"O software vai destroçar a maioria dos modelos tradicionais de negócios em 5 a 10 anos". Foi essa certeza, de uma extinção em massa, que a head do programa de inovação da Fundação Getúlio Vargas e primeira brasileira na Nasa Singularity University, Lindália Junqueira Reis, levou para o palco do Innova Summit, conferência que teve sua primeira edição em Brasília.
A lógica, defende ela, está posta: quem não se adequar ao movimento assume riscos, a exemplo do que aconteceu com a Kodak, que ignorou o caminho da inovação e foi atropelada pela concorrência, deixando escapar a chance de ser protagonista da não tão recente disrupção que aposentou as câmeras de filme. A tecnologia rudimentar de meados da década de 1970 (quando apareceram os primeiros equipamentos digitais) se desenvolveu em velocidade exponencial e três décadas mais tarde decretou a obsolescência do analógico.
Com a fábula da supremacia à falência da lendária marca norte-americana (que agora tenta se reinventar), Junqueira acendeu o alerta para a indiferença com relação a tecnologias como machine learning e inteligência artificial, que podem parecer distantes, incipientes, mas que ganham terreno, modificando comportamentos, consumo e o jeito de fazer negócios. "Já está acontecendo", sentencia, "o Airbnb é a maior companhia hoteleira do mundo apesar de ser uma empresa de dados. E no fim das contas qualquer empresa é uma empresa de dados". A melhor interpretação para o cenário, na avaliação de Junqueira, é de que não há alternativa além de se adaptar, o que vale para empresas e para países.
O recado de urgência teve eco com o economista Ricardo Amorim com uma crítica ao fato de o Brasil não mergulhar de cabeça na inovação, perfil que pode botar muito a perder.
No palco da conferência, Amorim traçou um paralelo a partir dos resultados de uma pesquisa realizada no Vale do Silício pela aceleradora Idea Lab ao estudar o segredo do sucesso de 250 das companhias mais valiosas do mundo. "Eles concluíram o seguinte: para o maior número de empresas, 42% delas, [a razão apontada] foi timing. Não adianta só fazer a coisa certa, ela tem que ser feita na hora certa. O recado é que estou convencido de que a hora certa do caso brasileiro é agora”, garantiu.
Um momento sem igual
A explicação para tal certeza, segundo o economista, é a convergência do atual momento da tecnologia com os sinais de retomada da economia brasileira e a perspectiva de um cenário mais favorável a investimentos externos. O primeiro ponto é simples: o mundo passa pela época de maior transformação tecnológica da história, com a geração de riqueza puxada a reboque.
Desde nossa chegada à era da informação, a renda per capita no mundo cresceu mais do que nos 2.000 anos anteriores graças ao avanço tecnológico (em processo que continuará numa ascendente a partir de elementos como internet das coisas, indústria 4.0, realidade virtual, realidade aumentada, drones, veículos autônomos, inteligência artificial, biotecnologia e o que mais surgir pela frente).
O ponto de número 2, o reaquecimento brasileiro, não é garantido e não aparece como percepção geral [que ainda tende mais ao pessimismo], mas para Amorim “se a história ensina alguma coisa, [o crescimento] é o mais provável – que, aliás, foi o que aconteceu todas as vezes nos últimos 120 anos”, avalia, ao relembra que desde Getúlio Vargas o país teve ciclos de recuperação mais expressivos do que o esperado após fases de desaceleração e crise econômica. "O movimento deve se repetir, já temos dez trimestres de recuperação que deve acelerar. Tem bastante onda para surfar pela frente", cravou.
Por fim, o terceiro aspecto citado (a chance de investimentos vindos de fora) pode ser explicado pela dimensão do Brasil como mercado consumidor, o seu perfil no cenário mundial e o câmbio. Localizado no mundo emergente, que tem gerado US$ 3 a cada US$ 4 da riqueza do globo (contra US$ 1 dos países ricos), o Brasil é relacionado por Amorim numa seleta lista de mercados dos quais não se pode abrir mão. “No mundo hoje, país grande, com potencial de crescimento acelerado na minha opinião só tem quatro: China, Índia, Brasil e Indonésia. Isso é para dizer o seguinte: empresa nenhuma com ambição de disputar a liderança global, em nenhum setor, pode se dar ao luxo de não ter presença importante no Brasil. Porque se o gringo resolver que ele não vem para o Brasil, der azar e esse país der certo: “babau”, liderança global”.
Ainda num apêndice sobre investimento, a leitura de cenário é a seguinte: trazer dinheiro para cá está interessante porque, como efeito da atual taxa de câmbio, um investidor estrangeiro compra com 1/3 de desconto se botar recurso no país. A explicação é a combinação do dólar, 30% mais alto em relação à média histórica [dos últimos 40 anos], e o preço das ações, dentro dos patamares médios.
Em linhas gerais, o economista acredita que, apesar da recessão global que se instala, com as incertezas e tensões provocadas pela guerra comercial entre China e Estados Unidos, o Brasil pode acabar beneficiado, uma vez que se existirem investimentos, eles virão para cá.
*A repórter viajou a convite da organização do evento.