No discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro disse que o investimento estrangeiro no país aumentou em 2020, apesar da pandemia. Na verdade, ele diminuiu e está nos menores níveis em 11 anos em termos de fluxo líquido (entradas menos saídas de capital).
"O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimentos diretos em todo o mundo. E, no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento de ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo", afirmou Bolsonaro (confira a declaração no vídeo ao fim deste texto, a partir do minuto 12).
Dados do Banco Central, autoridade responsável pelo registro dessas operações, desmentem o presidente.
Segundo o BC, os Investimentos Diretos no País (IDP) – antigamente denominados Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) – foram de US$ 22,8 bilhões no acumulado de janeiro a junho, em termos líquidos. O valor é 27% menor que o do mesmo período do ano passado, quando Bolsonaro já presidia o país, e ficou 28% abaixo do registrado na primeira metade de 2018, no governo Temer.
Esses números são do IDP líquido, isto é, a diferença entre os ingressos e saídas desse tipo de capital. Em 2020, os ingressos estão menores e as saídas são recordes. No primeiro semestre, entraram no Brasil US$ 61,4 bilhões em capital produtivo, o valor mais baixo em quatro anos, 7% inferior ao dos seis primeiros meses de 2019. Em contrapartida, US$ 38,6 bilhões deixaram o país, 10% a mais que no mesmo período do ano passado e maior volume para um primeiro semestre da série histórica, iniciada em 1995.
Nesta quarta (23), o Banco Central divulgou novas informações sobre o IDP. E os dados atualizados até agosto mostram um cenário pior que o observado no primeiro semestre. Segundo o BC, nos oito primeiros meses do ano o saldo do investimento estrangeiro direto no país foi de US$ 27 bilhões, 41% menos que o registrado no mesmo intervalo de 2019 e 40% abaixo de período equivalente de 2018.
Esse resultado líquido é reflexo de uma queda de 19% nos ingressos (que somaram US$ 79 bilhões e foram os menores em quatro anos) e de um aumento de 2% nas saídas (que totalizaram US$ 52,1 bilhões, maior valor da série histórica para o período janeiro-agosto).
Tanto no primeiro semestre quanto no acumulado dos oito primeiros meses, os números líquidos de 2020 são os piores desde 2009, penúltimo ano do governo Lula. Na ocasião, sob os reflexos da crise financeira global, o país atraiu US$ 13,9 bilhões de janeiro a junho e US$ 19 bilhões de janeiro a agosto, já descontadas as saídas de capital.
Queda no investimento tem a ver com a pandemia. Mas não só
Menos volátil que as aplicações no mercado financeiro, o investimento direto é aquele direcionado à chamada "economia real" e abrange, entre outras operações, a compra de participação em empresas brasileiras ou empréstimos feitos por multinacionais a suas subsidiárias no Brasil – para instalação de fábricas, expansão de instalações, desenvolvimento de produtos. As saídas de capital produtivo ocorrem, por exemplo, quando as filiais no Brasil remetem dinheiro às matrizes no exterior.
A redução no investimento estrangeiro direto, que a Gazeta do Povo registrou em reportagem publicada no início de junho, tem forte relação com a pandemia, mas não só. Ele ocorre desde o início do ano e antecede a chegada do coronavírus ao país. Considerando-se os fluxos mensais líquidos de IDP, apenas em março e junho os valores de 2020 superaram os de 2019. E apenas o dado de maio foi melhor que o equivalente de 2018.
As informações sobre o IDP são públicas e estão disponíveis no site do Banco Central. Os links estão na área de "referências", ao fim deste texto.
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