Marco legal da cabotagem está entre as prioridades do governo.| Foto: Diego Baravelli/MInfra
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Apresentado pelo governo para aumentar o transporte marítimo no país, o projeto "BR do Mar" enfrenta resistências da indústria local e pode acabar não indo a votação neste ano. O PL 4199/2020 tramita em regime de urgência e deveria ser votado direto no plenário da Câmara dos Deputados, mas até o momento não foi escolhido um relator para o texto.

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Associações, sindicatos e alguns deputados pressionam o governo para retirar a urgência, podendo assim discutir mudanças com mais tempo. O governo, porém, deve manter a urgência e insistir para votar o texto na semana que vem, quando os deputados voltam do recesso branco para a semana de esforço concentrado. A votação, contudo, ainda é incerta.

Associações de armadores de cabotagem e de usuários de portos e o sindicato nacional da indústria naval são contra vários aspectos do texto apresentado pelo Executivo. Eles afirmam que o BR do Mar parte do pressuposto errado de que o problema da cabotagem no país está na falta de embarcações, deixando de atacar os verdadeiros entraves para o desenvolvimento do transporte marítimo de cargas.

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As associações e o sindicato afirmam, ainda, que o programa vai aumentar a concentração de mercado nas mãos de empresas estrangeiras que já operam no Brasil, além de permitir a construção de navios no exterior com dinheiro brasileiro e a importação sem nenhum custo, o que pode inviabilizar a existência de uma frota nacional e resultar em aumento de preços do frete.

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O que diz o governo

O governo diz que o texto estabelece um marco legal para cabotagem, como é chamado o transporte de cargas entre portos ou pontos da costa de um país. Em linhas gerais, o projeto facilita o afretamento (aluguel) de embarcações estrangeiras por empresas de navegação que atuam no Brasil. A maior parte delas é de controle estrangeiro.

Novos entrantes ou empresas de menor porte sem embarcações próprias poderão alugar navio a casco nu (sem bandeira) sem a necessidade de lastro em embarcações próprias. O texto também prevê a possibilidade de utilização do Fundo da Marinha Mercante para financiar a construção de navios em estaleiros estrangeiros.

O objetivo, diz o governo, é aumentar a oferta da cabotagem no Brasil, incentivando a concorrência, criando novas rotas e reduzindo custos. Segundo o Ministério da Infraestrutura, a meta é passar de 1,2 milhão de TEUs (unidade equivalente a 20 pés) de contêineres transportados por ano por meio de cabotagem para 2 milhões de TEUs até 2022. Também está entre os objetivos ampliar em 40% a capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos.

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O que diz o setor nacional

Por sua vez, o setor nacional afirma que, ao invés de ampliar a cabotagem, o projeto terá efeito contrário. A Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística (Logística Brasil) diz que o texto contém uma série de artigos “escondidos” que fortalecem um problema atual do setor: a concentração de mercado na mão de um pequeno grupo de empresas com atuação no Brasil, mas que têm controle estrangeiro.

“É um programa de irrestrita e forte proteção a algumas poucas empresas de navegação, na contramão da esperada proteção dos embarcadores, por meio da concorrência”, diz a associação em nota.

Entre esses artigos prejudiciais, estariam os que permitem que embarcações estrangeiras possam bloquear uso de frota brasileira. “A proposta atribui àqueles navios estrangeiros e de bandeira estrangeira o poder de bloqueio às circulares das empresas concorrentes, para que atendam os embarcadores com navios estrangeiros apropriados e mais baratos, no caso da inexistência ou indisponibilidade do navio brasileiro”, diz a Logística Brasil.

A Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac) acrescenta que os novos entrantes terão a vantagem de alugar navios a casco nu (sem bandeira), enquanto as Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs) têm que fazer altos investimentos de capital para construir embarcações nacionais. “Essa situação poderá inviabilizar a existência de uma frota nacional fixada no país”, diz a Abac.

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Atualmente, a Lei 9.432/97 impõe um lastro para afretar a casco nu. Esse lastro é ter 50% da tonelagem de embarcações próprias, o que garante que as empresas operem parcialmente com frota nacional. Segundo a Abac, é a existência desse lastro que desenvolve a indústria naval local e atrai investimentos para o país.

Outra crítica é que o projeto possibilita a importação "gratuita" de navios que venham a operar no transporte. Ou seja, as empresas que importarem as embarcações não pagarão nenhum dos impostos previstos em lei, como II, IPI, PIS-Pasep/Importação, Cofins-Importação e Cide-Combustíveis.

“Por que não faz o mesmo para os estaleiros brasileiros? Isso estimula a construção naval no exterior e julga que nossos estaleiros não são aptos para construção no país. É um desestímulo à indústria local”, explicou André Seixas, presidente da Logística Brasil, em entrevista à Gazeta do Povo.

O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) avalia que o BR do Mar parte do princípio que o número de navios disponíveis para transporte de carga e a necessidade de construção deles no Brasil são os culpados pela baixa participação da cabotagem entre os modais de transporte. Esse princípio, diz o sindicato, está equivocado.

O Sinaval considera que os principais fatores que fazem com que a cabotagem não se desenvolva no país estão o excesso de burocracia nos portos para transporte de carga, os custos portuários, a obrigatoriedade de serviços de praticagem (pilotos específicos para cada porto) e o alto preço do bunker (combustível usado nos navios). Esses pontos não foram atacados no texto.

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Outro lado

A Gazeta do Povo procurou o Ministério da Infraestrutura para comentar as críticas feitas ao projeto e só obteve retorno após a publicação da matéria. Em nota, a pasta afirma que o projeto conta com apoio formal da maior parte das entidades setoriais e classifica como "críticas isoladas" as posições da Logística Brasil, Abac e Sinaval.

"Vale informar que a origem do projeto está em um extenso trabalho técnico iniciado em fevereiro de 2019 e que contou com um diálogo permanente entre setores interessados. Hoje, o projeto conta com o apoio formal de entidades relevantes para o setor e para economia brasileira, como a Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), o Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindmar), a Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária (Fenavega), o Sindicato das Empresas de Navegação de Tráfego Portuário (Sindiporto), a Federação Nacional das Operações Portuárias (FENOP) e até mesmo a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)", enumera o Ministério da Infraestrutura, informando que o "BR do Mar" está aberto a sugestões e aperfeiçoamentos pelo Congresso.

Texto está travado na Câmara

O projeto chegou a ser incluído na pauta do plenário de 29 de setembro, mas não foi apreciado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda nem escolheu o relator. O relator é obrigatório, pois é ele quem apresenta o parecer sobre o projeto, acolhendo ou não sugestões dos demais parlamentares. É esse parecer que vai à votação em plenário.

Como o projeto tramita em regime de urgência, ele passa a trancar a pauta da Casa. Contudo, o plenário ainda pode votar projetos de outro tipo, como medida provisórias e propostas de emenda à Constituição. Somente projetos de lei não podem ser apreciados enquanto o Congresso não votar o BR do Mar. E, de todo modo, a próxima sessão de votações da Câmara está marcada apenas para 20 de outubro.

Os deputados Fausto Pinato e Ricardo Izar, ambos do PP-SP, solicitaram formalmente que o governo retire o pedido de urgência. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, chegou a sinalizar que atenderia o pedido, mas voltou atrás. O projeto é considerado prioritário pelo governo para destravar investimentos privados e aumentar a participação da cabotagem no moda de transportes brasileiro, hoje muito restrito às rodovias.

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