Após registrar valor recorde em 2008, o fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o Brasil pode cair até pela metade em 2009, devido aos efeitos da crise financeira internacional.

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Caso essa redução se confirme, o país deixará de receber US$ 22 bilhões em novas fábricas, na compra de empresas e na aquisição de equipamentos e estoques. Nos últimos três meses, já houve o anúncio do cancelamento ou do adiamento de uma série de projetos.

A previsão da redução de 50% foi apresentada pelo boletim Focus mais recente, da primeira semana de fevereiro – uma pesquisa feita pelo Banco Central com investidores financeiros do país – e é reforçada por analistas consultados pelo G1.

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"Uma queda pela metade não seria um desastre porque em outros países o resultado deve ser ainda pior", afirma Fernando Blumenschein. coordenador da FGV Projetos.

"Deve haver uma forte redução não só para o Brasil mas para todos os países. Uma queda pela metade seria um número até interessante", confirma Fernando Sarti, professor da faculdade de economia da Unicamp.

É a mesma visão de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

"Mesmo sendo uma queda grande, ela deve ser menor que a registrada em outros países, como o México, onde o valor deve se aproximar de zero", explica ele. Consultado pela reportagem, o Banco Central disse manter uma previsão mais otimista, na casa de US$ 30 bilhões.

Posição de destaque

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De fato, de acordo com números divulgados pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o Brasil já ocupa uma posição diferenciada no que se refere a investimento estrangeiro.

Em 2008, o investimento no Brasil bateu recorde – US$ 41,7 bilhões , aumento de 20,6% frente a 2007. Entre os dez principais destinos de IED, o do país foi o que teve o maior aumento.

O mais importante é que isso aconteceu no mesmo momento que o fluxo global de IED declinou 21%, ficando em US$ 1,4 trilhão comparado a US$ 1,83 trilhão em 2007. Essa tendência foi ainda mais forte quando se leva em conta os países desenvolvidos, que tiveram rendimentos reduzidos em 32,7%, enquanto o fluxo dos países emergentes subiu 3,6%.

No entanto, para 2009 o quadro deverá ser sombrio para todos. "O impacto negativo da crise econômica e financeira sobre o fluxo de investimentos diretos deve continuar dominante e contribuir para uma queda contínua desses recursos durante o ano de 2009. Os países em desenvolvimento não serão exceção. A queda no investimento será mais generalizada", disse a Unctad.

Problemas à vista

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Segundo os especialistas, o grande desafio trazido pela crise é que, com os problemas do setor bancário, deverá faltar crédito para que empresas e fundos de pensão possam fazer investimentos em outros países.

"Para 2009, a tendência é que novos projetos sejam algo muito pontual. O IED deverá ser extremamente conservador", diz Álvaro Cyrino, professor da Fundação Dom Cabral.

Outro problema que pode complicar a situação é o aumento da tendência protecionista em diversos países, como mostrado pela recente tentativa do Congresso americano de restringir o qacesso de estrangeiros ao seu mercado de aço.

Segundo Cyrino, o protecionismo também funciona na outra mão: "cada vez mais, deverá haver pressão para governos e empresas manterem investimentos e empresas dentro do país para gerar empregos em território nacional, e não em projetos no exterior", raciocina.

Desse modo, no Brasil, a área de energia, especialmente a de biocombustíveis, deve ser uma das mais atingidas.

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"Ela vinha sendo alvo de muitos investidores estrangeiros até 2008", diz Vale, da MB Associados. "Mas, a partir de 2009, deve sofrer uma penalização dupla: além da perda de receita para investimentos causada pela crise, a queda no preço do petróleo diminuiu o interesse no etanol, pelo menos a curto prazo", completa.

Oportunidades

No entanto, mesmo a queda no fluxo de crédito global pode abrir oportunidades de atuação para as empresas brasileiras.

Segundo os analistas, as companhias nacionais estão mais capitalizadas que as estrangeiras, o que oferece chances para a compra de companhias cujo valor está baixo com a queda das maiores bolsas nacionais, principalmente se o BNDES e o Fundo Soberano disponibilizarem os recursos prometidos.

Para Blumenschein, da FGV, isso pode abrir espaço para algumas "tacadas" das empresas brasileiras no mercado mundial.

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"Não necessariamente na compra de fábricas, mas sim de marcas, que é uma forma de aumentar a visibilidade no exterior. Isso pode ser particularmente forte na área de calçados e vestuário e cosméticos. São setores onde a questão da marca é fundamental", explica.

Outra oportunidade para compras pode residir no setor de siderurgia. "Com o acirramento do protecionismo, a compra de empresas em outras países é uma saída que pode ser usada pelas companhias brasileiras para passar por cima dessa barreira", diz ele.

Segundo a Unctad, as políticas públicas terão um papel importante no estabelecimento de condições mais favoráveis para os fluxos de IEDs.

"Reformas estruturais com o objetivo de garantir mais estabilidade no sistema financeiro mundial, estímulos econômicos rápidos e efetivos de governos nacionais, um compromisso renovado em favor de uma atitude aberta em relação a IEDs, a implementação de políticas visando favorecer o investimento e a inovação - especialmente nos campos de meio ambiente, novas fontes de energia e pequenas e médias empresas - são questões-chave", afirma o órgão.

Contraste

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A previsão nada favorável para 2009 é um notável contraste com o quadro de euforia registrado no ano passado.

Em 2008, o IED na economia brasileira somou US$ 43,8 bilhões, segundo o Banco Central. Trata-se do maior valor desde 1947, quando teve início a série histórica do BC. Contra o ano de 2007, quando os investidores estrangeiros trouxeram US$ 33,7 bilhões ao Brasil em investimentos no setor produtivo, o aumento fica próximo de 30%.

Para Blumenschein, houve em 2008 "uma conjunção de fatores macroeconômicos e estruturais. Do lado macro, houve uma grande disponibilidade de capital. Do lado estrutural, influiu o tamanho do mercado da economia brasileira, que está entre as dez maiores do mundo".

"Outro motivo foi a concessão do grau de investimento, em maio. A partir dessa garantia, vários fundos de pensão estrangeiro trouxeram dinheiro para o Brasil", completa Cyrino, da Dom Cabral.

Detalhes incomuns

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Analisando-se os dados do BC sobre a origem do IED que vem para Brasil, uma informação que chama a atenção é o fato de que entre os principais investidores estão países como Luxemburgo, Ilhas Cayman, Bahamas e Bermudas – notórios paraísos fiscais.

"Muitas empresas preferem abrir filiais nesses países como ponto de origem dos investimentos a fim de pagar menos imposto na operação de entrada. Mas, aqui dentro, a tributação é igual para todos", diz Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica).

Outro fator surpreendente nos números é a forte entrada de capital em dezembro - superior a US$ 9 bilhões -, em pleno agravamento da crise financeira no país.

"Eu acho que isso se deve muito mais à repatriação de recursos do que propriamente a investimentos. Ou seja, empresas brasileiras com problemas de caixa por aqui, precisaram de dinheiro e o trouxeram de volta dos paraísos fiscais onde estava anteriormente", analisa Sarti, da Unicamp.

Outro motivo, segundo Blumenschein, é que "as decisões de IED não são feitas olhando para o curto prazo. A decisão e o processo de compras e instalações de empresas não acontecem do dia para a noite, levam anos e anos. Provavelmente, muito do fluxo de IED no final do ano já havia sido decidido antes da piora".

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Segundo ele, isso pode afetar os resultados futuros: "Como os sinais da crise já existiam no exterior desde o começo de 2008, é provável que isso atinja em cheio os investimentos de 2009. E, se a situação não melhorar rápido, pode afetar 2010 também".

De acordo com o BC, em parte a inflação do resultado também se explica por uma operação de venda de participação acionária de uma empresa brasileira e consequente reaplicação de recursos no exterior, de US$ 3,1 bilhões.

O BC não cita nomes, mas a operação possivelmente refere-se à venda, pela CSN, de 40% do capital votante de sua subsidiária Namisa para um consórcio japonês.

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