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Brasil é apenas um espectador no avanço dos biocombustíveis para aviões

Jato comercial sendo abastecido. Nos Estados Unidos, a United Airlines, abastece diariamente suas aeronaves com combustível renovável no aeroporto de Los Angeles. | Bigstock/
Jato comercial sendo abastecido. Nos Estados Unidos, a United Airlines, abastece diariamente suas aeronaves com combustível renovável no aeroporto de Los Angeles. (Foto: Bigstock/)

O uso de combustíveis sustentáveis na aviação comercial brasileira está longe de se tornar realidade. Nem mesmo voos experimentais realizados pelas principais companhias aéreas locais nos últimos anos foram suficientes para tirar o país de uma posição de espectador. Enquanto aeronaves de empresas da Europa e dos Estados Unidos já voam movidas parcialmente por bioquerosene, o Brasil aguarda os movimentos da indústria, das organizações internacionais que regulam o setor e das produtoras de combustíveis para tomar uma atitude.

O primeiro teste com bioquerosene no país ocorreu em 2010 em um voo da TAM, hoje Latam. Azul e Gol também realizaram experimentos com combustíveis sustentáveis. A Gol, de forma mais sistemática, fez mais de 300 voos durante a Copa do Mundo de 2014 com uma mistura de 4% de querosene produzido com óleo de milho junto ao combustível convencional. De lá para cá, entretanto, a questão não evoluiu.

O principal empecilho apontado pelo setor é o preço. Hoje, o querosene de aviação responde por 28,8% dos custos das companhias, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). E abastecer os tanques das aeronaves com biocombustível atualmente significaria inchar essa conta. A questão é que não há produção nem fornecimento contínuos do querosene sustentável no Brasil, por isso o preço mais alto.

“O problema hoje é mercadológico. O custo do bioquerosene final não é competitivo em relação ao fóssil. A tecnologia evoluiu muito, mas a diferença de preço estimamos em cerca de 20%, e isso chegava a 200% há alguns anos”, explica o diretor de Biocombustíveis para a Aviação da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Pedro Scorza.

Uma opção seria obrigar as companhias aéreas a abastecerem suas aeronaves com bioquerosene, nem que fosse uma pequena porcentagem, assim como ocorre na Noruega e está em discussão na Suécia. No entanto, essa alternativa é rechaçada pelo setor.

“As companhias aéreas são muito sensíveis ao custo. Qualquer variação de preço pode impactar os resultados das empresas e por isso não vão aceitar um custo diferente do combustível fóssil”, comenta Scorza. 

“O mandato de mistura na aviação não é bem visto. O próprio custo do bioquerosene devido à pequena escala e custo alto de produção, uma obrigação de uso poderia impactar o custo da operação da companhia aérea”, complementa o coordenador-geral de Biodiesel e Outros Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Ricardo Borges Gomide.

Metas internacionais exigem redução de emissões de CO2 a partir de 2027

A indústria da aviação é responsável por 2% das emissões de dióxido de carbono (CO2) no mundo e a tendência é aumentar de acordo com a intensificação do tráfego aéreo. Para tentar frear esse avanço, a Organização da Aviação Civil Internacional (Icao, na sigla em inglês) definiu em 2016 metas de redução de emissões de gás carbônico para o setor.

O “Esquema de Redução e Compensação de Emissões da Aviação Internacional”, batizado de Corsia, na sigla em inglês, prevê uma redução de emissões anual de 2% até 2050, com obrigações às companhias aéreas em voos internacionais. O programa tem três fases, sendo as duas primeiras de adesão voluntária, entre 2021 e 2026. A partir de 2027 tornam-se mandatórias. Até julho do ano passado, 72 países haviam se comprometido a participar voluntariamente. O Brasil, por enquanto, não aderiu ao acordo e deve participar apenas a partir da fase obrigatória.

Para atingir as metas, um dos caminhos é fazer a compensação, ou seja, pagar por créditos de carbono. O valor estimado por tonelada de CO2 emitida é de 12 dólares durante o período de adoção voluntária. Isso significaria um custo médio de 4 milhões de dólares por ano para as companhias aéreas brasileira, um impacto financeiro não tão significativo.

O outro caminho seria passar a utilizar o bioquerosene, que é, em média, 80% menos poluente que o querosene convencional, isso já contando toda a logística de produção. Algumas companhias aéreas no mundo optaram por seguir essa linha. Nos Estados Unidos, a United Airlines, abastece diariamente suas aeronaves com combustível renovável no aeroporto de Los Angeles. Na Europa, Lufthansa, KLM, Finnair e SAS também voam sistematicamente com biocombustível nos tanques.

Para que esse também seja a saída brasileira, a professora da UFRN e coordenadora da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos para Aviação (RBQAV), Amanda Gondim, sugere uma participação mais direta do poder público, inclusive com subsídios específicos para o setor. “Eu ainda acho que o poder público tem que dar um incentivo fiscal, seja estadual ou federal, para poder alavancar o bioquerosene”, afirma.

Essa possibilidade, porém, é praticamente descartada pelo governo. “É notório pela situação econômica do país que não temos condições de promover subsídios específicos para o mercado de bioquerosene”, aponta Gomide, do Ministério de Minas e Energia.

Para tentar acelerar esse processo, sem subsídios ou obrigações para as companhias aéreas, o governo lançou em 2017 o RenovaBio, um programa que pretende expandir a produção de combustíveis renováveis no Brasil. O funcionamento se dá por meio de metas anuais de redução dos gases do efeito estufa. Essas metas serão quantificadas pelas CBIOs, que são unidades de Créditos de Descarbonização, e as distribuidoras de combustíveis fósseis deverão adquiri-las para bater os objetivos. Os créditos serão comercializados pelos produtores de biocombustíveis e os títulos serão negociados na Bolsa.

O RenovaBio deve começar a valer a partir do início de 2020, mas não incentiva especificamente nenhum tipo de biocombustível. Vale para o bioquerosene da mesma forma que o etanol ou o biodiesel. Por isso há cautela na análise sobre eficácia do programa para o setor aéreo. “Eu acho o RenovaBio justíssimo, moderno, que pegou o que há de melhor dos modelos europeu e americano. Claro que poderia ser melhor. A questão é existe um mercado formado para biodiesel e etanol, mas não de bioquerosene. Como não há especificação de combustível, as metas não contemplarão esse mercado”, opina Scorza.

Por outro lado, a expectativa do governo é que o querosene sustentável seja mais valorizado dentro do programa e que isso possa servir de incentivo para que produtores apostem nesse tipo de combustível. “O bioquerosene tem forte potencial [dentro do RenovaBio]. Pela forma que é produzido o querosene fóssil, ele pode ter uma nota de certificação bastante elevada e emitir mais CBIOs por litro do que outro biocombustível”, diz Gomide.

Brasil ainda não tem uma cadeia desenvolvida para biocombustíveis de aviação

O bioquerosene nos tanques das aeronaves não depende apenas das companhias aéreas brasileiras. O combustível é o resultado final de uma cadeia que ainda não se desenvolveu plenamente no país, ao contrário do que já ocorre com o biodiesel e o etanol.

O Brasil tem vantagens significativas em relação a países que já estão mais avançados no uso de bioquerosene. Terra não falta ao país. Segundo o pesquisador da Agroicone, especializada em pesquisas ligadas ao setor de agronegócios, Marcelo Moreira, são 170 milhões de hectares de áreas de pastagens e uma pequena fração desse total seria suficiente para suprir 10% de todo o querosene sustentável produzido por aqui. “Temos uma vantagem competitiva. É possível fazer aqui e expandir a produção sem impacto ambiental”, completa.

Além da cana-de-açúcar, principal biomassa utilizada para a produção de combustíveis renováveis no país, há outras culturas que podem ser exploradas, como a soja ou a macaúba. Mesmo assim, ainda é necessário um desenvolvimento em pesquisas para tornar essas biomassas importantes e reais matérias-primas para a produção de bioquerosene.

“Ainda temos poucos pesquisadores em bioquerosene. Estamos tentando incentivar a entrada de novos pesquisadores porque na hora que a coisa começar para valer, vão aparecer os gargalos técnicos”, alerta a coordenadora do RBQAV, Amanda Gondim.

“Os investimentos, principalmente em pesquisa e desenvolvimento, precisam começar de imediato. Uma planta demora pelo menos dois anos para estar funcionando. Se dormir no ponto, não vamos ver acontecer por aqui”, alerta Moreira, da Agroicone.

O alerta serve para que o país não chegue a 2027 precisando importar querosene sustentável para que as companhias aéreas cumpram as metas obrigatórias do Corsia. Seria, nas palavras de Gomide, “o pior cenário”. “Esperamos que até 2027 estejamos produzindo de fato para atender os voos que vão para fora do país para não precisar importar”, acredita Gondim.

A expectativa do mercado de combustíveis é de que a evolução da questão no Brasil ocorra antes disso. Pedro Scorza, da Ubrabio, acredita que em até quatro anos o país terá algo concreto em relação ao tema, e até mesmo em um período mais curto. “Se alguma empresa tiver algum plano de negócio e uma logística bem otimizada, tenhamos talvez algo mais próximo. A fotografia hoje é para quatro anos, mas há outras oportunidades que podem encurtar esse prazo”, projeta.

Há, inclusive, a possibilidade de empresas internacionais se instalarem no país para explorar o mercado de bioquerosene devido ao potencial que do Brasil. Mesmo que seja voltado para a exportação a países comprometidos voluntariamente ao Corsia, poderia abrir espaço para o mercado interno. “Quando as metas chegarem aqui, essas empresas poderão vender o combustível para as companhias aéreas locais”, finaliza Gomide.

O que dizem as companhias aéreas brasileiras sobre o bioquerosene de aviação

A Abear informou que está “trabalhando com outros entes do sistema de aviação civil para aumentar a eficiência, o que se traduz em menos emissões”. Além disso, afirma que é preciso dar “continuidade de medida estruturantes para que não precisemos depender apenas da compensação de créditos quanto tivermos que passar a cumprir as metas do CORSIA em âmbito global, podendo assim contar com o uso de biocombustíveis como alternativa”.

Em comunicado, a Azul disse que “acredita que a adoção de biocombustíveis é a alternativa que trará resultados efetivos à questão de emissão de gases do efeito estufa pela aviação”, mas que “infelizmente, hoje não há escala comercial no mercado para suprir a demanda que surgiria” por querosene de aviação.

A Latam, via assessoria de imprensa, comentou que “apoia iniciativas que buscam viabilizar o uso de combustíveis de menor impacto ambiental no setor aéreo e tem protagonizado diferentes ações sobre o tema nos últimos anos”, e que tem interesse em utilizar biocombustíveis quando os preços e as condições de produção e comercialização forem similares às do combustível de aviação”.

A Gol preferiu não comentar sobre o assunto e a Avianca Brasil não respondeu os questionamentos da reportagem.

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