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Bloqueio da rede no Brasil gera insegurança jurídica e afasta investimentos
Bloqueio do X e de contas da Starlink no Brasil gera insegurança jurídica e afasta investimentos| Foto: BoliviaInteligente / Unsplash

O bloqueio do X e o congelamento dos ativos de outra de empresa do bilionário Elon Musk, a Starlink - para assegurar que a fornecedora de internet arque com o pagamento de multas impostas pelo ministro Alexandre de Moraes à rede social -, aumentaram a insegurança jurídica no Brasil. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

Eles ainda afirmam que ambas as decisões trazem impactos negativos para os investimentos estrangeiros no país, além de prejudicar áreas da economia nacional, incluindo a geração de empregos e renda. No caso do bloqueio ao X, a decisão foi referendada, por unanimidade, pelos ministros que compõem a Primeira Turma do STF nesta segunda-feira (2). Na sexta-feira (30), o ministro Cristiano Zanin negou o recurso da Starlink contra a restrição às contas bancárias.

Segundo Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as decisões de Moraes e do STF atrapalham a segurança jurídica do Brasil. Garbe explica que o cenário jurídico de um país é um ponto fundamental na avaliação do risco para se investir ou não nessa nação. Enquanto índices como taxas de juros podem ser previstos, as questões jurídicas tendem a ser altamente imprevisíveis. Por essa razão, decisões como as de Moraes e do STF têm alto impacto na avaliação de risco do país.

O especialista comenta que o "capital é covarde", um jargão do setor que demonstra a aversão a risco que os investidores têm. Nesse sentido, qualquer instabilidade jurídica pode afetar seriamente a avaliação dos fundos de capital internacionais, dos quais o Brasil é altamente dependente, de investir ou não em suas empresas. Garbe destaca que 60% dos recursos da bolsa brasileira provêm de fundos internacionais e que o bloqueio do X e das contas da Starlink podem fazer com que eles reavaliem suas decisões de investimento.

Marcelo Faria, CEO do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp), afirma que basta pensar com a cabeça de um investidor que controla um fundo com milhões e descobre que um juiz decidiu bloquear as contas de empresas internacionais, banir redes sociais “com base em decisões bastante questionáveis e que a base jurídica do seu investimento pode mudar a qualquer momento”. “Você ainda assim colocaria milhões de dólares nesse país ou buscaria um outro país?. A resposta me parece óbvia”, afirma.

Além disso, o economista ressalta que existem outras opções de investimento regionais, como a Argentina, país que agora está seguindo no caminho da liberdade econômica, menor interferência estatal e maior segurança jurídica.

O próprio Musk foi um dos primeiros a alertar para os impactos das decisões de Moraes nos investimentos no Brasil, na quinta-feira (29), quando a rede ainda não havia sido suspensa.

Em uma postagem no X, ele concordou com os argumentos de uma publicação do jornalista Michael Shellemberger, um dos responsáveis pela divulgação dos Twitter Files no Brasil, que opinou que o país havia se tornado uma “ditadura”, regida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por Moraes, que eles estavam “acabando com a liberdade de expressão e o livre mercado”. O jornalista concluiu dizendo que “o Brasil não é mais seguro para investimentos estrangeiros e sua moeda deve refletir isso”.

Megainvestidor diz que Brasil está no rumo de se tornar “não investível”

No domingo, dia 1º de setembro, quando a rede já se encontrava bloqueada no Brasil, foi a vez do investidor americano Bill Ackerman comentar o fato. O fundador da Pershing Square Capital, empresa de gestão de fundos de cobertura que administra US$ 18 bilhões (R$ 88,4 bilhões) em ativos, afirmou que “o fechamento ilegal do X e o bloqueio das contas da Starlink colocam o Brasil em um rápido caminho para se tornar um mercado não investível. A China cometeu atos semelhantes, levando à fuga de capital e ao colapso nas avaliações. O mesmo vai acontecer com o Brasil, a não ser que eles recuem rapidamente desses atos ilegais”.

Hugo Garbe concorda com o investidor. Ele salienta que os fundos de investimento, como o de Ackerman, possuem regras específicas a respeito do risco para direcionar seus recursos e que a segurança jurídica é a principal delas. O professor disse que o risco do país já havia se depreciado apenas duas horas após o anúncio do bloqueio do X por Moraes na sexta-feira (30).

Ele ainda explica que esse é um efeito em cascata: menos investimentos significa que irão entrar menos recursos nas bolsas de valores, ou seja, as empresas conseguem captar menos. Com o volume reduzido de recursos, as companhias não conseguem consolidar seus planos de expansão, construção de novas fábricas, ou de gerar mais empregos e aumentar salários, por exemplo. Ou seja, quem sofre o impacto, no fim, é o brasileiro.

Garbe ainda aponta para uma consequência que nem sequer pode ser mensurada: a de quantas empresas podem estar prevendo investir no Brasil, abrir fábricas, expandir suas operações e que decidem suspender os planos ou esperar para ver o que acontece no cenário jurídico brasileiro. "Essas decisões esdrúxulas demonstram falta de conhecimento científico-econômico por parte de quem as tomou", afirmou o professor.

O especialista em Direito Empresarial e Mercado de Capitais, Marcelo Godke, compartilha essa visão. Ele ainda afirma que países com tradição de respeito à liberdade de expressão não veem com bons olhos a decisão de bloqueio do X. “O empresário típico europeu [ou] americano acaba tendo muito receio de investir aqui, porque ele começa a interpretar que não existe um regime jurídico adequado para isso. Então, isso vai acabar sendo bastante ruim para a imagem do país como um todo”, afirma.

Congelamento de recursos da Starlink piora ainda mais a insegurança jurídica

Se não bastasse a suspensão do X, o bloqueio das contas da Starlink no país foi uma medida ainda mais drástica no que diz respeito à insegurança jurídica, avalia Garbe. A ordem de Moraes veio a público no fim da semana passada.

A empresa é vincula à SpaceX, iniciativa para lançar foguetes, satélites e realizar viagens espaciais. Ocorre que nem a SpaceX nem a Starlink têm qualquer relação com o X, pois não integram o mesmo grupo econômico – quando empresas com personalidades jurídicas distintas se unem para atuar de forma organizada em busca de interesses comuns.

Isso não ocorre no Brasil nem sequer nos Estados Unidos, sede de ambas as iniciativas. Além disso, Musk é sócio minoritário da Starlink, com 42% das ações. Ou seja, o ministro bloqueou ativos da empresa de fornecimento de internet - que não tem relação direta com o X - para garantir o pagamento das multas que ele próprio aplicou à rede social.

De acordo com Marcelo Godke, se o Brasil já tinha problemas com a Justiça do Trabalho, que tende a não respeitar a lei societária, ou com autoridades tributárias que, na visão dele, “só querem tributar cada vez mais e asfixiar a atividade econômica, agora esse tipo de medida também deixa claro que as empresas não têm nenhum tipo de proteção”.

Desse modo, ele afirma que cada vez menos o país será recomendado como destino de investimentos. O mercado brasileiro, segundo Godke, apesar da população ser muito grande, não é um “mercado relevante” para muitas empresas, pois a população em geral tem uma renda média muito baixa. Além disso, o país não tem um regime de liberdade econômica plena.

Huck e Lira também expressam desacordo com bloqueio de contas da Starlink

No sábado (31), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou a ouvintes do mercado financeiro, durante evento da XP Investimentos, que as questões legais envolvendo Musk "nunca deveriam ter extrapolado para as contas" da Starlink.

“A preocupação não é minha, mas de investidores, de muita gente que tem negócios no Brasil. É uma preocupação em relação à insegurança jurídica. Posso estar errado, mas a personalidade jurídica de uma empresa é totalmente diferente da outra, por isso este bloqueio nos causa apreensão”, afirmou Lira.

O apresentador Luciano Huck também expressou seu desacordo com a decisão. Durante um evento promovido pela Esfera Brasil, no Rio de Janeiro, Huck afirmou que era contra o bloqueio dos ativos da Starlink.

"Sou contra o que aconteceu hoje. Acho muito ruim para o Brasil quando você mistura o Judiciário, de forma tão imperativa, ao dia a dia das empresas. Cria-se uma insegurança jurídica que não é necessária. A gente ter segurança é necessário [...] Estamos num momento que precisamos sentar, dialogar e entender as mudanças [...]", disse Huck.

O Esfera Brasil se define como uma organização criada para fomentar o pensamento e o diálogo sobre o Brasil, um think tank que reúne empresários, empreendedores e a classe produtiva.

Huck estava ao lado do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), que também ressaltou a necessidade de diálogo e defendeu que os usuários de redes sociais precisam de “coragem” para subir o tom contra autoridades, incluindo a classe política.

Em relação ao congelamento dos ativos da empresa, Marcelo Faria, do Instituto Liberal de São Paulo, cita a Lei 13.874/2019, também conhecida como “Lei de Liberdade Econômica”, que modificou o Código Civil para deixar claro que “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”, salvo em casos de fraudes, crimes e confusão patrimonial.

Faria afirma que ao bloquear as contas da Starlink, uma empresa com capital aberto em Nova York, da qual Elon Musk detém somente 42% das ações, Moraes "manda mais um recado" ao investidor internacional de que o Brasil é um país instável, onde basta um juiz da Suprema Corte querer e uma empresa internacional, presente em todo o planeta, pode ter suas contas bloqueadas ou ter a sua atividade principal – como é o caso do X – suspensa.

Proibição do uso do X e VPN impactam todo um setor da economia

Além desses impactos externos, há outros efeitos que atingem diretamente a economia nacional. Pedro Magalhães, cofundador e CTO do Ether Private Bank, avalia que o impacto do bloqueio do X é incomensurável do ponto de vista financeiro, pois muitas empresas dependem das redes sociais para fazer propaganda, marketing e até vender seus produtos.

Além disso, há os dados de usuários que a rede proporciona para as empresas que a utilizam com essa finalidade. Há também influenciadores, dos mais diversos nichos, que têm na monetização de seus perfis uma forma de renda fixa.

Mas o impacto é ainda mais amplo. Magalhães explica que há funcionalidades operacionais vinculadas ao X, cuja falta de acesso pode impactar profundamente outros negócios. Algumas soluções tecnológicas da rede, por exemplo, são utilizadas por startups para inúmeras funções, como fazer a autenticação (a validação de acesso a um outro dispositivo ou sistema), e até mesmo para o desenvolvimento de ferramentas que é facilitado pelos códigos e soluções do X.

Segundo o empreendedor, de uma hora para outra, toda essa cadeia foi simplesmente cortada. Uma comparação possível é pensar na proibição de funcionamento de empresas de base de certas cadeias, como a CSN ou a Petrobras, por exemplo. Só que, no caso do X, migrar para outras redes ou fornecedores não é uma saída, pois as soluções que a big tech oferece são exclusivas.

Outro ponto é a própria predisposição das empresas de tecnologia globais se interessarem em lançar produtos aqui. “Se o X foi bloqueado, nada impede que, amanhã, uma aplicação de IA ou outra tecnologia enfrente a mesma insegurança jurídica. Então, o mercado como um todo se desacelera, e as empresas podem preferir fazer seus lançamentos em outros países”, disse.

Além da suspensão da rede social X no Brasil, Moraes determinou uma multa de R$ 50 mil por dia para quem usar a plataforma enquanto ela estiver bloqueada no Brasil. A medida se aplica, por exemplo, para quem acessar o X por meio de VPN.

A respeito da VPN, Magalhães explica que é uma tecnologia amplamente utilizada por questões de segurança em algumas empresas, e o impedimento de uso desse serviço faz com que elas tenham que repensar procedimentos.

Starlink pode ser banida no país e aumentar insegurança jurídica

E a situação pode ainda se agravar. Nesta segunda-feira (2), o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, afirmou que a Starlink pode perder a autorização que tem para operar serviços de comunicação no Brasil. A penalidade pode ser aplicada se ficar comprovado que ela está descumprindo decisões judiciais, como a de suspender o acesso à rede social X, conforme determinado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Conforme noticiado pela Gazeta do Povo, neste ano, a Starlink tornou-se a maior fornecedora de internet banda larga via satélite do Brasil, com 200 mil utilizadores. A empresa é essencial para o acesso à internet na Amazônia Legal, com antenas instaladas em 90% dos municípios da região, segundo um levantamento da BBC News Brasil. A maioria das cidades fica em regiões de difícil acesso, sem infraestrutura tradicional de internet de banda larga.

Marcelo Faria lembra que ela não somente permite o acesso de assinantes privados à internet, mas também de equipamentos militares do Exército, navios da Marinha, hospitais e escolas estatais em áreas remotas do país. Ou seja, o impacto de sua saída do país seria enorme.

Após ter o primeiro recurso negado por Zanin na sexta (30), a Starlink apresentou um novo pedido nesta segunda (2). A empresa pediu que o ministro reconsidere e argumentou que o bloqueio de recursos foi determinado sem que ela tivesse amplo direito de defesa e do contraditório, segundo apuração do portal g1.

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