O mês de setembro foi o pior para a Bolsa de Valores brasileira desde março. O recuo, de 4,8%, é tímido se comparado com os resultados ruins de fevereiro (-8,43%) e março (-29,90%), mas acende um sinal de alerta: após quatro meses de resultados positivos, agosto (-3,44%) e setembro registraram quedas que estão muito associadas ao mercado interno.
De agosto para cá, o mercado deu alguns sinais de que a complacência com o governo está acabando. A debandada de secretários do Ministério da Economia e o movimento fura-teto de gastos, por ora contido, já tinham elevado a incerteza em relação ao risco fiscal do Brasil. Em setembro, o anúncio de que o Renda Cidadã, reformulação do Bolsa Família, seria financiado por recursos vindos dos precatórios e do Fundeb, o fundo da educação, azedou de vez o humor do investidor.
A contrapartida esperada – as reformas – não aconteceu. A proposta de novo sistema tributário veio fatiada e não permite a visualização completa do plano. Um exemplo é a proposta nunca formalizada de desoneração da folha de pagamento. Ela é avaliada como positiva para a geração de emprego, mas exigiria a criação de um novo imposto sobre operações financeiras, nos moldes da CPMF, para compensar a perda de arrecadação – e que voltou para a gaveta. Além disso, a reforma administrativa apresentada pelo governo, com foco direcionado nos futuros servidores, foi considerada mais fraca do que o esperado.
Comportamento de aversão ao risco foi amplificado
O comportamento de aversão ao risco do investidor já estava no radar antes mesmo da pandemia, que influenciou o desempenho, mas não pesa tanto quanto o cenário doméstico.
A atividade econômica está melhor do que as primeiras estimativas, mas isso ocorreu às custas de um alto endividamento do Estado, que decidiu bancar ações como o auxílio emergencial pago aos informais para mitigar os efeitos da crise sanitária. A questão é que não há indicativos de que haverá uma política pública compensatória no próximo ano para todo esse contingente que precisou de ajuda, tampouco ações para fomentar o emprego.
A análise de Carlos Eduardo Pinheiro Corrêa, head de produtos da Speed Invest, é de que a queda da bolsa é reflexo desse cenário interno confuso. “A questão fiscal é um risco grande que o mercado precifica. Tudo gira em torno do teto de gastos, que é um pilar importante, construído há cerca de quatro anos, no governo Temer”, aponta.
O teto de gastos é um mecanismo que limita o avanço do gasto público à inflação e foi uma das medidas de austeridade adotadas a partir de 2016 para recolocar o país no rumo do equilíbrio fiscal. “Isso é uma sinalização para o investidor estrangeiro, que é o grande volume do nosso mercado, de que o Brasil é um país seguro para se investir. Quando esse pilar é ameaçado, tem um fluxo de saída muito forte de investidores da bolsa”, aponta.
Dados da B3 apontam que a fuga de capital estrangeiro da Bolsa em 2020 foi de R$ 88,2 bilhões até 29 de setembro. Praticamente o dobro das saídas de todo o ano de 2019 (R$ 44,5 bilhões).
O CEO e estrategista da Apollo Investimentos, João Guilherme Penteado, lembra que o mês de março foi trágico para o mercado, mas também por exagero: a pouca atenção dada à pandemia acabou causando uma precificação específica na época, por isso houve uma retomada mais tranquila nos meses seguintes.
A nova queda, segundo ele, reflete o temor da deterioração fiscal brasileira. Mas não só. “A gente tem uma conjunção de fatores de riscos locais bem complicados, mas tem também o quê de volatilidade lá de fora”, avalia.
Marco Harbich, estrategista da Terra Investimentos, também destaca o cenário externo e sua influência no mercado financeiro brasileiro. Esse movimento também derrubou outras bolsas ao redor do mundo e é muito influenciado pelo temor de uma segunda onda de lockdowns na Europa e a situação da eleição americana, agravada pela informação de que o presidente americano Donald Trump está com Covid-19.
“Nós temos um monte de problemas fiscais e não se vê nenhuma solução. É lógico que isso vai gerar uma incerteza, com Bolsa para baixo e dólar para cima. Concomitante a isso, tem a possível segunda onda da Covid na Europa e não se sabe qual o impacto disso. Tem um somatório de fatores para levar em consideração, mas principalmente o aspecto doméstico pesa mais”, avalia.
Penteado aponta que a ausência de propostas efetivas para as reformas administrativa e tributária indica que não haverá nem redução do custo do Estado nem redução da carga tributária, o que impacta no potencial de crescimento econômico do país. “A gente tem um risco político e fiscal tão grande que faz com que o Brasil não seja atrativo”, diz.
Desempenho da Bolsa brasileira não é isolado
O desempenho oscilante da B3 não é um movimento isolado. Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra, lembra que a precificação dos papéis nas bolsas está relacionada à expectativa de lucro futuro, e que são poucos os índices que estão positivos no mundo. Nesse sentido, a situação do Ibovespa não é tão ruim.
Carlos Eduardo Pinheiro Corrêa aponta que quando se fala do mercado instável no Brasil, se fala de Ibovespa, que é uma cesta teórica de ações com muitos papéis de commodities e bancos. "Quando a gente vê o dólar muito alto, as commodities se desvalorizam. Muitas vezes olhamos o Ibovespa e pensamos que o mercado está instável, mas oportunidades continuam surgindo a todo momento."
Esse ano, apesar da pandemia, muitas empresas decidiram abrir capital na B3 – foi uma explosão de novas ofertas. Corrêa avalia que esses resultados ruins recentes não vão afetar esse cenário, já que os juros baixos vão permanecer e há uma tendência de menor pressão inflacionária global. Além disso, mais poupadores estão se arriscando no mercado de renda variável.
“Não vejo uma diminuição do ritmo de IPOs. Se essa instabilidade machucar o ritmo, isso só vai acontecer mais para frente. No curto prazo, empresas querem se capitalizar com abertura de capital e a perspectiva das bolsas ainda é positiva para o final do ano”, aponta.
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