Ouça este conteúdo
O Banco Central citou o aquecimento do mercado de trabalho – incluindo aumentos reais de salários – e a situação das contas públicas para justificar a alta da taxa básica de juros. Como esperado, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada nesta terça-feira (24), indica que haverá novos reajustes na Selic. Porém, deixa em aberto o tamanho deles e o nível que a taxa pode atingir ao fim do ciclo.
Na última quarta-feira (18), o Copom elevou a Selic em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano. Foi a primeira alta de juros em pouco mais de dois anos. Nas duas reuniões anteriores, o colegiado havia optado por manter a taxa em 10,5%, interrompendo um ciclo de reduções iniciado em agosto de 2023.
VEJA TAMBÉM:
A ata afirma que o Copom quis iniciar o ciclo de alta de juros de forma gradual para "se beneficiar do acompanhamento diligente dos dados" e permitir que os "mecanismos de transmissão" do aperto monetário comecem a atuar.
Mas o colegiado não se compromete em manter essa velocidade nas próximas reuniões, avisando que o "ritmo de ajustes" e a "magnitude total" do aumento vão depender da evolução da inflação e de suas expectativas, do desempenho da economia e do balanço de riscos.
Antes mesmo da ata, bancos e consultorias começaram a revisar suas projeções para a Selic nos próximos meses. Segundo o boletim Focus divulgado nesta segunda (23), a mediana das expectativas passou a apontar para uma taxa de 11,5% ao ano em dezembro – o que significa uma alta de 0,25 ponto e uma de 0,5 ponto nas próximas duas reuniões. Antes, a projeção predominante era de duas altas de 0,25 ponto.
A principal novidade da ata publicada nesta terça é a ênfase dada ao "dinamismo" da atividade econômica e do mercado de trabalho, com menção a aumentos reais de salários – ou seja, acima da inflação – sem a contrapartida de ganhos de produtividade. O texto diz que o desempenho da economia trouxe "surpresas" tanto para os membros do Copom quanto para os analistas de mercado.
Já no comunicado pós-reunião, na quarta passada, o colegiado afirmou que o "hiato do produto" havia passado para o "campo positivo" – o que significa que, na visão deles, a economia está crescendo acima de seu potencial, o que gera pressões inflacionárias.
"O Comitê observou o continuado dinamismo no mercado de trabalho, verificando-se ganhos reais nos salários nos últimos meses. Como não há evidência de aumento significativo de produtividade, tais ganhos podem refletir pressão no mercado de trabalho. A esse respeito, alguns membros enfatizaram evidência de falta de oferta de trabalho em alguns setores", diz trecho da ata.O documento afirma ainda que a composição da inflação piorou e que o "processo desinflacionário" foi interrompido. A convergência da inflação à meta ficou mais "desafiadora", segundo o texto, que destacou os avanços de preços de bens industriais, alimentos no domicílio e serviços.
Ata do Copom cobra regras previsíveis e transparência nas contas públicas
Sobre as contas públicas, o texto repete alertas feitos em atas anteriores. Mas traz uma novidade importante: a cobrança por uma política fiscal "crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados", além de estratégias "que sinalizem e reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos próximos anos". Isso, segundo o Copom, é importante para ancorar as expectativas de inflação e reduzir prêmios de risco de ativos financeiros.
Nas últimas semanas, especialistas em contas públicas têm criticado improvisos feitos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir a meta fiscal. A percepção é de que as iniciativas para retirar despesas da contabilidade oficial e a busca de fontes não recorrentes de arrecadação – que incluem o chamado "dinheiro esquecido", depósitos judiciais e precatórios não sacados – reduziram a credibilidade dos números.
VEJA TAMBÉM:
O texto do Copom também afirma, como em ocasiões anteriores, que há "esmorecimento" no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, aumento de crédito direcionado (empréstimos a juros baixos feitos pelo BNDES, por exemplo) e incertezas sobre a estabilização da dívida pública.Somados, esses fatores reduzem a potência da política de juros, o que força o BC a promover altas mais fortes, com mais prejuízo para a economia.