O brasileiro Roberto Azevêdo foi escolhido para chefiar a Organização Mundial do Comércio (OMC) por mais quatro anos. O processo foi inédito. Acostumada a polêmicas, foi a primeira vez que a entidade definiu seu chefe com três meses de antecedência.
Azevêdo, eleito pela primeira vez em 2013, era o único candidato. Mas, para ser confirmado, precisaria do apoio de todos os 160 membros da entidade. O governo da Índia, declaradamente irritado com o brasileiro, vinha fazendo críticas à sua gestão. Mas optou por não vetar seu nome. Ainda assim, Nova Délhi passou a vetar os nomes de todos os presidentes de comitês negociadores da OMC, num gesto sem precedentes.
Com a escolha de Azevêdo, os governos esperam tirar esse assunto da agenda da OMC e focar nas negociações para que um pacote seja aprovado durante a reunião ministerial da organização, no final do ano em Buenos Aires. O brasileiro já indicou que apenas 20% do processo negociador está encaminhado e existe o risco de um impasse.
Referência entre os negociadores, Azevêdo ganhou o apoio de países ricos e pobres. Sua eleição se contrasta com o que vinha ocorrendo na entidade nos últimos anos, com processos eleitorais que chegaram a ter nove candidatos . Na crise no final dos anos 1990, quando governos não chegaram a um entendimento sobre quem deveria ser o diretor-geral, o mandato foi dividido em dois.
Se a eleição ocorreu sem surpresas, os próximos anos serão um teste para a sobrevivência da OMC, com Donald Trump desafiando a entidade. Sem citar uma só vez o nome de Trump, Azevêdo insiste que a OMC “é mais importante do que nunca”. “Precisamos trabalhar para defender o sistema. Nosso papel é salvaguardar esse elemento chave da governança global. Temos que garantir que o estado de direito seja mantido e que a estabilidade e segurança nas relações econômicas globais sejam continuadas”, alertou.
Segundo as regras da OMC, os países membros não podem adotar mecanismos para aplicar sanções contra parceiros, sem consultar a entidade ou pedir sua autorização. Mas, pelo novo projeto americano, essa estrutura central do mecanismo criado a partir de 1995 seria minada e caberia ao próprio governo dos EUA estabelecer punições. Segundo o jornal Financial Times, a administração chegou a pedir a especialistas que formulem uma lista de instrumentos que poderiam ser usados para aplicar essas multas, sem passar pela OMC.
A medida foi interpretada como um primeiro sinal concreto de que os americanos estariam se retirando da entidade, mesmo que não em termos legais. Ao mesmo tempo, a Casa Branca indica que vai adotar regras comerciais que, na avaliação
de especialistas, violam as normas da OMC.
A postura americana deixou diplomatas e negociadores preocupados. Durante a campanha presidencial, Trump chegou a dizer que a OMC “é um desastre”, enquanto membros de sua equipe alertaram que a entidade “não funciona”.
Governos afirmam que, desde a eleição de Trump, vêm tentando obter do governo garantias de que os americanos estão “comprometidos” com a OMC. Mas a resposta tem sido “evasiva”.
Para Roberto Azevêdo, é justamente diante das ameaças que as regras internacionais ganham nova importância. “O valor dos acordos globais é evidente”, disse. De acordo com ele, as estruturas de hoje foram criadas como “respostas diretas às lições sangrentas da história”, numa referência à Segunda Guerra Mundial.