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Entre discursos, reuniões bilaterais e possíveis acordos comerciais, um ponto da agenda da comitiva americana que acompanhou Barack Obama em sua visita ao país, há poucos dias, chamou atenção. O Secretário de Comércio dos EUA, Gary Locke, se reuniu com a ministra da Cultura, Ana de Hol­landa. O pedido, em forma de "visita de cortesia", partiu do governo americano e tinha como pauta um tema quente para o Ministério no começo de 2011: propriedade intelectual.

A pauta oficial falava em Ano Interamericano da Cultura e a Con­­venção da Unesco para a Di­­versidade. Mas, no pedido da em­­baixada norte-americana fica claro: o secretário de Comércio dos EUA queria falar sobre direitos autorais. E é difícil discutir isso com Ana de Hollanda sem passar pela Reforma da Lei de Direitos Autorais. Marcia Regina Barbosa, a nova responsável pela área no Ministério, participou do encontro e confirmou o tema: "Ele sabe que estamos passando por um processo de reformulação do projeto de lei e mencionou que se coloca à disposição para ajudar".

Quando Gilberto Gil assumiu como ministro, em 2003, o Mi­­nistério da Cultura (MinC) começou a estreitar relações com o Creative Commons e aderiu não só à licença, usada a partir dali nos seus projetos, mas também a uma visão mais flexível sobre o copyright. A partir de 2007, quando o cargo passou para o ex-secretário-executivo Juca Ferreira, o MinC de­­cidiu mexer no vespeiro e propôs a discussão sobre uma revisão na lei brasileira de direitos autorais que, se aprovada, criaria exceções para o uso educacional e legalizaria o remix e cópias privadas e não-comerciais de obras protegidas.

O criador do Creative Com­mons, Lawrence Lessig, chegou a dizer que, se as mudanças fossem adotadas, o Brasil teria a mais mo­­derna legislação do mun­­do nessa área. O texto do projeto, resultado das discussões no período, entrou em consulta pública na internet em 2010 e a versão final foi mandada para a Casa Civil no fim do governo an­­terior. Mas, agora, com a pasta sob o comando de Ana de Hol­lan­­da, ele provavelmente passará por novas mudanças.

Desde o começo do mandato da compositora, o MinC tomou a contramão. Logo em janeiro, a mi­­nistra desvinculou o selo Creati­­ve Commons do conteúdo do site e fez elogios ao Escritório Nacional de Arrecadação (Ecad), criticado pela falta de transparência no re­­passe de direitos autorais de músicas e principal adversário da reforma, que criaria um órgão governamental para fiscalizá-lo. Em entrevistas, apesar de afirmar que ainda não lera o texto, Ana deixou claro que compartilhava os mesmos pontos de vista das entidades que tanto se opuseram a ele.

A equipe que tocava a reforma saiu do Ministério. A Direto­ria de Direitos Intelectuais foi ocupada por Marcia Regina Bar­bosa, que integrou o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) e já escreveu um artigo com o advogado Hidelbrando Pontes, conhecido defensor do copyright e ligado ao Ecad.

"Ganhamos a guerra, pode ter absoluta certeza", garante Ro­­ber­­to Mello, presidente da Asso­ciação Brasileira dos Músicos (Abramus), um opositor da política anterior do Ministério que se diz "bastante satisfeito" com a no­­va gestão. "Po­­de esquecer es­­ses ativistas que es­­tão protestando, eles já eram. O Ministério foi completamente desaparelhado", afirma.

O que ainda se discute é o porquê de uma mudança tão radical em um governo de continuidade. "Tem sido feita muita pressão para que o Brasil adote uma linha mais amigável aos interesses dos EUA e para que siga suas recomendações em relação aos direitos autorais. A escolha de Ana de Hollanda e suas primeiras ações a esse respeito refletem isso", afirma o sociólogo Joe Karaganis, pesquisador do Social Science Research Council que chefiou um estudo de três anos sobre a pirataria em países emergentes.

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