Linha de produção da Soft Sistemas Eletrônicos: vendas para a Argentina, que compra até 20% da produção da empresa, estão travadas desde o início do mês| Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo

"Não há solução mágica para superar restrições", diz especialista

As empresas prejudicadas pelas restrições argentinas não têm muito a fazer a não ser torcer pelo sucesso das negociações entre os dois países, capitaneadas pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). O regime de licenças não automáticas, adotado pela Argentina, é permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), desde que tais licenças sejam emitidas em até 60 dias.

Ainda que a Argentina descumpra esses prazos – o que já fez em outras ocasiões –, só sofreria algum tipo de sanção se fosse acionada e condenada na OMC. "O governo brasileiro pode até acionar o mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul ou da OMC, argumentando que as medidas distorcem o livre comércio entre os países. Mas a solução demoraria anos, além de criar um desgaste muito grande", avalia André Luiz Bettega D’Ávila, advogado do setor de Comércio Internacional da Andersen Ballão Advocacia.

Uma alternativa para o Brasil seria dar o troco na mesma moeda, como fez no ano passado. Quando a Argentina retirou as licenças automáticas para pneus, baterias e calçados, o governo brasileiro fez o mesmo em relação aos automóveis fabricados no país vizinho, o que obrigou os argentinos a voltar à mesa de negociações. "O problema de uma retaliação é que ela restringiria ainda mais o fluxo de comércio, afetando as atividades de um grupo ainda maior de empresas e mesmo de consumidores. Não há solução mágica", diz D’Ávila.

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As novas restrições do governo argentino à importação, que entraram em vigor no início do mês, afetam mais de um quarto das companhias exportadoras do Paraná. Das 1.944 empresas paranaenses que venderam produtos para o exterior no ano passado, 518 (27% do total) têm clientes na Argentina e, portanto, estão sujeitas às novas regras do país vizinho – normas que já atrasam, e podem até interromper, a entrada de produtos estrangeiros em território argentino.

A escalada protecionista põe em risco quase US$ 2 bilhões por ano em receitas de exportação. Segunda maior compradora de produtos do estado, atrás apenas da China, a Argentina importou US$ 1,78 bilhão em produtos paranaenses em 2011, o equivalente a 10,2% de tudo o que o Paraná vendeu ao exterior, segundo o Ministério do Desenvol­vimento (MDIC).

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Diferentemente dos chineses, que preferem commodities agrícolas, os argentinos compram do Paraná basicamente produtos industrializados. Por isso, o maior impacto das barreiras comerciais recai sobre a indústria, que, antes mesmos dos novos obstáculos, já enfrentava dificuldades crescentes para vender seus produtos no exterior.

Vários ramos da indústria estadual têm na Argentina um mercado relevante, entre eles os fabricantes de veículos e autopeças (responsáveis por mais de 60% das vendas paranaenses ao país), eletrodomésticos de linha branca, máquinas agrícolas e papel. Empresas como Renault, Volkswagen, Volvo, Klabin, Electrolux e Case New Holland estão entre as que mais exportam para o país vizinho.

Desde o dia 1.º, os importadores argentinos, que antes tinham quase todas as compras liberadas automaticamente, têm de apresentar uma declaração juramentada à Administración Federal de Ingresos Públicos (Afip, equivalente à Receita Federal) e enviar um e-mail ao secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, indicando os detalhes de cada importação que desejam fazer. A transação só será autorizada se e quando a documentação for aprovada – e o governo argentino não diz que critérios são usados na avaliação dos pedidos.

Atrasos

No início da semana, o embaixador da Argentina no Brasil, Luis María Kreckler, disse que é cedo para discutir atrasos, pois as medidas acabam de ser implementadas. Mas não é difícil encontrar quem esteja esperando mais que o habitual para fechar negócio. "Antes a autorização saía em dois ou três dias. Agora estamos desde o início do mês sem conseguir mandar mercadorias para lá", conta Thiago Camargo, gerente comercial da Soft Sistemas Ele­trônicos, que produz componentes automotivos em Curitiba e Pato Branco (Sudoeste do estado).

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Desde o início das restrições, a empresa deveria ter enviado à Argentina 2,6 mil kits de travas elétricas, 4,5 mil chicotes (cabos) para vidro elétrico e 2 mil módulos de levantamento de vidro. "E a autorização solicitada pelo nosso importador na Argentina simplesmente não sai", diz Thiago. De 15% a 20% da produção da Soft é vendida para o mercado argentino.

Há empresas em situação mais dramática. Cerca de 90% do faturamento do escritório de exportação DDB, de Curitiba, que negocia componentes automotivos feitos no Paraná e em São Paulo, vêm de vendas feitas ao país. "Já deveria ter despachado duas cargas neste mês. O mais desesperador é que nenhuma autoridade argentina consegue passar informações concretas sobre a análise dos pedidos", diz Cleny Felipe Godoi, gerente de exportação da DDB.

Pressionadas, empresas deslocam parte da produção

Há vários anos a Argentina vem erguendo barreiras não tarifárias com o intuito de frear as compras de produtos brasileiros e, assim, acabar com o déficit no comércio bilateral – o último superávit argentino nessa relação ocorreu em 2003. Antes das novas medidas, os argentinos já haviam criado obstáculos contra eletrodomésticos de linha branca, máquinas agrícolas, pneus e calçados, entre outros.

Trata-se de uma espécie de chantagem, uma tentativa de atrair fabricantes ao território nacional, igual à que o Brasil faz ao elevar substancialmente a tributação de carros importados. E, em muitos casos, funciona. No ano passado, a Case New Holland (CNH), que abastecia o mercado argentino com colheitadeiras fabricadas em Curitiba, anunciou a construção de uma fábrica em Córdoba meses depois de ter centenas de máquinas bloqueadas na fronteira. Uma das dez empresas paranaenses que mais exportam para Argentina, a CNH não informou se está tendo algum tipo de problema com a barreira mais recente.

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No ano que vem, a multinacional japonesa Jtekt vai transferir para sua fábrica de Buenos Aires cerca de 20% da produção de sistemas de direção que hoje é feita em São José dos Pinhais (Região Metro­politana de Curitiba). A decisão foi tomada ainda em 2010, segundo o diretor comercial e de engenharia para o Mercosul, Lucio Pinto. Os sistemas de direção para os modelos Toyota Hilux e GM Agile, hoje exportados para a Argentina, serão produzidos lá mesmo – o que pode até resultar em demissões na fábrica paranaense.

Nem essa decisão deixou a empresa imune às novas barreiras. Exportar está difícil desde o fim de dezembro, segundo o diretor comercial. "Chegamos a ter três contêineres parados. Na semana passada, nossa fábrica em Buenos Aires, que recebe alguns componentes feitos aqui no Paraná, chegou a parar por falta de peças", diz o executivo. Cerca de 10% da produção de cremalheiras, válvulas e tubos cilíndricos de São José é exportada para a unidade argentina.

Pela culatra

A situação descrita pelo diretor da Jtekt mostra que a adoção de licenças não automáticas prejudica alguns setores da própria indústria argentina. que estão ficando desabastecidos. "O tiro vai sair pela culatra. Isso fica muito evidente no setor automotivo argentino, que mantém um intercâmbio muito grande com o Brasil", diz o presidente do Sin­dicato de Exportação e Importação do Paraná (Sindiexpar), Zulfiro Bósio.

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