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Na semana em que atingiu um dos patamares mais baixos no trimestre, de 124 mil pontos, o Ibovespa (Índice de ações da Bolsa de Valores brasileira) desponta como titular do pior desempenho entre os mercados globais no acumulado do ano. A queda do indicador foi de 6,87%, segundo dados da Elos Ayta Consultoria apurados até as 12h do pregão desta sexta-feira (24).
O levantamento, a pedido da Gazeta do Povo, comparou 41 índices das principais bolsas de pouco mais de 30 países. O indicador brasileiro ficou abaixo dos registrados em países como a Tailândia, onde o Índice da Bolsa local (SET) caiu 3,63%, e México, onde o S&P/BMV IPC fechou em queda de 3,15%. Não é a primeira vez que o Ibovespa ostenta a posição de "lanterna" do grupo. No primeiro trimestre, a queda do índice havia sido 4,53%.
Os números jogam por terra as projeções otimistas que estimavam índices recordes para a bolsa brasileira em 2024. Larissa Quaresma, analista de Equity Research na Empiricus, explica que a expectativa de melhora estava atrelada à redução de juros nos Estados Unidos, que tornaria os papéis americanos menos atrativos e redirecionaria o fluxo de investidores internacionais a mercados emergentes, como o Brasil. Perto de 55% do volume negociado diariamente na B3 (Bolsa de Valores brasileira) é proveniente de investidores estrangeiros.
Cenário fiscal determina desempenho
A frustração pela ausência dos cortes, no entanto, não é privilégio nosso. Afeta o mundo inteiro e não impediu o bom desempenho de países emergentes como a Índia, onde o BSE Sensex (índice da Bolsa de Valores de Bombaim) subiu 4,39% e o Nifty 50 (índice da Bolsa de Valores Nacional), 5,64%. Em Israel, apesar da guerra, o TA 35 (índice da Bolsa de Valores de Tel Aviv) teve alta de 5,8%. Indicadores da bolsa em 13 países, mais o europeu Euro Stoxx 500 (indicador de empresas da Zona do Euro), tiveram alta acima de 10% em 2024. O líder do ranking foi o BIST100 (índice da Bolsa de Valores de Istambul), da Turquia, com valorização de 42,92% no ano.
Para Quaresma, a Bolsa brasileira tem refletido as incertezas no âmbito doméstico, especialmente o desequilíbrio fiscal. O ano começou cum uma expectativa de entrega de déficit zero pelo governo e projeção de inflação de um dígito. Mas a alteração da meta para 2025, anunciada em abril pela equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gerou uma deterioração das expectativas, o que vai limitar os cortes de juros pelo Banco Central (BC). "Boa parte dos fundamentos macroeconômicos e institucionais que permitiam prever uma melhora fiscal não existem mais", avalia.
Segundo ela, embora o mercado já projetasse déficit maior, em torno o de 0,8%, a validação formal da mudança da meta fez o mercado reprecificar o risco. "O que passa aos agentes financeiros é a mensagem de um governo que consistentemente não cumpre a meta, gastando mais do que arrecada", diz.
Ruídos na política traz volatilidade
Paralelamente, os ruídos internos da política brasileira contribuem para a piora. Nesta semana, foi a vez do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aumentar a temperatura do mercado com uma declaração pondo em dúvida o cumprimento da meta de inflação. Na quarta-feira (22), em audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação na Câmara, o ministro disse que meta atual, de 3%, é “exigentíssima” e “inimaginável”.
"Os núcleos estão rodando abaixo da meta, que é exigentíssima", disse, referindo-se às medidas de inflação que excluem itens com preços mais voláteis. "Uma meta, para um país com as condições do Brasil, de 3% de inflação é um negócio inimaginável. Desde que o regime de metas foi instituído, quantas vezes o Brasil teve 3% de inflação? Quantos anos isso aconteceu nos 25 anos do regime de metas?", questionou. A meta de 3% foi estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 2021, já que o tema é decidido com três anos de antecedência. No ano passado, o CMN, do qual Haddad faz parte, também optou por unanimidade pela manutenção da meta de 3% em 2026.
"O ministro da Fazenda não deveria qualificar uma meta de inflação", diz Enrico Cozzolino sócio e head de análise da Levante Investimentos. "Acho que talvez essa postura é para cargos técnicos. São ruídos políticos, falas desencontradas que depois tem que desmentidas ou explicadas para acalmar o mercado".
Para Cozzolino, o comportamento da Bolsa na última semana mostra o quanto ela é impactada por ruídos causados pelo governo. "A gente já viu no trimestre passado e nesse ano todo um embate sobre pontos da reforma tributária, impostos sobre milionários e outros exemplos de retórica populista que só fizeram a bolsa cair e o dólar disparar", diz.
Intervencionismo afugenta investidores
A atitude mais intervencionista por parte do governo atual também é fator de atenção dos investidores, embora com menor intensidade. "Há uma mudança no aspecto institucional que não agrada o mercado", diz. Além das reiteradas tentativas de interferência do governo na sucessão da Vale e o aumento da representatividade na Eletrobras, a recente troca da presidente da Petrobras contribuiu para mudar o olhar do investidor externo sobre o país.
"A gente vê investidores internacionais falando na imprensa, meio comparando o Brasil ao 'capitalismo de Estado' da China. Eu coloco muito entre aspas, porque é diferente da China. Mas essa narrativa meio que pegou, mudou a percepção sobre o país", acredita Quaresma.
Segundo levantamento da Elos Ayta Consultoria, após a troca de Jean Paul Prates por Magda Chambriard, em decisão do presidente Lula (PT), a Petrobras saiu de um retorno no ano de 17,7%, para 10,58% e perdeu cerca de R$ 35 bilhões em valor de mercado, hoje em R$ 512 bilhões. Petrobras e Vale representam, juntas, cerca de 30% do Ibovespa, quase 15% cada.
Apesar dos números dramáticos, os analistas ressaltam que a volatilidade faz parte do mercado de ações e cenários de baixa são oportunidades de entrada. "A Bolsa brasileira está muito barata e há vários segmentos que podem ser favorecidos. A única coisa que o investidor controla é o preço de entrada nos ativos", diz. Por isso, é um bom negócio para quem tem paciência e pode esperar.
Segundo a analista, o cenário externo vai acabar favorecendo o país. "A hora que o Fed [banco central americano] sinalizar um corte de juros, o mercado vai reagir", prevê. Com relação ao fator doméstico, a maior parte do risco fiscal já está precificado. "O que precisa mesmo é ter uma redução de ruído. Vimos isso no final do ano passado, quando teve pouca notícia negativa e o Ibovespa subiu 18% entre novembro e dezembro", lembra. " Não acho que o Brasil vai virar os Estados Unidos, não acho que vai virar um país excelente, mas eu acho que só de ter uma diminuição do ruído já vai ajudar muito".