Fábrica da Volkswagen em Puebla, no México: Brasil quer aumentar exigência de conteúdo local para seguir isentando os carros do imposto de importação| Foto: Imelda Medina/Reuters

Opinião

Dilma Rousseff e Cristina Kirchner no jardim de infância

Fernando Jasper, editor-assistente de Economia

Há pelo menos duas interpretações para a decisão da presidente Dilma Rousseff de ameaçar a suspensão do acordo de livre comércio de carros e peças que o Brasil mantém com o México há uma década.

A primeira: o governo brasileiro decidiu "falar grosso" para obrigar os mexicanos a voltar à mesa de negociações. Há anos o Brasil tenta revisar alguns pontos do acordo, mas sempre esbarra na má vontade dos mexicanos. Além disso, o México não mostra disposição em estender o livre comércio a outros setores, antigo desejo dos brasileiros. O parceiro quer facilidades para o setor automotivo, no qual está mais competitivo, mas resiste a abrir seu mercado a outros produtos brasileiros, em especial os do agronegócio.

A segunda interpretação é menos favorável ao governo brasileiro. Ela aponta para uma escalada do protecionismo por parte de um país que nos últimos anos vinha se colocando contra essa prática.

Circula a versão de que o Brasil quer um cancelamento porque o acordo já não lhe é favorável – o próprio ministro do Desenvolvimento disse algo assim. É a triste demonstração de que Dilma Rousseff aprendeu com sua colega argentina, Cristina Kirchner, as piores lições sobre como se relacionar com grandes parceiros comerciais.

A Gazeta do Povo mostrou ontem que, de 2002 a 2008, o Brasil teve saldo positivo no comércio de veículos e componentes com o México, e que a partir de 2009 o sinal se inverteu. Querer acabar com o trato justamente nesse momento é uma infantilidade típica dos últimos governos argentinos, em especial os da família Kirchner, que aparentemente imagina ser possível que todos os países tenham superávits comerciais simultaneamente.

Supor que medidas protecionistas possam resolver os problemas estruturais enfrentados pela indústria brasileira é ignorar a própria história do país. Será nosso governo infantil a esse ponto?

CARREGANDO :)

Déficit comercial

US$ 1,55 bilhão foi o déficit comercial brasileiro com o México em 2011 – alta de 196% em relação a 2010. No entanto, durante a maior parte da década passada o Brasil teve superávit com os mexicanos. Atualmente, carros feitos no México com 30% de conteúdo local vêm para o Brasil sem pagar a taxa de importação de 35% cobrada de veículos vindos da Europa, da Ásia e dos EUA.

Brasil e México começam, na próxima semana, a renegociar o tratado automotivo entre os dois países, que está em vigor desde 2002. A decisão foi selada ontem entre a presidente Dilma Rousseff e seu colega mexicano, Felipe Calderón. "Queremos rever os termos do acordo. Isso vai ser feito em um prazo relativamente curto", disse o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.

Publicidade

Durante a conversa telefônica de ontem, que durou cerca de 15 minutos, Dilma explicou ao colega mexicano os problemas identificados pelo Brasil na atual estrutura do tratado. "Calderón mostrou toda a abertura em rever os termos de negociação do acordo. No momento atual, o acordo, de fato, é desequilibrado contra o Brasil. Ele entendeu as razões que a presidente expôs", afirmou Pimentel – que, ao lado do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, acompanhou a conversa.

A ameaça de romper o tratado automotivo foi a forma encontrada pelo governo brasileiro para pressionar os mexicanos a retomar uma discussão mais ampla. Desde 2009, o Brasil negocia um acordo mais abrangente com o México, que engloba desde comércio até investimentos e compras governamentais. O fraco desempenho das exportações no início deste ano acabou servindo de estopim para que o governo elevasse o tom da discussão.

Sem ruptura

Pimentel negou que o governo estivesse interessado em uma "ruptura" do acordo. "Isso não se coloca. O que existe é uma cláusula de saída, que está prevista no acordo, que pode ser utilizada caso o acordo deixe de ser interessante. O que apontamos como uma possibilidade foi a utilização da cláusula de saída", disse.

A disposição, entretanto, é rever os termos do acordo. "Queremos aumentar o conteúdo regional na produção dos veículos, tanto no México quanto no Brasil, e ampliar o escopo do acordo, de forma que não seja apenas para automóveis de passeio, que inclua caminhões, ônibus, utilitários", explicou Pimentel. "Essas são as linhas gerais; mais que isso não seria oportuno avançar aqui e agora, antes de conversar com os mexicanos", acrescentou. O ministro da Economia mexicano, Bruno Ferrari, e a chanceler Pa­­trícia Espinosa devem viajar para o Brasil na próxima semana para tratar do assunto.

Publicidade

Montadoras nacionais "aceitariam" revisão

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, afirmou ontem que o setor aceitaria negociar uma mudança no acordo automotivo com o México. "Viemos manifestar que achamos o acordo muito importante para o nosso país. Confirmamos a necessidade de manter esse acordo", disse, após reunião de executivos do setor automotivo com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.

Segundo Belini, durante a reunião, a possibilidade de uma revisão do acordo com o México foi tocada, mas ele informou que não havia uma conclusão sobre o tema. "Não entramos em detalhes técnicos. Agora vamos aguardar o governo fazer as suas avaliações e depois vamos conversar novamente", afirmou.

Esses encontros, de acordo com Belini, fazem parte do processo de reavaliação, mas ele enfatizou que os detalhes precisam ser estudados gradativamente. "Hoje existe um desequilíbrio na balança comercial, e é isso que está preocupando o governo", avaliou. Perguntado sobre a possibilidade de incluir também ônibus, caminhões e utilitários no acordo com o México, o presidente da Anfavea disse que já foi vista uma movimentação nesse sentido do lado do México. "Isso poderia ajudar [a balança comercial]", analisou.