No início de abril, o ex-ministro da Fazenda e atual secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, causou polêmica ao defender que o Banco Central "imprima dinheiro" para lidar com a crise causada pelo novo coronavírus. De acordo com Meirelles, que foi presidente do BC entre 2003 e 2011, o contexto da crise afasta "qualquer risco de inflação" em uma operação como essa, já que há menos dinheiro circulando.
"O BC tem grande espaço de expandir a base monetária, ou seja, imprimir dinheiro, na linguagem mais popular, e com isso recompor a economia", disse Meirelles em entrevista à BBC Brasil.
Muitos interpretaram a fala como uma defesa de Meirelles ao chamado "helicóptero de dinheiro" – isto é, a emissão e distribuição de moeda à população sem qualquer contrapartida. Após a repercussão, o ex-ministro se explicou melhor em outra entrevista, desta vez concedida à Rádio Jovem Pan.
"Quando eu disse 'imprimir dinheiro', eu usei uma figura de retórica. (...) Estava falando de uma expansão dos meios de pagamento, com injeção de liquidez na economia pelas vias normais usadas pelo BC", explicou (veja mais abaixo).
O atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, porém, afirmou que não vê a ideia com bons olhos. "Eu acho que o argumento de imprimir dinheiro porque a inflação está relativamente baixa é perigoso. (...) Eu acho que a saída não é por aí. É uma ideia, e estamos sempre dispostos às ideias, mas hoje nós não entendemos que é a melhor saída, não", afirmou Campos Neto ao portal Uol.
Especialistas destacam que "imprimir dinheiro" é medida excepcional
Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, por outro lado, consideram que é provável que o BC tenha, sim, que expandir a base monetária no país, nos moldes do que defendeu Meirelles, para evitar uma "quebradeira geral" em meio à crise.
Marcelo Curado, professor titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), opina que, agora, é necessário dar liquidez à economia – e, por isso, diz que apoia que o BC compre títulos privados e até públicos para consolidar essa operação.
"Mas acho que temos que separar o que é excepcional e o que vai ser depois da crise. Temos que ter um regime fiscal que separe totalmente o BC das operações com empresas privadas e com o Tesouro. Só que nesse momento específico, que é praticamente uma situação de guerra, é necessário fazer isso ou as empresas vão quebrar. O mundo inteiro vai fazer, não tem opção", diz o professor.
Rodolfo Cabral, economista da 4E Consultoria, diz que, em um momento de crise como esse, é positivo que o BC tenha ampliada a sua capacidade de prover liquidez à economia. "Devemos ter em mente a enorme necessidade de disponibilização de recursos para as empresas no atual momento. As medidas que o governo tem tomado caminham nessa direção, mas a resposta ainda tem sido muito lenta", afirma.
Ele ressalta, no entanto, que uma ação desse tipo do BC deve vir acompanhada de planejamento. "Saber exatamente como será feita [a expansão da atuação do BC] e a sua magnitude são essenciais para que ela seja bem sucedida", completa.
Países emergentes precisam ter cautela ao tomar medidas extremas como essa
Entre os especialistas, no entanto, também há aqueles que defendam mais cautela na implementação de medidas drásticas, que fazem a expansão monetária de forma mais agressiva. Karlo Marques Júnior, professor de Economia na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), lembra que é preciso pensar nos custos de uma ação desse tipo.
"Tudo ainda é muito novo e não sabemos exatamente quais serão os efeitos. Essa expansão tem que ser feita aos poucos, e é fundamental manter o compromisso com o equilíbrio fiscal depois da crise. Não podemos esquecer que a inflação dos anos 1980 nasceu da necessidade de o governo financiar a dívida pública com a emissão de moeda", diz.
Em vídeo publicado em seu canal no YouTube, a economista Monica de Bolle ressalta que, no caso brasileiro e de qualquer outro país emergente, simplesmente "imprimir dinheiro", sem nenhuma contrapartida, é mais complicado do ponto de vista da estabilidade monetária. Isso porque o real não é a moeda de reserva internacional (utilizada em transações comerciais no mundo todo) e, além disso, a economia brasileira não é vista com tanta confiança pelos investidores.
Assim, simplesmente colocar mais moeda para circular na economia, somente "rodando a maquininha", como explica a economista, poderia, sim, gerar um aumento da inflação, mesmo que somente no futuro.
Como o BC pode injetar mais dinheiro na economia
As regras para a atuação do BC brasileiro já permitem que a instituição atue de forma a expandir a base monetária para além de simplesmente emitir mais moeda. Dois instrumentos desse tipo, inclusive, já foram utilizados pelo BC diante da crise do novo coronavírus: a diminuição da taxa básica de juros, a Selic (hoje em 3,75%, o menor patamar histórico); e a redução dos compulsórios para os bancos – o que, em tese, libera mais dinheiro para a concessão de crédito.
As duas medidas, entretanto, têm se mostrado insuficientes para dar mais liquidez à atividade econômica no país. Conforme mostrou reportagem da Gazeta do Povo, o aumento do risco das operações e as incertezas envolvendo a pandemia têm provocado uma elevação dos juros pelas instituições financeiras, o que dificulta a chegada do crédito a quem precisa.
A proposta de emenda à Constituição 10, do chamado "Orçamento de Guerra", prevê o aumento no arsenal do BC no que diz respeito à expansão da base monetária. O texto prevê que a instituição possa comprar títulos públicos e privados no mercado secundário durante a crise – medida já praticada por autoridades monetárias no mundo todo, mas que hoje é proibida no Brasil. Na prática, trata-se de uma maneira de "imprimir dinheiro", conforme defendeu o ex-ministro Henrique Meirelles.
A matéria, que já passou pela Câmara dos Deputados, ainda aguarda apreciação no Senado. Se aprovada, precisa da sanção presidencial para começar a valer.
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