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Blockchain é o futuro das eleições e já está sendo testado em 2018

A tecnologia do blockchain, usada nas transações do bitcoin, funciona como um cartório digital: acessível e inviolável. | Bigstock/
A tecnologia do blockchain, usada nas transações do bitcoin, funciona como um cartório digital: acessível e inviolável. (Foto: Bigstock/)

Tecnologia usada em transações da moeda virtual bitcoin, o blockchain é a aposta do Voto Legal, uma das plataformas de financiamento coletivo eleitoral homologadas pelo TSE e que atuam em campanhas deste ano. A tecnologia incorporada à plataforma de financiamento coletivo, defendem seus criadores, torna as doações mais seguras: os dados ficam descentralizados e qualquer um pode consultar as informações das transações.

“É como um cartório digital: inviolável. O blockchain consegue mapear e rastrear as doações desde o momento em que ela é realizada até seu ponto final”, diz Fernanda Costa, da área de relacionamento do AppCívico, empresa responsável pela plataforma.

Em linhas gerais, a tecnologia blockchain funciona como uma cadeia de registros formada por blocos. Cada bloco tem um resumo criptográfico do anterior na cadeia. Quando há alteração em um dos registros, toda a cadeia — cujos dados são descentralizados — é corrompida.

A tecnologia já estava incorporada à plataforma quando ela foi criada, em 2016. Com as mudanças na legislação eleitoral no ano seguinte — que, entre outras coisas, proibiu doações de empresas e definiu uma série de regras para as plataformas de financiamento coletivo atuarem em campanhas —, o Voto Legal passou a ter mais concorrentes. Já são pelo menos 90 iniciativas homologadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Mas o AppCívico é a única ferramenta identificada pela reportagem que utiliza a tecnologia do bitcoin. Antes da plataforma ir ao ar pela primeira vez, Fernanda conta que a equipe consultou organizações da sociedade civil e lideranças políticas. “Chegamos a conclusão de que era preciso ter um lastro, criar um histórico das doações”, explica.

O Voto Legal tem hoje mais de 100 campanhas, incluindo de presidenciáveis como Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL). A plataforma cobra uma parcela única para sua configuração à campanha e uma taxa administrativa por doação — 7,4% para cartão de crédito; se for via boleto, 4% sobre o valor mais R$ 4.

A empresa não informa quanto, no total, ajudou a arrecadar. Mas diz que há candidatos com mais de 100 contribuições de R$ 30 reais e também campanhas com menos de uma centena de doações, mas com valores maiores, de R$ 500. Qualquer candidatura pode ser cadastrada na plataforma: são exigidos critérios básicos como regularização ao TSE, CNPJ, entre outras coisas.

Esquema de startup

O Voto Legal é uma iniciativa do AppCívico, empresa que surgiu em 2015 com apoio do fundo de inovações cívicas para América Latina, da fundação Avina. À época tinha como propósito, segundo seus fundadores, fortalecer o ecossistema de tecnologias cívicas através de valores como software livre e direitos humanos.

Hoje, além do crowdfunding, a empresa tem no catálogo, entre outras iniciativas, o Eu Voto — ferramenta em que é possível opinar sobre projetos de lei em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo — e a Gastos Abertos, que visa promover o monitoramento e participação da sociedade no processo orçamentário do governo.

Segundo Fernanda, para lidar com essas e outras plataformas, a empresa tem em São Paulo (SP) uma equipe “multidisciplinar” de 20 profissionais que atuam em várias frentes. “Temos o esquema de startup”, diz. “Alguns projetos exigem mais atenção em determinados períodos, como é o caso do Voto Legal.”

Entre as iniciativas homologadas pelo TSE há startups, empresas de TI, de financiamento coletivo em outras áreas, entre outros perfis. O que predomina entre as plataformas é o uso de site responsivo e, por vezes, aplicativos para celular que funcionam como máquina de cartão de crédito.

Para o sócio da Companhia Brasileira de Startups — responsável pela plataforma Fundii, também na lista do TSE —, André Tomazetti, não há necessidade no uso de blockchain na operação. “Basicamente o que fazemos é um formulário e uma checagem em bancos de dados — para ver, por exemplo, se o doador não é beneficiário do Bolsa Família”, conta.

O relacionamento com o meio político foi essencial para os primeiros passos da Fundii. André conta que já trabalhou em campanhas eleitorais anteriores. Outros políticos vieram via anúncio do Google. São 200 atualmente — número, segundo o empresário, limitado por eles mesmos. “A ideia era conhecer esse mercado para nos prepararmos para a eleição de 2020”, diz.

Para Bernardo Cubric, da plataforma Democratize, o fato de essa ser a primeira eleição com ferramentas autorizadas pelo TSE a atuarem no meio dificultou qualquer tipo de projeção. Não há histórico. A referência foi a bagagem da própria empresa — a Democratize faz parte da BG Tecnologia, que atua no mercado de transações financeiras, entre outras coisas, há dez anos. Mas também sem blockchain.

Blockchain na contagem de votos

Enquanto o blockchain é experimentado pelo financiamento coletivo, o processo eleitoral como um todo precisaria de um investimento pesado em pesquisa para que a tecnologia pudesse ser adotada no registro de votos num país como o Brasil. A avaliação é do professor da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, André Gradvohl, que também é membro do IEEE, organização mundial técnico-profissional dedicada a avanços tecnológicos para benefício da humanidade.

A necessidade de grande investimento também explicaria o fato de que experiências democráticas com a tecnologia do bitcoin são poucas, diz o especialista. Em pleitos, há exemplos como do plebiscito pela paz na Colômbia, em 2016, que permitiu a expatriados votarem. Mais recentemente, o estado da Virginia Ocidental, nos EUA, anunciou um sistema de votação com blockchain destinado a membros do serviço militar no exterior, de acordo com o jornal Washington Post.

Segundo Gradvohl, há um número muito grande de votos a serem computados numa eleição como a do Brasil — são 147 milhões de eleitores neste ano escolhendo representantes do executivo e legislativo. O processo de registro e contabilização, no sistema atual leva poucas horas. “Com exceção do bitcoin, a tecnologia do blockchain em outras esferas ainda não está resolvida”, diz. “Mas seria um ganho: em rastreabilidade e verificabilidade de todos os votos”.

As eleições hoje contam com urnas eletrônicas que utilizam criptografia, assinatura digital e resumo digital. O TSE permite auditoria e verificação dos resultados. Candidatos, coligações, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e o próprio eleitor podem requisitar o procedimento. A reportagem pediu para à assessoria do TSE para comentar sobre o sistema de segurança e a possibilidade de adesão ao blockchain, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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