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Influência

BNDES põe ministros e petistas em conselhos de empresas privadas

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante: banco de fomento indicou ministros e petistas para conselho de administração de empresas privadas. (Foto: André Coelho/EFE)

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A lista de indicações do BNDES aos conselhos de administração das companhias de seu portifólio confirma a estratégia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ter maior influência e poder de decisão nas empresas privadas.

Entre os contemplados com um assento nos colegiados, dentro da nova política de indicação do banco, os ministros Sílvio Almeida (Direito Humanos e Cidadania), Nísia Trindade (Saúde) e José Múcio Monteiro Filho (Defesa), além do ex-chanceler e assessor-chefe da assessoria especial do presidente, Celso Amorim, que é filiado ao PT. Outros políticos integram a lista.

Os conselhos de administração são alvo constante de aparelhamento e indicações políticas, em especial nas gestões petistas. A indicação funciona normalmente como bônus para complementação de salários de ministros e aliados.

Com o BNDES sob o comando de Aloizio Mercadante, as diretrizes de indicações se alinham à estratégia do governo de ter maior poder de decisão nas empresas, ampliando o papel do banco e do Estado na economia.

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa estratégia é a tentativa do presidente Lula em indicar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ao conselho de administração da Vale, após a rejeição do aliado à presidência da empresa.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo não quiseram opinar sobre indicações especificas do BNDES. Mas são unânimes em afirmar que ingerências políticas são blindadas em empresas com governança sólida e políticas de compliance.

"O que deve qualificar os conselheiros é a experiência e capacidade comprovadas por uma carreira adequada", diz Camila Pepe, do Stocche e Forbes Advogados. "Quando a empresa tem um compliance robusto, há um rigoroso crivo de checagem dos escolhidos."

Ministros e aliados compõem colegiados via BNDESPar

A nova política de indicação de conselheiros, anunciada no ano passado, atinge as 27 companhias em que o BNDES tem participação acionária por meio das subsidiárias BNDESPar e Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame). As cotas dão direito à indicação de 34 integrantes para vagas em conselhos das empresas privadas e de economia mista.

A leva de indicações dos ministros e políticos mencionados começou em novembro. Quatro deles foram nomeados para o conselho da CEG, distribuidora de gás controlada pela Naturgy Distribución Latinoamérica S.A, do multinacional espanhol Naturgy Energy Group, de gás e eletricidade. A BNDESPar detém 34,56% das ações da empresa.

Além dos ministros Celso Amorim e José Múcio, passaram a integrar o colegiado da companhia o ministro Sílvio Almeida e o ex-secretário executivo do ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli. Todos os mandatos vão até abril de 2025.

Os currículos divulgados no site do BNDES não indicam formação específica dos indicados na área de atuação da empresa. Amorim tem destacada sua carreira diplomática. O ministro de Relações Exteriores mais longevo da história do Brasil passou pelos governos de Itamar Franco (1993-1994), Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014).

José Múcio é apresentado com ênfase na carreira política na administração partidária e legislativa em Pernambuco, seu estado natal. Também já foi presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), e ministro-chefe da Secretaria de Relações Internacionais no segundo governo Lula. Na atual gestão, tem ajudado o presidente no trato com os militares.

Na minibiografia de Cappelli há duas linhas dedicadas à administração pública. O ex-secretário deixou o Ministério da Justiça após ser preterido por Lula, que nomeou o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski para o comando da pasta após a saída de Flavio Dino (PSB-MA). Filiado ao PSB, Cappelli assumirá a presidência da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) por indicação do vice-presidente Geraldo Alckmin, colega de partido.

Na descrição de competências de Sílvio Almeida fica explicitada a formação em Humanas e o foco recente em filosofia, economia política, direitos humanos e relações raciais. Nada que remeta às especificidades da área de gás e eletricidade da CEG.

Também chama atenção o nome do ex-coordenador da assessoria técnica da liderança do PT, Giles Azevedo, nomeado com um assento na Quality Soft, empresa do segmento de tecnologia da informação, com foco em terceirização de projetos.

Giles é geólogo de formação, com mestrado em Geoquímica, e já foi assessor especial do Gabinete Pessoal do Presidente, chefe de Gabinete da Presidência e secretário-executivo adjunto da Casa Civil. A BNDESPar tem 25% das ações da empresa e o mandato de Giles foi de apenas um mês, terminando em 4 de janeiro.

Nísia Trindade, ministra da Saúde, também teve um mandato curto, de menos de três meses, no colegiado da BRQ, uma das maiores empresas de transformação digital do país. Nísia tem um currículo acadêmico consistente como pesquisadora, mas nenhuma experiencia que remeta à gestão executiva e empresarial.

Mercado já temia por mudanças na governança do BNDES

As nomeações políticas para empresas investidas do BNDES eram esperadas por analistas de mercado desde que Ricardo Lewandowski, então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a quarentena para a indicação de políticos que está prevista na Lei das Estatais. O plenário da Corte ainda não analisou o caso.

Muitos consideraram a nova politica, que flexibilizou as nomeações, como um retrocesso, já que o BNDES havia aderido às regras de governança corporativa desde o governo de Michel Temer (MDB). O governo de Jair Bolsonaro (PL) seguiu a mesma linha e escolheu nomes do mercado para os conselhos das empresas.

Segundo texto institucional do BNDES, a política de indicação visa "estimular a adoção das melhores práticas de gestão, governança e sustentabilidade pelas companhias investidas e, assim, promover a geração de valor para tais empresas e para a carteira de participações acionárias da BNDESPar".

Em agosto, quando vieram à tona as indicações dos ministros Carlos Lupi (Previdência) e de Anielle Franco (Integração Racial) para o conselho da metalúrgica Tupy, o banco chegou a emitir nota de esclarecimento, citando "inclusão" e "diversidade" como critérios para as nomeações.

"Os profissionais são selecionados levando-se em consideração as suas experiências profissionais prévias e os conhecimentos detidos compatíveis com o exercício da função de maneira que possam contribuir para o melhor desempenho da investida. Outro fator considerado na escolha dos indicados é a promoção da diversidade na composição dos colegiados", explica o texto institucional.

Conforme reportagem da Gazeta do Povo, a indicação de Lupi feriu a própria política interna do banco, que determina que dirigentes partidários, ainda que licenciados, não podem ser nomeados para cargos em conselhos. Lupi está licenciado da presidência do PDT.

Para Mayara Gasparoto Tonin, da Justen, Pereira, Oliveira e Talamini Advogados, os critérios e requisitos para indicação de conselheiros, apesar da exigência técnica, estão sempre sujeitos a interpretações. "Os requisitos para nomeação dão margem a flexibilidade e há argumentos para endossar ou encaixar uma variedade de formação. Já os argumentos para objeção da indicação são mais claros e restritivos", explica.

Sidney Ito, professor da PUC-RS online e consultor da área de governança da KPMG Auditores Independentes, destaca que a escolha de conselheiros pode atender a interesses específicos da empresa e dos acionistas. Mas a capacidade técnica do indicado deve ser avaliada pelo conselho e aprovada em assembleia pelos acionistas.

"É preciso observar o 'dever de diligência', que exige que o conselheiro atue com responsabilidade e competência, e que seja cobrado por isso", avalia o consultor. "Cada vez mais empresas de rating e financiadores privados estão cobrando avaliações periódicas dos conselheiros de administração como critérios para classificações, empréstimos e financiamentos", afirma.

Salários dos conselheiros estão entre os maiores da América Latina

Os salários dos conselheiros variam, mas a média dos rendimentos no Brasil fica entre US$ 2.033 e US$ 6.097 mensais, algo entre R$ 10 mil e R$ 30 mil. Estão entre os maiores salários da América Latina – só perdendo para o México, com média de US$ 5 mil.

O dado foi levantado em 2023 pelo PageGroup, especializado em recrutamento e seleção de executivos para alta direção, em parceria com a rede de Institutos de Governança Corporativa da América Latina (IGCLA) e apoio da International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.

Na Tupy, os rendimentos de Anielle Franco e Carlos Lupi, são de R$ 36 mil mensais, em média. O salário que recebem como ministros de Estado é de R$ 41,6 mil.

A Gazeta do Povo solicitou entrevista sobre o tema ao BNDES, que indicou o site institucional do banco.

Colaborou Isabella Mayer de Moura

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