O real acumula uma valorização de 10% frente ao dólar desde o início do ano, e a taxa de câmbio chegou perto de R$ 5 nos últimos dias. A B3, a bolsa brasileira, também está em bom momento. O Ibovespa, seu principal indicador, avançou cerca de 11% desde o início do ano. Tudo isso em meio à alta na inflação; a fortes tensões geopolíticas, com a invasão da Ucrânia pela Rússia; e à proximidade de uma eleição presidencial que se mostra muito polarizada.
“Esse cenário foge do racional normal para o Brasil”, diz Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos. Do início do ano até 25 de fevereiro, o movimento de câmbio contratado – ou seja, a diferença entre o que entra e o que sai – foi de US$ 7,83 bilhões, 27,7% a mais do registrado em todo 2021.
Outro termômetro da entrada de recursos no Brasil é dado pela Bolsa. Segundo a XP Investimentos, em 2022 já entraram R$ 62 bilhões de fluxo de investidores estrangeiros, três quintos do que foi registrado em todo o ano passado.
Segundo Franchini, o Brasil é favorecido por uma combinação de ativos baratos e juros altos. E está sendo beneficiado com a saída da Rússia, que era um player muito importante no mercado dos países emergentes, por ser a 11.ª maior economia global.
A Rússia foi retirada principal índice de ativos de mercados emergentes do mundo, o EMBI Emerging Markets. Isto representa US$ 5,9 bilhões em investimentos passivos e US$ 21,2 bilhões de gestores ativos, aponta relatório do Itaú BBA.
A expectativa dos economistas da instituição financeira é de que, como o peso da Rússia será redistribuído entre outros participantes do índice, esses recursos acabarão indo para outros países. Desse montante, US$ 1,34 bilhão pode vir para o Brasil, estima o banco.
As agências de classificação de risco Moody’s e Fitch também rebaixaram o rating de crédito soberano da Rússia para a pior classificação. Elas citam o custo econômico infligindo pelas sanções econômico-financeiras que ampliaram as dúvidas da capacidade do país euroasiático em honrar seus compromissos.
Mercado concentrado em commodities favorece o Brasil
Neste cenário, segundo a gestora Infinity Asset, o Brasil pode ser ainda mais beneficiado por causa das características de seu mercado acionário. Quase 40% do índice Ibovespa é formado por ações de empresas ligadas a commodities e energia. E 10%, do setor financeiro.
“Estes ativos são usados como forma de proteção”, afirma Luiz Adriano Martínez, gerente de portfólio da Kilima Asset.
Em relatório distribuído a clientes na quinta-feira (3), a Infinity aponta que a importância das commodities e do setor energético, a elevada taxa de juros e um real ainda desvalorizado diante da moeda americana podem “converter o Brasil em um alvo preferencial dos investidores estrangeiros, independente das adversidades políticas locais”.
Outro aspecto que também favorece o Brasil são as características do mercado russo, que também é baseado em commodities. Assim, o investidor que está tirando dinheiro da Rússia pode ser estimulado a trazer os recursos para cá. “Elas são usadas como ativos de proteção em momentos de estresse”, explica Franchini.
Como os preços das commodities passam por uma nova rodada de altas em razão da guerra na Ucrânia, as ações de empresas que vendem essas mercadorias têm potencial de valorização. A forte alta dos preços de matérias-primas em 2021 rendeu os maiores lucros da história para Petrobras e a Vale, duas das mais importantes empresas listadas na B3.
Alta de juros nos EUA pode afetar fluxo para Brasil e outros emergentes
O sócio da Monte Bravo Investimentos acredita que este fluxo positivo para os países emergentes tem hora marcada para perder força: quando taxa básica de juros dos Estados Unidos começar a subir.
A próxima reunião do FOMC (o equivalente ao Copom brasileiro) está marcada para os dias 15 e 16. A expectativa é de que o juro básico americano, atualmente zerado, suba para 0,25% ao ano.
“Com isso, os fluxos de entrada para países emergentes vão diminuir. Bolsas de primeira linha tendem a ficar mais atrativas”, afirma. Ele aponta, também, que questões internas – como o processo eleitoral – devem ganhar mais força no mercado brasileiro, favorecendo o aumento da volatilidade no curto prazo.
Mundo vai conviver por mais tempo com inflação elevada
O que é certo, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, é que o mundo terá de conviver mais tempo com a inflação. E, em alguns casos, com estagflação, que é o aumento de preços com uma economia estagnada.
Martínez lembra que Rússia e Ucrânia são importantes produtores de milho, trigo, matérias plásticas e fertilizantes. Os russos também são o terceiro maior produtor de petróleo e o segundo de gás natural. “Isto, por si só, acrescenta mais lenha à fogueira”, diz.
A Infinity Asset avalia que dificilmente os eventos de curto prazo definirão uma explosão de apertos monetários pelo mundo, especialmente nos locais que adotaram uma política monetária mais frouxa, como o bloco europeu e mesmo os Estados Unidos, que já sinalizaram cautela nos próximos avanços.
“O que fica mais certo é que muitos dos apertos monetários que eram constantemente adiados por bancos centrais agora deverão ser cumpridos, o que pode ocorrer na velocidade previamente programada, ou seja, sem atropelos, e nosso Banco Central pode manter o ritmo esperado recentemente”, aponta relatório.
No caso do Brasil, Franchini aponta que este ano será mais um em que o Banco Central não conseguirá cumprir a meta de inflação, que é de 3,5% com tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos. “Vamos ter pressões de commodities, de natureza logística, de fretes.”
Extensão do conflito pode complicar situação para os emergentes
Outro fator que pode complicar a vida dos países emergentes é a extensão e a intensidade do conflito, em especial se não houver uma saída organizada ou ainda no caso de uma escalada em nível militar global.
Relatório de analistas da XP Investimentos aponta que, se a tensão no Leste Europeu continuar aumentando, é possível esperar efeitos significativos sobre a oferta global de energia e metais. “Os preços das commodities podem seguir com flutuações violentas.”
Martínez, da Kilima Asset, aponta que, neste cenário, os países emergentes poderiam enfrentar mais problemas, como uma aversão muito grande ao risco.
Um fator decisivo, segundo os estrategistas Alberto Bernal e Andrés Pardo, da XP, seria a tomada de Kiev e a derrubada do governo ucraniano, que foi democraticamente eleito.
“A economia mundial entraria em um quadro de estagflação bastante desafiador. Este cenário poderia levar a forte aversão ao risco, com impactos relevantes sobre ativos mais arriscados. Nesse cenário, as taxas de câmbio na América Latina seriam afetadas negativamente por meio de prêmios de risco mais elevados, e o canal de preços de commodities deixaria de ser o principal impulsionador das moedas na região”, avaliam Bernal e Pardo.
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