O brasileiro está chegando ao fim do ano mais otimista. Mas o bolso continua vazio.
Embora a confiança de empresários e consumidores tenha aumentado após a troca de governo, a melhora das expectativas – que costuma ser um bom prenúncio – não se converteu em reação da atividade econômica. Boa parte das empresas não notou crescimento nas encomendas, o desemprego segue em alta e o rendimento dos ocupados ainda perde para a inflação.
Veja também: para empresas, retomada só aparece nas projeções
A retomada do crescimento, que alguns economistas chegaram a esperar para o trimestre encerrado em setembro, está sendo empurrada para o começo de 2017 na maioria das projeções.
“A recessão é tão profunda que a correlação entre as expectativas e a realização delas é muito mais fraca hoje do que foi em ocasiões anteriores”, diz Paulo Picchetti, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Picchetti é responsável por dois indicadores que ilustram a distância entre a confiança das pessoas e a realidade da economia. O indicador antecedente (Iace), que é composto por sondagens de expectativas, juros futuros, preços de ações e outros dados que costumam antecipar tendências, está em alta há oito meses. Mas o coincidente (ICCE), que reflete as condições atuais, ainda não parou de cair.
Para o economista, o andamento da proposta do teto de gastos no Congresso e o pequeno corte na taxa básica de juros começam, timidamente, a pavimentar a retomada do crescimento. Mas há muito chão pela frente. “Não podemos contar com a demanda do resto do mundo nem com incentivos do governo. Só podemos esperar alguma combinação de retomada do consumo e de investimentos, mas ela passa por um corte maior nos juros. E este depende de uma melhora efetiva na questão fiscal.”
Menos emprego e renda
A queda no custo do dinheiro deve ter impacto limitado sobre a economia, ao menos por um tempo. A indústria só voltará a investir após ocupar a capacidade que hoje está ociosa, e se sentir que há demanda. Da parte dos consumidores, só vão se endividar os que estiverem muito seguros.
Nos últimos 12 meses, quase 2,3 milhões de brasileiros perderam o emprego, o que, somado à inflação, provocou uma queda real de 3,8% na massa de rendimentos. Desde o início de 2015, o poder de compra da população encolheu quase 10%, e em 2017 não subirá muito mais que 1%, segundo a consultoria Tendências.
Economistas do mercado acreditam que o desemprego, hoje em 11,8%, vai se manter em alta até meados de 2017. O Itaú, por exemplo, vê um pico de 12,6% em maio, e em seguida um recuo para 12,2% até o fim do ano.
Estoques “desabando”
Embora a demanda esteja retraída, o economista Felipe Salles, do Itaú, acredita que a reação da economia vai começar pela recomposição dos estoques. “Eles estão desabando, o que indica que a produção está abaixo da demanda. Em algum momento, o pessoal terá que voltar a produzir”, diz.
Até que isso ocorra, a coisa deve continuar feia. O Itaú projetava um recuo de 0,5% para o PIB do terceiro trimestre, mas, após os resultados de agosto e setembro, passou a esperar queda próxima de 1%. E a expectativa para o quarto trimestre, de um leve crescimento de 0,2%, está sob revisão.
Humor
Em alta há seis meses, o índice de confiança do consumidor medido pela FGV é o maior desde dezembro de 2014. Entre os empresários, os dados são ambíguos. Após várias altas, o humor da indústria e dos serviços piorou um pouco. Os indicadores de comércio e construção ainda sobem.
Para empresas, retomada só aparece nas projeções
As perspectivas para os negócios estão bem melhores que no início do ano, mas o faturamento só deve reagir em 2017. A avaliação é de dirigentes de empresas paranaenses consultados pela Gazeta do Povo.
“O mercado parou de cair neste segundo semestre e parece pronto para uma retomada. Mas ainda não voltou a crescer”, diz Carlos Humberto de Souza, diretor-superintendente da Risotolândia, que fornece refeições para empresas, escolas e presídios.
O faturamento do setor diminuiu à medida que os clientes corporativos foram demitindo funcionários. No Brasil todo, o número de refeições entregues pelas empresas do ramo baixou de 11,4 milhões por dia em 2015 para 11 milhões neste ano. Para equilibrar as contas, a Risotolândia investiu em novos serviços. Entre eles, a administração de cafeterias dentro das empresas, que ficam abertas ao longo do dia.
Na varejista MM Mercadomóveis, as vendas pararam de cair por volta de agosto, segundo o diretor-executivo, Emílio Glinski. Mas, descontada a inflação, o faturamento ainda está 4% menor que o do ano passado.
Entre o fim de 2015 e o início de 2016, a rede fechou 13 lojas e abriu quatro, em imóveis antes ocupados por concorrentes. “O que nos motiva são os dados sobre a confiança do consumidor e sobre a melhora da qualidade dos cadastros, porque 70% do nosso negócio depende de crédito. Mas ainda não sentimos reação nas vendas, nem mesmo no fluxo de clientes”, conta Glinski.
Segundo o diretor de administração e finanças da Arauco, Rogério Latchuk, as propostas que limitam os gastos do governo dão motivos para otimismo, mas o dia a dia dos negócios continua difícil. O mercado em que a empresa atua – painéis de madeira para a indústria de móveis – encolheu quase 5% neste ano. “O desemprego está elevado e quem continua empregado se retrai, mantém uma postura defensiva. Assim, pouca gente investe em imóveis e, portanto, não há o que mobiliar.”
Para a fabricante de cabos de telecomunicações Furukawa, o mercado doméstico deve reagir até o segundo trimestre de 2017. Em outubro, a operadora Vivo trocou multas de R$ 2,2 bilhões que recebeu da agência reguladora pela promessa de investir R$ 4,9 bilhões em quatro anos. “Dá uma perspectiva boa, mas vai demorar alguns meses até acontecer”, diz Foad Shaikhzadeh, diretor-presidente.
Durante a recessão as empresas ajustaram o quadro de pessoal, adequaram as instalações, qualificaram a mão de obra. Estão prontas para a retomada. Agora a economia tem que crescer.
Carlos Humberto de Souza diretor-superintendente da Risotolândia.
Não podemos contar com a demanda do resto do mundo nem com incentivos do governo. Só podemos esperar alguma combinação de retomada do consumo e de investimentos, mas ela passa por um corte maior nos juros. E este depende de uma melhora efetiva na questão fiscal.
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