora acredite no avanço das instituições no espaço aberto pela Caixa, ele não prevê aquecimento maior porque o consumidor está retraído, com renda comprometida e medo do desemprego e de dívidas de longo prazo.

“O ambiente econômico não está propício para alavancar o crédito imobiliário”, diz Oliveira.

Não conseguir crédito é o maior temor do metalúrgico Eliezer Santana Rodrigues, de 46 anos. Ele já paga à construtora prestações de R$ 1,7 mil pelo loft que comprou na planta, em 2011, em São Bernardo do Campo, na região do ABCV paulista. O imóvel será entregue ano que vem, e Eliezer se preocupa com a taxa de juros que vai negociar com o banco.

“Comprei numa época em que os juros estavam mais baixos. Agora vai ficar mais difícil pagar. Ainda não comecei a pesquisar as taxas. Sou cliente do Santander”, diz ele, que também entrou na composição de renda da filha, Aline Santana, de 25 anos, que comprou um imóvel semelhante ao do pai, mas que será entregue apenas em 2017.

“Meu medo é que minha renda não seja suficiente para obter o financiamento. Por isso, entrei também com o nome do meu pai na composição”, diz.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.