Um apartamento, até 52 donos. Isso mesmo, você não leu errado. Depois de reduzir expressivamente a metragem das unidades e enfatizar o conceito de compartilhamento dos espaços comuns, o mercado imobiliário oferece uma nova possibilidade de aquisição residencial para atrair a atenção dos compradores: a venda de cotas para uso do apartamento, que pode ‘colecionar’ dezenas de proprietários.
O modelo é bastante similar ao adotado há tempos pelo setor hoteleiro, conhecido como time share. Nele, o comprador adquire uma fração de um empreendimento ou de uma rede de hotéis ou resorts e, em troca, recebe o direito de se hospedar nele por determinado período. No caso do apartamento, o raciocínio é o mesmo. Ao invés de vender a unidade para um único comprador, a incorporadora a divide em 52 cotas (cada uma correspondendo a uma semana, o que fecha um ano) e as comercializa para até este número de compradores. Estes, por sua vez, poderão fazer uso do apartamento pelo período correspondente ao número de cotas adquiridas.
“Entendemos que a nova geração tem um comportamento diferente do que vimos nos últimos anos. Ela está mais nômade, tem mais liberdade de locomoção. Esta é uma forma de nos adequarmos ao desejo das pessoas de poderem adquirir uma parte do [apartamento] de acordo com sua necessidade de uso. O modelo de venda fracionada permite à pessoa adquirir uma, duas semanas, um mês, sem ficar engessada em comprar o imóvel em sua totalidade”, explica Gustavo Marucio, diretor de incorporação da BKO, ao justificar o modelo de venda.
A incorporadora é uma das primeiras do ramo a trazer o conceito de venda fracionada para um imóvel residencial no país, e faz isso por meio do projeto piloto destinado à venda de 20 das 76 unidades do Citizen Paulista, em construção na capital paulista. A ideia é atrair a atenção de compradores que precisem passar alguns dias por ano na cidade ou que não queiram se prender a um único imóvel, além de investidores e interessados em permutar a estadia. Isso porque, além de “morar” no imóvel por um período específico, o comprador também poderá locar seu período de uso do apartamento ou trocá-lo por hospedagem em hotéis localizados em diversas partes do mundo pela plataforma RCI, parceira da iniciativa. Neste último caso, no entanto, além da compra da cota, que custa cerca de R$ 25 mil, ele terá de arcar com a taxa de reserva, que varia entre R$ 500 e R$ 1,5 mil, em média. Sobre a unidade ainda incidem custos proporcionais relativos ao IPTU, condomínio e à taxa de administração, que inclui mobília e limpeza do apartamento.
“O comprador determina a semana em que irá utilizar a unidade já no ato da compra. Ele ainda tem a possibilidade de trocar essa semana caso haja disponibilidade [e interesse] por parte de outros proprietários”, acrescenta Marucio.
Tendência de moradia temporária ou estratégia para vender as unidades?
A necessidade de atrair potenciais compradores fez com que o mercado imobiliário se movimentasse com certa rapidez nos últimos anos no sentido de ofertar produtos que respondessem aos novos padrões de consumo e possibilidades financeiras dos seus potenciais clientes. Esta última, inclusive, é apontada por especialistas como um dos fatores que motivam a entrada do mercado residencial em um nicho antes dominado pelo setor hoteleiro.
“Se eu preciso vender, vou tentar fazer isso de todas as formas possíveis. E, se existe um pedaço do mercado, seja ele pequeno ou grande, disposto a comprar de forma diferenciada, vou [ofertá-la]. Temos uma geração que [passou a priorizar] o uso ao invés da posse. Dentro dessa cultura pode, eventualmente, fluir este tipo de negócio. Mas não o vejo como algo certo ou definitivo, é um teste”, aponta o engenheiro civil Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Na avaliação dele, alguns dos principais impeditivos para o sucesso do modelo está na concorrência, ou seja, na oferta de outras possibilidades de estadia por períodos determinados, como a tradicionalmente ofertada pelo setor hoteleiro e o aluguel por temporada em plataformas como o Airbnb, por exemplo. “Este é o grande desafio. Por que vou comprar cotas por um período reduzido se posso [me hospedar] onde quiser, incluindo em um mercado que fica entre o residencial e o hoteleiro, no caso do Airbnb, um modelo já testado e vencedor”, pondera.
E como investimento, vale?
Mas aqui pode entrar outro argumento em favor da modalidade de aquisição por cotas de uso: o fato de o comprador poder lucrar com o aluguel do período correspondente à sua aquisição. Neste ponto, a modalidade pode soar como um atrativo para quem não dispõe de recursos suficientes para adquirir um apartamento integralmente (visando a revenda ou a locação), quer diversificar investimentos ou direcioná-los às novas possibilidades abertas pelo mercado.
“O mercado está mudando, [influenciado] pela questão geracional, pelas pessoas que estão se desligando aos poucos da necessidade de ter. O brasileiro está saindo do modelo patrimonialista, mas não dos investimentos no setor”, aponta Francisco Perez, head de investimentos da Glebba.
Na opinião dele, a aquisição por cota de uso ainda está ligada aquele modelo, mas de uma forma distinta da que ocorre com a aquisição integral da unidade. Outros tipos de investimento imobiliário, como a aquisição de títulos e cotas de fundos imobiliários e o crowdfunding, por sua vez, não mantêm relações com ela, pois são investimentos relacionados ao empreendimento como um todo, e não a uma unidade específica.
“Isoladamente, ela faz sentido para quem, de fato, quer esse modelo meio patrimônio, meio locação. Mas, como investimento, focar exclusivamente em cota de uso não faz muito sentido. Ela não é ruim, mas tem que fazer parte de um portifólio [de investimentos no mercado imobiliário]”, avalia Perez.
Opinião parecida tem o coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV, Alberto Ajzental. Para ele, se o comprador precisar escolher entre ter uma parte de um bem único ou uma cota de um fundo imobiliário, por exemplo, a segunda possibilidade soa mais atraente.
“Quanto eu fraciono dentro do fundo imobiliário, tenho uma parte de vários imóveis, o que significa que eu mitigo o risco do bem. O cota do fundo tem mais flexibilidade e tem um melhor mercado secundário, o que traz liquidez caso o comprador queira sair do negócio”, completa.