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Crise hídrica e dólar vão definir “pacote de bondades” de Bolsonaro no ano das eleições

(Foto: Alan Santos/PR)

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A crise hídrica e o dólar serão decisivos para o tamanho do "pacote de bondades" que o presidente Jair Bolsonaro poderá oferecer em 2022, ano de eleições presidenciais. Dependendo do que ocorrer neste segundo semestre, o governo federal terá bilhões de reais a mais – ou a menos – para gastar em coisas como ampliação de transferências de renda e aumento salarial para servidores públicos.

A falta de chuva prejudica o setor elétrico e a produção de alimentos, jogando a inflação para cima. Por outro lado, o dólar deixou de ser uma fonte de pressão – ao menos momentaneamente – e pode contribuir para algum alívio nos preços nos próximos meses.

Os índices de preços são relevantes para a definição de benesses em 2022 porque influenciam dois pontos essenciais do planejamento do governo: o quanto ele pode gastar e o quanto ele obrigatoriamente tem de gastar. A diferença entre um e outro vai dizer qual a margem para aumentar despesas no ano eleitoral.

A regra constitucional do teto de gastos define quanto pode ser gasto pela União a cada ano. Esse limite impede que as despesas subam acima da inflação. Mas uma inflação bem específica: o IPCA (principal índice de preços) acumulado em 12 meses até junho do ano anterior.

Enquanto isso, as despesas obrigatórias do governo – o quanto necessariamente deve ser gasto – são muito influenciadas pelo valor do salário mínimo. Ele determina desembolsos gigantes como aposentadorias do INSS, seguro-desemprego, abono salarial e Benefício de Prestação Continuada (BPC). E o salário mínimo é corrigido pelo INPC (outro índice de preços) acumulado de janeiro a dezembro.

Essa diferença entre o índice que reajusta o teto e aquele que eleva as despesas obrigatórias leva ao seguinte fenômeno: sempre que a inflação em meados do ano é maior que a do fim do ano, o governo ganha um espaço extra para gastar sem violar o teto de gastos. É o que tende a ocorrer na passagem de 2021 para 2022.

Estimada em R$ 25 bilhões, folga não cobre todas as benesses encomendadas

O teto para 2022 será conhecido em 8 de julho, na próxima divulgação do IPCA. Sabe-se que o índice será elevado, próximo de 8,4% no acumulado de 12 meses, segundo expectativas do mercado. Até maio, o IPCA exibia alta de 8,06%, e a prévia de junho (o IPCA-15) trouxe um índice ainda maior, de 8,13%.

Por sua vez, a projeção para o INPC ao fim do ano – que definirá o salário mínimo e parte importante das despesas obrigatórias – está em 6,2%, conforme expectativa média de instituições financeiras citada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia.

Por ora, a SPE calcula que essa diferença entre o IPCA de junho e o INPC de dezembro abrirá um espaço para gastos adicionais de R$ 25 bilhões em 2022. A disputa por esse dinheiro já começou na Esplanada dos Ministérios.

Pastas como a da Infraestrutura e a do Desenvolvimento Regional têm interesse – compartilhado com o presidente Bolsonaro – em tocar mais obras em 2022.

O Ministério da Economia se divide entre a defesa da austeridade fiscal e a necessidade de ampliar o Bolsa Família, algo que o ministro Paulo Guedes e Bolsonaro prometem desde 2020, e que ganhou urgência depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou o governo pagar uma "renda básica de cidadania" a partir de 2022.

Semanas atrás o presidente prometeu um reajuste de 50% no valor médio do benefício, para R$ 300. É mais que os R$ 250 planejados até então pela equipe econômica, que fariam o custo anual do programa passar de R$ 35 bilhões para pouco mais de R$ 51 bilhões.

Como se não bastasse, Bolsonaro encomendou a Guedes um aumento de 5% para os servidores públicos em 2022, com custo estimado em R$ 15 bilhões, segundo o jornal "O Estado de S. Paulo".

Somados, tais aumentos no Bolsa Família e no salário do funcionalismo vão exigir mais que os R$ 25 bilhões da folga no teto que hoje é estimada pelo Ministério da Economia.

Inflação nos próximos meses depende da chuva e do câmbio

Esse espaço fiscal de R$ 25 bilhões está sujeito a mudanças. Se a inflação desacelerar mais que o previsto e o INPC em dezembro for mais baixo que o esperado agora, a margem para novos gastos será maior. Mas, se o INPC superar as estimativas atuais, a folga vai encolher.

"A desinflação mais rápida do INPC poderá elevar esse espaço fiscal. No entanto, caso haja deterioração das expectativas e a inflação se mostre mais persistente, o ganho adicional de R$ 25 bilhões será reduzido", afirmou a Secretaria de Política Econômica em nota divulgada na terça-feira (29). A SPE estima que cada elevação de 0,5 ponto porcentual do INPC neste ano (além da estimativa atual) diminua em R$ 4,6 bilhões a margem para novos gastos.

A equipe econômica calculou qual seria o impacto de um aumento na bandeira vermelha 2 – adicional tarifário da conta de luz – dos atuais R$ 6,24 por quilowatt-hora para R$ 10 por kWh. Segundo a secretaria, tal reajuste teria impacto de 5,6% no item conta de luz do INPC, ampliando o índice em 0,29 ponto porcentual até o fim do ano. Nessa situação, o espaço fiscal sob o teto de gastos seria reduzido em R$ 2,7 bilhões, indo a R$ 22,3 bilhões.

Pouco após a divulgação da nota, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou um aumento de 52% na bandeira vermelha 2, para R$ 9,49 por kWh a partir de julho. Abaixo, portanto, do valor usado pela SPE em seu exercício. Porém, a Aneel avisou que vai revisar os parâmetros de cálculo das bandeiras, sinalizando assim um novo aumento em agosto, o que deve levar a conta de luz e o INPC para além da projeção da SPE.

O acionamento das bandeiras e os seguidos aumentos na tarifa de energia se devem ao acionamento de usinas termelétricas. A ideia é poupar os reservatórios de hidrelétricas, que começaram o chamado período seco (de maio a novembro) em níveis críticos. Quanto mais severa e prolongada for a estiagem, maior a necessidade de produção das térmicas e, portanto, o custo da energia.

Contra inflação, time de Guedes defende consolidação fiscal

Para a SPE, o cenário de risco hidrológico exige que o país avance na "agenda da consolidação fiscal". O que na visão da secretaria, contribuirá para uma queda mais rápida do INPC, "de modo que o espaço fiscal acima estimado não seja perdido, corroído pela inflação".

Segundo os técnicos da equipe econômica, a melhora no quadro fiscal tem contribuído para a queda do dólar, que reduz a pressão inflacionária. "Supondo apreciação do real de 10%, o INPC deverá reduzir-se em 0,30 p.p. nos próximos 6 meses e 0,42 p.p. nos próximos 12 meses. Ou seja, o aprofundamento da agenda de reformas pró-mercado e o processo de consolidação fiscal permitirão apreciação da moeda brasileira, com impactos positivos no curto prazo", diz a nota da SPE.

Por outro lado, argumentam os técnicos, "ações que aumentem a incerteza em relação às reformas propostas depreciarão a taxa de câmbio, pressionando mais a inflação e reduzindo o espaço no teto para as despesas sob decisão do gestor público".

O Congresso discute neste momento duas reformas estruturantes: a administrativa, com mudança nas regras do serviço público, e a tributária. A primeira já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, mas não conta com a simpatia do presidente Bolsonaro, que já "autorizou" aliados a desacelerarem a tramitação.

A reforma tributária, por sua vez, tramita "fatiada" no Congresso. O Ministério da Economia enviou no ano passado a proposta de unificação de PIS e Cofins, mas ela não avançou e Paulo Guedes fala em modificar o texto. Não há consenso nem no governo sobre o que fazer, e as relações de Bolsonaro com empresários que têm interesses distintos dificultam maiores avanços.

Na semana passada, Guedes propôs uma série de mudanças no Imposto de Renda, mas o projeto desagradou o setor produtivo – e também neste caso o ministro da Economia se comprometeu a alterar o texto, ampliando a redução na alíquota do Imposto de Renda das empresas.

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