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Apelidado de “BR do Mar”, o projeto que incentiva a navegação de cabotagem dividiu caminhoneiros e motivou o governo a romper com algumas lideranças da categoria. Consultados pela Gazeta do Povo, motoristas contrários à proposta veem prejuízos aos que fazem viagens mais longas. De outro lado, os favoráveis acreditam que o projeto pode até render fretes melhores e mais bem remunerados.
As novas regras para a cabotagem foram propostas pelo governo e já foram aprovadas pela Câmara. Para entrar em vigor, elas ainda precisam do aval do Senado e da sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro, que recebeu grande apoio de caminhoneiros na eleição.
O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, que é conhecido como Chorão e foi um dos articuladores da greve de maio de 2018, não se diz totalmente contrário à BR do Mar, mas defende que a proposta estabeleça "travas" para proteger os autônomos.
Chorão entende que, da forma como está, o projeto prejudica a categoria. Pelas contas dele, o projeto reduzirá em até 40% o volume de viagens de longa distância feitas pelos caminhoneiros. Ele acrescenta que o texto traz incentivos tributários às empresas que atuam na cabotagem, mas não oferece o mesmo aos caminhoneiros.
“A cabotagem não dá certo se não tiver o caminhão indo de porta a porta. O próprio ministro Tarcísio [da Infraestrutura] reforça meu ponto de vista. O navio, como ele já falou, até de forma meio irônica, ‘não sai da água para buscar a carga’. Então, ele precisa do caminhão para retirar, fazer a coleta da mercadoria”, diz.
Sem tratamentos tributários igualitários para os condutores, Chorão teme pelo pior. “A cabotagem não dá certo se for porta a porta e se passar da forma como está. A categoria vai ser extinta”, acrescenta. Ele cita que há um grupo empresarial que comprará 1.350 caminhões, dos quais boa parte deve atuar no segmento portuário.
Para Chorão, o texto privilegiará grandes empresas em detrimento dos autônomos. “Esses caras aí [empresas] vão comprar frota, já tem um monte. Acham que [os portos] vão contratar o autônomo ou uma grande transportadora?”, questiona.
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Críticas ao governo por abrir a cabotagem para empresas estrangeiras
A maior preocupação de Chorão é não deixar os armadores – responsáveis por executar toda a operação e transporte de cargas de um porto a outro – fazerem a contratação direta. “Os caras têm incentivo tributário, isenção tributária. Sabemos que, hoje, só tem três ou quatro empresas que não são estrangeiras que tomam conta já da navegação”, protesta.
Também contrário ao texto, o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de São José dos Pinhais (PR) e também do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), Plínio Dias, reclama do pedido de urgência do governo federal para a tramitação da BR do Mar na Câmara e de suposta falta de comprometimento do Ministério da Infraestrutura com a categoria.
“O ministro Tarcísio nos prometeu retirar a urgência, para falar sobre sua situação. Não cumpriu com sua palavra e [o projeto] foi aprovado pelos deputados, está no Senado, e espero que o Senado abra os olhos e arquive isso, porque isso não cheira bem para nós”, acusa Dias em vídeo que circula em grupos de WhatsApp da categoria.
Chorão diz que, agora, os esforços serão concentrados para barrar o projeto no Senado. "Já peguei o nome de quem cuida disso no Senado para a gente poder discutir e proteger a categoria", afirma.
Favoráveis dizem que BR do Mar vai estimular viagens mais curtas e rentáveis
O caminhoneiro Aldacir Cadore, um dos líderes que mantém diálogo com o governo, rebate a acusação feita por Chorão de que vai prejudicar o caminhoneiro autônomo ao reduzir em 40% o volume de viagens de longa distância. Para ele, o projeto levará a um efeito positivo, de estimular as viagens mais curtas que, segundo ele, são mais rentáveis.
“Vai abrir mais frete, só vai substituir aquele frete mais longo, que não traz benefício nenhum, por fretes mais curtos”, destaca. "Na prática, vamos trocar um frete mais longo por um mais curto e mais rentável", diz.
O caminhoneiro autônomo Janderson Maçaneiro, mais conhecido como Patrola, endossa a argumentação de Cadore. "Hoje, um frete de até 100 quilômetros custa R$ 10 por quilômetro rodado. Um de 200 quilômetros sai a R$ 8. Acima de mil quilômetros, sai a R$ 3,90. Onde é que somos mais bem pagos? No curto”, destaca. Segundo Patrola, apenas 0,3% da categoria trabalha diretamente com a cabotagem e seria impactada pela BR do Mar.
“Isso é nada do transporte rodoviário. Essa semana o Chorão, que é meu amigo, já passei a noite na casa dele, falou que a cabotagem vai acabar com o transporte [rodoviário]. Olha, como que a cabotagem vai acabar com o transporte a grande distância em um país continental como o Brasil, se a carga cabotada não pode estar a mais de 150 quilômetros do porto, que é a faixa litorânea que vale a pena botar na cabotagem?”, questiona Patrola, que atua no segmento portuário de Itajaí (SC).
O caminhoneiro entende que os modais rodoviário e aquaviário se complementam e torce para que venham mais propostas semelhantes. "Tem que ter a BR do Rio, que é o transporte por barcaças, a BR do Ar, pelo transporte aéreo", diz. É possível, no entendimento dele, sonhar com um sistema de transporte de cargas como o dos Estados Unidos. "Lá, a cabotagem e o trem são os mais avançados do mundo e é onde o caminhoneiro é mais respeitado. Quem dirige caminhão lá é o brasileiro, o colombiano. Os americanos não querem mais passar 15, 20 dias na cabine", diz.
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BR do Mar poderia ser até mais liberal, defende um dos líderes da greve de 2015
Fundador do Comando Nacional do Transporte (CNT), um grupo caminhoneiro, Ivar Schmidt, que liderou a greve dos caminhoneiros de 2015, enaltece o projeto da BR do Mar. Para ele, em uma economia de mercado deve prevalecer sempre o benefício ao consumidor.
“No mundo liberal, não podemos ter tabela mínima de frete. Não podemos conceder reserva de mercado. Ser contra a BR do Mar é ser contra, por exemplo, quando saímos do disco de vinil para o CD. Temos que evoluir. Algumas lideranças querem ser beneficiadas em detrimento da população”, critica Schmidt.
A BR do Mar, defendem as lideranças favoráveis, vai abrir o mercado de cabotagem e ampliar a concorrência. O que, no entendimento de Schmidt, pode baratear os preços na ponta final. Na prática, trocando fretes mais longos por mais curtos, a proposta até ajuda a regular indiretamente a jornada de trabalho defendida por ele.
Para o caminhoneiro, o projeto aprovado na Câmara é até “pouco liberal”. “O projeto é inteligente, mas não totalmente liberal, porque ainda impõe muitas regras. Deveria ser livre para quem quisesse navegar em nossa costa. Pagou imposto, pode navegar. Mas o projeto impõe uma série de restrições, de aluguel a tempo, aluguel a casco, tem que ter não sei o que de percentual brasileiro”, diz.