A recuperação do mundo após a pandemia do novo coronavírus será mais difícil agora do que foi em recessões anteriores — e especialmente para os brasileiros. Nove em cada dez países devem atravessar esta crise melhor do que o Brasil, de acordo com levantamento que cruza previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) com a edição mais recente do Boletim Focus, do Banco Central.
A expectativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desabe este ano e tenha uma recuperação tímida no ano que vem, com o impacto econômico das medidas de isolamento social implementadas para conter a covid-19. No biênio 2020/2021, o PIB deve cair 1,6%.
O levantamento do pesquisador Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), aponta que o Brasil ficará na 171ª posição entre 192 países. Na lista dos sul-americanos, apenas a Venezuela terá um resultado pior e deve ficar em penúltimo lugar. Enquanto isso, a China, onde a epidemia começou, poderá crescer 5,1%.
"O Brasil vive uma crise de saúde e uma crise política ao mesmo tempo, isso não tem paralelo internacional. O otimismo do começo do ano com o país ficou para trás e os principais agentes preveem uma queda forte para a economia nacional este ano", avalia Balassiano.
Ele lembra que as perspectivas do FMI e do Focus estão até otimistas, na comparação com outros agentes internacionais, como o Banco Mundial, que já espera uma queda de 3% para o Brasil neste biênio. "O FMI deve fazer uma nova rodada de previsões no mês que vem e o desempenho esperado para o Brasil deve ser ainda pior."
Brasil começa largando atrás
Um agravante para o baixo desempenho da economia brasileira é que o país já crescia pouco mesmo antes da pandemia. Desde 2017, o Brasil vinha crescendo na casa de 1%, após duas quedas seguidas de mais de 3%. O país estava atrás da maior parte do mundo: para se ter uma ideia, sete em cada dez países cresceram mais do que o Brasil no ano passado, ainda segundo o FMI.
"O Brasil veio de uma recessão forte e não conseguiu sair rápido dela. Entramos na crise atual com desemprego em dois dígitos e quase 70 milhões de vulneráveis", diz Balassiano.
Já sob efeito da pandemia, a desocupação era de 12,6% no trimestre até abril, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Como muita gente não consegue sair de casa para procurar trabalho, estima-se que a taxa seja, na verdade, de 16%, segundo o Itaú Unibanco.
O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), avalia que a crise da covid-19 deve marcar uma geração. "Órgãos como a OCDE (o clube dos países ricos) falam que será a pior crise em cem anos. A forma como a enfrentarmos será lembrada por anos."
Condução oscilante deve afetar recuperação
Na avaliação de economistas, a forma descoordenada como o Brasil vem lidando com a pandemia faz com que as medidas de distanciamento durem mais e sejam menos efetivas do que as soluções encontradas por outros países, o que vai prejudicar a recuperação da economia brasileira.
Eles ressaltam que, embora políticas importantes como a implementação do auxílio emergencial de até R$ 1.200 para desempregados e informais tenham sido acertadas, a falta de organização levou uma multidão de brasileiros de baixa renda a se aglomerar nas agências da Caixa Econômica Federal, prejudicando o isolamento.
Outras medidas, como as linhas de crédito, sobretudo para as empresas médias e menores, não chegaram na ponta. Uma pesquisa da FGV e do Sebrae apontava que, até o mês passado, 38% dos empresários solicitaram crédito. Desses, só 14% receberam e 86% aguardavam ou tiveram o pedido negado.
O balanço é que, na contramão de outros países, o governo federal coleciona uma série de erros. Nos últimos meses, o presidente Jair Bolsonaro chegou a subestimar a gravidade da covid-19 e insistiu no isolamento vertical. O governo alterou o protocolo para a hidroxicloroquina e tentou mexer na divulgação do número de mortes.
O ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros lembra que o mundo inteiro terá o grande desafio de se recuperar após o baque de 2020. "A Alemanha, pela primeira vez na história recente, vai reduzir o imposto sobre o consumo, dar um bônus de US$ 300 para as famílias de baixa renda, socorrer empresas. É o caminho."
Ele avalia que o governo brasileiro precisa fazer um novo pacote fiscal para acelerar a recuperação a partir do ano que vem. "O problema aqui é que o governo é uma bagunça. Mas é preciso acenar com um projeto de reconstrução para depois da quarentena, dar esperança, mostrar à sociedade que algo está sendo planejado."
"Estamos há mais de 90 dias sem sair de casa e a curva está subindo. Na Espanha, foram 45 dias de lockdown total e eles começaram a reabrir em maio. Outros países que reabriram, como Portugal, chegaram a trancar fronteiras", compara José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Ele concorda que os sinais trocados do governo vão atrapalhar a recuperação, mas diz que o país poderá se reerguer, desde que a política econômica não crie obstáculos para a volta da demanda. "Se voltarmos a discutir austeridade fiscal, será outra década perdida. É preciso uma política contracíclica."
Já Marcel Balassiano, do Ibre/FGV, defende que o país volte a fazer reformas, para crescer e gerar empregos sem descuidar das contas públicas. "Agora não há o que fazer, a dívida vai subir. Mas depois, as reformas devem voltar à mesa."
"Marolinha" de 2008 no Brasil agora vai virar ressaca
A crise da covid-19 será pior para os brasileiros também quando se compara com um outro momento recente que abalou a economia mundial: a crise de 2008. Se agora a expectativa é que 90% dos países analisados pelo FMI atravessem o baque melhor do que o Brasil, logo após 2008 eles eram pouco mais de um terço (35%).
Naquela ocasião, o crédito fácil e a disseminação de investimentos "podres" fez estourar a pior crise mundial desde 1929. Um marco foi a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, mas quem mais sofreu foi o trabalhador americano, que empobreceu e viu o mercado imobiliário ruir.
"Em poucos meses, o mercado de ações perdeu quase US$ 10 trilhões. Quando o quarto maior banco de investimentos — depois do Goldman Sachs, do Morgan Stanley e do Merrill Lynch — afundou o crédito evaporou e não havia nada que impedisse seus similares de seguir o mesmo caminho", contou o jornalista Matthew A. Winkler, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 2018, quando a quebra do banco completou dez anos.
Na época, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a crise tomava o mundo como um tsunami, mas seria sentida como uma marolinha no Brasil. O país respondeu com uma política de expansão do crédito e foi beneficiado pelo "boom das commodities". A recessão viria na década seguinte.
O PIB brasileiro ficou estagnado em -0,1% em 2009 e cresceu 7,5% no ano seguinte — uma alta de 3,6% no biênio 2009/2010. Isso é bem acima da queda de 1,3%, esperada para o biênio de 2020 e 2021, na crise atual.
Mar revolto
Marcel Balassiano, do Ibre/FGV, concorda que a crise de 2008 foi amortecida no Brasil pelas commodities, enquanto outros emergentes que dependiam da exportação de manufaturados, como o México, sentiram o baque mais profundamente.
"Agora, a incerteza é maior para todos. Os países que estão reabrindo suas economias, como a China e grande parte da Europa, vão ser um espelho do que vai acontecer no resto do mundo nos próximos meses. Mas tudo ainda é muito incerto e os mercados temem uma segunda onda de contágio."
Para o economista da UnB José Luis Oreiro, o Brasil parece descolado da realidade internacional. "Isso se percebe desde o início da crise atual, quando o ministro (da Economia) Paulo Guedes queria continuar com a discussão de austeridade fiscal, durante um cenário totalmente diferente, de pandemia." Ao comparar com os efeitos da crise de 2008, ele avalia que a crise atual será catastrófica do ponto de vista do agravamento da desigualdade de renda.
Pesquisadora do Peterson Institute, nos Estados Unidos, a economista Monica de Bolle já alertava desde o início da pandemia no Brasil que o país parecia não compreender a gravidade da crise e que as respostas do governo eram lentas e insuficientes.
"Em uma crise tradicional, a gente conhece as políticas econômicas necessárias para combatê-la. Em 2008, a resposta foi dar estímulo monetário e fiscal." Ela lembra que isso serviu para apagar o incêndio na época, mas na crise atual, que tem origem fora da economia, o desafio é muito maior.
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