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As moedas digitais de banco central (Central Bank Digital Currencies, CBDCs) estão em estudo por 86% dos BCs do mundo, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais (BIS). Apelidado de banco central dos bancos centrais, o BIS aponta que o interesse nas CBDCs cresceu como resposta a evoluções em pagamentos, finanças e na tecnologia, mas também pressionado pelas mudanças causadas pela pandemia da Covid-19. Estão de olho no assunto, entre tantas outras, autoridades monetárias da China, União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e também do Brasil.
O Banco Central estuda o modelo de emissão desde agosto de 2020, quando foi criado um grupo de trabalho específico, e agora anunciou as diretrizes para a criação de uma moeda digital brasileira, com perspectiva de lançamento para os próximos anos – talvez já em 2022, segundo o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.
O novo passo dado pelo BC vem pouco depois de avanços chineses, com a chegada do e-yuan em sua fase de testes, no caminho para a etapa final de implementação.
A criação de um real digital é parte das ações da Agenda BC# de modernização, que tem no Pix seu avanço mais conhecido popularmente e foco em iniciativas que promovam inovação nos meios de pagamento, atendendo as necessidades da transformação digital em curso na economia nacional. A seguir, respondemos alguns pontos principais para entender a novidade.
1. Por que emitir uma moeda digital?
De acordo com o Banco Central, o desenvolvimento de uma moeda digital brasileira deve ter como norte:
- acompanhar o dinamismo da evolução tecnológica da economia nacional;
- aumentar a eficiência do sistema de pagamentos do varejo;
- contribuir para o surgimento de novos modelos de negócio e de outras inovações baseadas nos avanços tecnológicos; e
- favorecer a participação do Brasil nos cenários econômicos regional e global, aumentando a eficiência nas transações transfronteiriças.
O objetivo, portanto, é bastante amplo, com uma alternativa ao papel-moeda e a possibilidade de diversas consequências positivas a partir dela.
Na avaliação de Manuel Alexandre Bueno da Silva, head da CAPCO Digital Lab São Paulo, consultoria global de gestão e tecnologia dedicada ao setor de serviços financeiros, "o real digital complementa a forte e estruturada agenda do Banco Central com relação a inclusão financeira e digital, aumento de segurança e redução de custos".
O conceito, acredita Silva, poderá viabilizar avanços como os pagamentos digitais mesmo sem conexão à internet, eliminando barreiras para a inclusão financeira pelo país mesmo em locais com baixo acesso a rede.
Além disso, uma moeda digital desse tipo, "cercada por um robusto modelo de criptografia, permitirá a diminuição de custos e riscos existentes hoje na circulação do papel moeda", reforça o especialista, ao lembrar que emitir, transportar e guardar dinheiro físico gera gastos ao país.
2. A moeda digital é uma criptomoeda?
Segundo o Banco Central, o real digital não é uma criptomoeda. Segundo Fábio Araújo, da Secretaria Executiva do Banco Central, "é uma nova forma de representação da moeda já emitida pela autoridade monetária nacional, ou seja, faz parte da política monetária do país e conta com a garantia dada por essa política”. A moeda digital será, portanto, uma extensão da nossa moeda física.
A diferença fundamental entre uma CBDC e os criptoativos é o emissor. Como o próprio nome expressa, uma CBDC é dinheiro oficial emitido pelos bancos centrais do mundo que, em vez de ser produzido de modo físico (cédulas ou moedas), ganha formato digital. "Por ter sua emissão centralizada por uma autoridade nacional, é diferente de outras criptomoedas como o bitcoin, que é emitido por entes privados de forma pulverizada", explica o especialista da CAPCO.
Segundo ele, essa centralização, com lastro e aval da autoridade monetária, além de conferir relação direta com a moeda corrente, tende a trazer vantagens em termos de liquidez e transacionamento, fazendo com que ela seja, em tese, mais amplamente aceita.
3. Como vai funcionar o real digital?
Conforme o BC, uma futura moeda digital brasileira deve seguir o modelo que já funciona para a moeda física: com emissão pela autoridade monetária e distribuição intermediada por custodiantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Assim, o formato mantém a necessidade de relacionamento entre cliente e instituições.
Nas suas diretrizes para a futura moeda digital está a previsão de uso em pagamentos de varejo, o que implica que o dinheiro digital deve se tornar parte do cotidiano do brasileiro. Ainda conforme o Banco Central, ele poderá ser utilizado por quaisquer pessoas que usem contas bancárias, contas de pagamento, cartões ou dinheiro vivo.
A previsão é de que esse novo formato seja integrado aos sistemas de pagamentos atuais no que se refere à operações online, permitindo operações como pagamentos em lojas ou transferências de recursos para terceiros. O pagamento offline, por sua vez, ainda enfrenta dificuldades tecnológicas, mas seria análogo aos pagamentos em real físico, diz o BC.
4. Quando a moeda digital chega ao dia a dia do brasileiro?
Até o momento não há cronograma de implantação. Conforme o Banco Central, as discussões sobre o assunto serão, primeiro, aprofundadas, com "análise mais detalhada não apenas de casos de usos que possam se beneficiar da emissão de uma CBDC, como também das tecnologias mais adequadas para sua implementação".
Em ocasiões anteriores, entretanto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apontou 2022 como data para o lançamento.
Apesar das vantagens do digital, os dois modelos devem conviver por bastante tempo no país, acredita Manoel Alexandre Bueno, Head do CAPCO Digital Lab São Paulo.
"Uma mudança grande como essa depende muito também da adesão dos usuários e diversos elos do mercado, assim como estamos vendo com o Pix e o Open Banking. Existirão diversos desafios neste caminho, mas a iniciativa já vai encontrar uma população mais digitalizada na área financeira, o que é um ótimo ponto de partida", avalia.