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O Banco Central reduziu o ritmo de corte dos juros em uma decisão apertada, na qual os votos de cinco diretores indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prevaleceram sobre as opiniões dos quatro nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A vitória da ala mais conservadora na política monetária, porém, tem data de validade. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, e outros dois diretores remanescentes do governo anterior serão substituídos na virada do ano, quando terminam seus mandatos.
A partir de então, indicados por Lula formarão a maioria no Comitê de Política Monetária (Copom), a quem cabe a definição da taxa básica de juros (Selic), referência para o mercado de crédito. Com isso, a expectativa de boa parte do mercado é de que o BC passe a ser mais tolerante com a inflação de 2025 em diante – percepção que foi reforçada pelo placar de 5 a 4 desta quarta-feira (8).
Antes dessa reunião, o Copom havia feito seis cortes consecutivos de 0,5 ponto percentual na Selic, o que levou a taxa de 13,75% para 10,75% ao ano. Desta vez, a redução foi de 0,25 ponto, para 10,5%. Esse movimento era esperado pela maioria do mercado, e alguns economistas já acreditavam em decisão não consensual. Mesmo assim, a perfeita divisão entre "lulistas" e "bolsonaristas" chamou atenção e foi destacada em várias análises.
Dólar e juros futuros sobem e Bolsa cai com divisão no BC
"Mais relevante do que a decisão em si foi a votação fortemente dividida entre os membros do Comitê. Mais chamativo ainda foi o fato destes quatro diretores [que preferiam queda maior na Selic] terem sido os indicados no atual governo, situação que deve alimentar ruídos quanto à condução da política monetária a partir de 2025, quando outros três dirigentes serão substituídos", escreveu Silvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria.
Tais ruídos dão o tom dos negócios desta quinta-feira (9) no mercado financeiro. Por volta de 11h30, o dólar subia 1,4%, cotado a R$ 5,16. O Ibovespa – principal termômetro da B3, a Bolsa brasileira – caía mais de 1,5%. E os juros futuros avançavam, em especial os mais "longos". Os contratos de DI de junho de 2027, por exemplo, chegavam a 11,16%, com alta de 0,22 ponto percentual. Os de janeiro de 2031 estavam em 11,77%, subindo 0,28 ponto.
Em agosto, no início do processo de queda da Selic, a decisão do Copom também foi dividida. Cinco diretores do BC votaram por redução de 0,5 ponto e quatro, por 0,25. Na ocasião, o voto de desempate, a favor de um corte maior, foi de Campos Neto.
O presidente do Banco Central deu novamente o voto decisivo nesta quarta, só que desta vez em defesa de um menor afrouxamento. Gabriel Galípolo, o mais cotado para assumir a presidência do BC a partir de 2025, ficou no grupo divergente.
No cargo desde 2019, Campos Neto foi o primeiro a presidir a autoridade monetária desde que ela ganhou autonomia, em 2021. Com a nova legislação, o mandato do presidente do BC deixou de coincidir com o do presidente da República, e Lula não pôde indicar um nome de sua preferência assim que assumiu o governo, em 2023.
Críticos da autonomia do Banco Central, Lula e o PT promovem ataques a Campos Neto desde então, com um ou outro período de trégua. A presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) voltou à carga na noite de quarta, afirmando que a redução de 0,25 ponto na Selic foi "sabotagem" e "crime contra o país".
Comunicado do BC sobre Selic foi duro, mas com "data de validade"
O comunicado do Banco Central sobre a decisão de baixar o juro em 0,25 ponto foi considerado "hawkish" – referência a falcão, em inglês, como são apelidados os defensores de uma política monetária mais dura contra a inflação.
O texto afirma que o cenário global é "desafiador" e que a tendência é de um processo desinflacionário "mais lento", além de destacar "expectativas de inflação desancoradas" – referência à elevação das projeções do mercado financeiro para o IPCA de 2025, hoje em 3,64%, acima da meta de 3%. Essa conjuntura, diz o comunicado, "demanda serenidade e moderação na condução da política monetária".
Raphael Vieira, co-head de investimentos da Arton Advisors, observa que o Copom não sinalizou qual deve ser seu próximo passo, ao contrário do que vinha fazendo nas últimas reuniões.
"A autoridade monetária deixa aberto que os próximos passos dependem da expectativa e da ancoragem dos números de inflação", diz Vieira em nota. O tom do comunicado, avalia, foi "bem mais hawkish" que os anteriores.
Para Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset, o texto reflete essencialmente a opinião do bloco vencedor no Copom – grupo que será modificado no ano que vem.
"Talvez essa comunicação mais dura e essa postura mais conservadora tenham algum tipo de data de validade, uma vez que nós sabemos que haverá alteração na diretoria, principalmente da presidência, no ano que vem", diz Cardoso em comentário enviado a clientes.
"Pode ser que BC mantenha essa postura nas próximas reuniões, mas a sinalização que foi dada nesta votação é de que a próxima diretoria vai ser menos conservadora", completa o economista. Ele projeta mais três cortes de 0,25 ponto nos próximos meses, que levariam a Selic a 9,75% ao ano.
Como votaram os indicados de Bolsonaro e Lula na definição da taxa Selic
Votaram por redução de 0,25 ponto percentual na Selic os seguintes diretores do Banco Central, todos nomeados por Jair Bolsonaro (PL):
Votaram por redução de 0,5 ponto percentual na Selic os seguintes diretores do Banco Central, todos nomeados por Luiz Inácio Lula da Silva (PT):