Considerado historicamente um dos países mais fechados do mundo, o Brasil avançou na assinatura de acordos comerciais durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, desde 2019 foram concluídos 15 acordos internacionais – quase quatro por ano, em média. A conta considera os tratados de livre comércio, preferência tarifária ou que tratam de aspectos não tarifários, mas que são considerados relevantes para o comércio.
Estão contabilizados acordos que tiveram a fase de negociação finalizada, podendo estar pendente ainda de assinatura ou de internalização pelo Poder Legislativo, que ratifica as decisões da diplomacia. Não entram na conta os chamados acordos de investimento, que tratam de regras para aporte de capital estrangeiro. Considerando os mesmos critérios, entre 1994 e 2018 foram concluídos 24 acordos comerciais, uma média de um por ano.
Desejos da Gazeta para o Brasil: Acordos comerciais internacionais
Acordos internacionais, no entanto, geralmente levam vários anos para se concretizar, de modo que a maior parte dos que foram concluídos entre 2019 e 2022 teve suas negociações iniciadas em governos anteriores. Além disso, após a assinatura de um tratado pelo Brasil até sua efetiva entrada em vigor, passam-se em média 1,5 mil dias.
Um levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 45 acordos internacionais firmados pelo Brasil entre 2003 e 2019 mostrou que o período médio entre a conclusão das negociações e as promulgações é de quatro anos e meio. Desse período, quase dois anos são de análise pelo Congresso.
No caso do acordo entre Mercosul e União Europeia, concluído em 28 de junho de 2019, após 20 anos de negociações, os documentos estão, no momento, submetidos ao processo de revisão jurídica, chamado de “legal scrubbing”. Concluída essa etapa, os textos estarão prontos para a assinatura formal e, na sequência, para os procedimentos internos de aprovação parlamentar que permitirão a ratificação do acordo e sua efetiva entrada em vigor.
Além dos acordos concluídos, o Brasil tem negociações em andamento com Canadá, Coreia do Sul e Líbano. Em 2020, foi aprovado ainda mandato negociador do Brasil para acordos de livre comércio do Mercosul com a Indonésia e o Vietnã.
Para a Secex, a maior inserção do país no comércio internacional significa aumento da produtividade e da competitividade da economia brasileira, assim como a sustentabilidade do crescimento econômico. Entre outros benefícios, a secretaria lista a redução de barreiras ao comércio e ao investimento, maior variedade e menor preço de produtos e serviços, oportunidades de acesso para produtos brasileiros no exterior e maior segurança jurídica para comércio e negócios.
Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil tinha em 2020 uma corrente comercial – soma de importações e exportações – equivalente a 32% do Produto Interno Bruto (PIB), a 13.ª mais baixa do planeta.
Dos 15 acordos comerciais concluídos no atual governo, sete tiveram as negociações finalizadas em 2022. Confira abaixo mais detalhes desses tratados e, ao fim do texto, a lista de acordos comerciais concluídos desde 2019.
Adesão ao Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis da OMC
Em 13 de junho, na 12.ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil apresentou formalmente seu pedido de adesão ao Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis da entidade. Estabelecido em 1980, o documento conta atualmente com 33 signatários, incluindo Canadá, Japão, China, Noruega, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia.
O acordo elimina o imposto de importação para todas as aeronaves, exceto as militares, bem como para seus motores, peças e componentes, além de outros bens, como simuladores de voos. De acordo com o governo, a adesão deve facilitar o acesso do país a um mercado mundial estimado em cerca de US$ 3 trilhões.
Até agora, o Brasil é o único produtor relevante de aeronaves e sócio fundador da OMC ainda fora do acordo. No momento, o processo de adesão está em negociação na entidade.
Acordo de Subsídios à Pesca
No dia 17 de junho, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, o Brasil assinou acordo para a redução global de subsídios ilegais à pesca. O documento foi discutido ao longo de 20 anos e celebrado por grupos ambientais como histórico, uma vez que, além de garantir maior nível de concorrência entre as diferentes economias, visa também à sustentabilidade.
“O país atuou com flexibilidade e alto nível de ambição, buscando garantir a sustentabilidade dos oceanos, o fortalecimento da dimensão ambiental na OMC e o nivelamento das condições de concorrência no setor pesqueiro global”, diz nota divulgada pelo Itamaraty à época.
Segundo o texto, “o Brasil seguirá engajado na implementação do acordo e no seu fortalecimento para que efetivamente se cumpra o mandato da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU [Organização das Nações Unidas] com a maior brevidade possível”.
O acordo cria uma estrutura global que limita os subsídios à pesca ilegal, à pesca de populações esgotadas e às embarcações que promovem a pesca em alto mar de forma não regulamentada. Além disso, inclui medidas para aumentar a transparência e a responsabilidade dos governos sobre a forma como subsidiam a indústria.
Brasil/Uruguai – Acordo de Zonas Francas e Áreas Aduaneiras Especiais
Em vigor desde 1983, o Acordo de Complementação Econômica n.º 2 (ACE 02), assinado entre Brasil e Uruguai, estabelece a eliminação de tarifas de importação sobre produtos não abrangidos pelo regime de livre comércio do Mercosul, como do setor automotivo. No dia 20 de junho de 2022, os países assinaram dois protocolos adicionais ao documento.
Por meio 83.º protocolo, concordaram com a eliminação total e imediata das alíquotas da chamada tarifa externa comum ou dos impostos nacionais de importação que incidam sobre mercadorias produzidas em zonas francas e áreas aduaneiras especiais dos dois países, desde que respeitado o regime de origem do Mercosul
O 84.º protocolo adicional ao ACE 02 deve conferir maior previsibilidade e segurança jurídica ao comércio de erva-mate entre os dois países, ao definir a metodologia de controle a ser adotada pelo Uruguai para aferir os limites máximos de contaminantes inorgânicos presentes no produto.
Ambos os protocolos precisam de ratificação parlamentar nos dois países para entrar em vigor. No Brasil, isso deve ocorrer por meio de aprovação de projeto de decreto legislativo pelo Congresso Nacional.
Brasil/Argentina – Acordo de Reconhecimento Mútuo de homologações veiculares
Ainda no âmbito da América do Sul, Brasil e Argentina concluíram, no fim de junho, a negociação de um Acordo de Reconhecimento Mútuo (ARM) de homologações veiculares. Com isso, fica facilitado o comércio bilateral de veículos entre os dois países, com redução em custos e prazos, o que confere mais previsibilidade e segurança jurídica para investimentos.
A homologação é o procedimento por meio do qual o órgão máximo executivo de trânsito atesta a conformidade de veículos às normas de identificação de segurança vigentes e autoriza sua circulação no país. No Brasil, o processo resulta na concessão do Certificado de Adequação à Legislação de Trânsito (CAT), emitido pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran); na Argentina, da Licença para Configuração de Modelo (LCM), emitida pelo Ministério de Desenvolvimento Produtivo.
Por meio do ARM os dois países passam a reconhecer as homologações realizadas pela contraparte como suficientes para atestar a conformidade dos regulamentos exigidos em sua legislação nacional para o conjunto de itens cobertos pelo instrumento.
Em um primeiro momento, estarão cobertos pelo acordo aproximadamente 80% dos itens de segurança de veículos leves de passageiro e leves de carga, com possibilidade de ampliação dos itens e de inclusão de novas categorias de veículos, como ônibus e caminhões, além de autopeças.
No primeiro ano, o reconhecimento mútuo será aplicado aos veículos produzidos e/ou montados na Argentina ou no Brasil. No segundo, incluirá veículos importados por empresas que tenham planta estabelecida em um dos países. A partir do terceiro, aplicar-se-á a todos os veículos, independentemente de sua origem.
As negociações para o ARM tiveram início em 2018, quando Brasil e Argentina firmaram um memorando de entendimento sobre regulamentos técnicos do setor automotivo, por meio do qual se iniciou o trabalho de identificação de semelhanças existentes entre as normas de ambas as partes. Ainda é necessário o cumprimento de formalidades internas pelas partes para a entrada em vigor do acordo.
As categorias de veículos cobertas pelo acordo representaram comércio bilateral estimado em US$ 5,21 bilhões em 2021, dos quais US$ 1,46 bilhões de exportações para a Argentina e US$ 3,75 bilhões de importações procedentes da Argentina, segundo dados da Secex.
Mercosul/Singapura – Acordo de Livre Comércio
As negociações para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e Singapura foram lançadas em 23 de julho de 2018, durante a 13.ª Cúpula da Aliança do Pacífico, e concluídas em 20 de julho de 2022, na 60.ª Reunião do Conselho Mercado Comum. Ao todo, foram realizadas seis rodadas negociadoras.
O acordo abrange o comércio de bens e serviços entre os países, além de investimentos entre as partes. Conta ainda com compromissos vinculantes em temas como facilitação de comércio, propriedade intelectual, compras governamentais e comércio eletrônico.
No momento, os textos do acordo estão sob processo de revisão jurídica (“legal scrubbing”). Concluída essa etapa, os documentos estarão prontos para assinatura formal e, na sequência, para procedimentos internos, em cada parte, de aprovação parlamentar para ratificação e entrada em vigor das regras.
Em 2021, o comércio de bens entre Brasil e Singapura totalizou US$ 6,7 bilhões, o que coloca o país asiático como sexto principal destino das exportações brasileiras de bens e a 43.ª origem das importações.
A pauta exportadora do Brasil para Singapura é composta majoritariamente por produtos da indústria de transformação (82%), seguida por produtos da indústria extrativa (18%). As importações brasileiras de Singapura são compostas na totalidade por produtos da indústria de transformação.
Segundo estudo de impacto da Secex, o livre comércio entre os países pode representar um incremento, em relação ao cenário de ausência do acordo, de R$ 28,1 bilhões no PIB brasileiro, considerando os valores acumulados entre 2022 e 2041. Para o mesmo período, estima-se um aumento de R$ 11,1 bilhões nos investimentos, R$ 21,2 bilhões nas exportações totais brasileiras e R$ 27,9 bilhões nas importações, totalizando um aumento de R$ 49,1 bilhões na corrente comercial entre Brasil e Singapura.
Brasil/Colômbia – Acordo de Zonas Francas e Áreas Aduaneiras Especiais
Em 28 de julho, Brasil e Colômbia assinaram o 4.º protocolo adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 72 (ACE 72), por meio do qual acordaram outorgar tratamento tarifário preferencial a produtos originários de zonas francas e áreas aduaneiras especiais de ambos os países.
O ACE 72, firmado em 2017 entre Mercosul e Colômbia, estabelece uma área de livre comércio entre as partes, além de promover o desenvolvimento, os investimentos recíprocos, a integração física e a cooperação econômica, energética, científica e tecnológica.
No momento, o 4.º protocolo do acordo está em processo de internalização aos ordenamentos jurídicos de ambos os países, para que possa entrar em vigor. No Brasil, a ratificação deve ocorrer por meio do projeto de decreto legislativo (PDL) 169/2022, atualmente na Câmara dos Deputados.
De acordo com o governo, o protocolo assegura maior segurança jurídica, melhor ambiente de negócios e menores custos no comércio de serviços entre Brasil e Colômbia. “Deverá, portanto, gerar crescentes oportunidades aos fornecedores brasileiros de serviços – empresas e profissionais –, ampliar a atratividade do Brasil para investimentos colombianos e facilitar a importação de serviços colombianos”, diz trecho da mensagem enviada pelo Executivo ao Congresso.
Adesão aos acordos de 1958 e 1998 de requisitos veiculares da Unece
Também foi formalizada neste ano, segundo a Secex, a adesão do Brasil aos acordos de 1958 e 1998 do Fórum Mundial para a Harmonização dos Regulamentos Técnicos Veiculares (Working Party 29 – WP.29) da Organização das Nações Unidas (ONU). O processo de acessão ao quadro de signatários ainda não foi finalizado.
O WP.29 é um grupo de trabalho permanente na estrutura da ONU, institucionalmente relacionado ao Comitê de Transporte Terrestre (ITC, na sigla em inglês) da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (Unece) que funciona como foro global de discussões sobre regulamentos veiculares.
O objetivo é desenvolver e harmonizar regulamentos técnicos voltados ao incremento da segurança veicular, da proteção do meio ambiente, da promoção da eficiência energética e do incremento da performance antirroubo de veículos rodoviários. Dessa forma, a adesão aos acordos pode aprimorar o arcabouço regulatório e promover a segurança dos veículos que circulam no país, o que consequentemente possibilita melhores condições competitivas para a indústria automotiva nacional.
Segundo parecer do Conselho Nacional de Trânsito de 25 de maio, os regulamentos técnicos do WP.29 já são usualmente tomados como referência na elaboração de resoluções nacionais relativas aos requisitos de desempenho e segurança de veículos.
“Assim, é de interesse do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) que o país esteja ativamente representado nos debates que promovem as melhores práticas regulatórias da segurança de veículos no mundo, sendo parte contratante, com direito a voto, de modo a participar do processo decisório, assim como contrair os direitos e obrigações decorrentes desses instrumentos”, diz trecho do parecer.
Acordos comerciais concluídos pelo governo brasileiro entre 2019 e 2022
Acordo | Ano |
Mercosul – União Europeia | 2019 |
Mercosul – EFTA | 2019 |
Facilitação de comércio – Mercosul | 2019 |
Brasil/Paraguai - Automotivo (1º PA ao ACE 74) | 2020 |
Brasil/Argentina - Automotivo (44º PA ao ACE 14) | 2020 |
Brasil/México - Veículos pesados (7º PA ao Apêndice II do ACE 55) | 2020 |
Acordo de Comércio Eletrônico Mercosul | 2021 |
Brasil/EUA - Protocolo de Regras Comerciais e Transparência ao ATEC | 2021 |
Adesão ao Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis da OMC (ACAC) | 2022 |
Uruguai/Zonas Francas (83º PA ao ACE 02) | 2022 |
Mercosul/Singapura | 2022 |
Brasil/Colômbia - Zonas Francas (4º PA ao ACE 72) | 2022 |
Brasil/Argentina - Acordo de Reconhecimento Mútuo de homologações veiculares | 2022 |
Adesão do Brasil aos Acordos de 1958 e 1998 de Requisitos veiculares da Unece | 2022 |
Acordo de Subsídios à Pesca OMC | 2022 |
Acordos comerciais concluídos entre 1994 e 2018
Acordo | Ano |
Bolívia (ACE 36) | 1996 |
Chile (ACE 35) | 1996 |
Protocolo de Serviços Mercosul | 1997 |
Guiana / São Cristóvão e Névis (AAP.A25TM 38) | 2001 |
México (ACE 53) | 2002 |
México - Automotivo (ACE 55) | 2002 |
Uruguai - Automotivo (60º PA ao ACE 02) | 2002 |
Colômbia / Equador / Venezuela (ACE 59) | 2004 |
ACP Índia | 2004 |
Peru (ACE 58) | 2005 |
Cuba (ACE 62) | 2006 |
Israel | 2007 |
ACP SACU | 2008 |
Chile - Zonas Francas (54º PA ao ACE 35) | 2009 |
Protocolo de Serviços MCS-Chile | 2009 |
Egito | 2010 |
Palestina | 2011 |
Venezuela (ACE 69) | 2012 |
Facilitação de comércio OMC | 2013 |
Peru (Acordo de Ampliação Econômico-Comercial) | 2016 |
Compras Mercosul | 2017 |
Colômbia (ACE 72) | 2017 |
Protocolo de Serviços MCS-Colômbia | 2018 |
Chile (ALC - Não tarifário) | 2018 |
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