Rafaela Pedroso mudou os hábitos de consumo após a crise e criou um grupo para “caça” a promoções| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Depois de anos comprando sempre as mesmas marcas de produtos de limpeza, a empresária e atriz Rafaela Pedroso resolveu testar novas opções. Ela substituiu os tradicionais rótulos de sabão em pó e amaciante por produtos similares mais baratos. Também passou a comprar frutas, verduras e itens de padaria direto do fornecedor. E trocou a empregada doméstica por uma diarista.

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Mesmo sem ter sido atingida diretamente pela recessão, as novas práticas incorporadas por Rafaela no último ano são um efeito da crise. E ela não está sozinha. Pesquisas mostram que, durante períodos turbulentos na economia, famílias criam hábitos mais frugais de consumo. O fenômeno aconteceu nos Estados Unidos após a crise financeira internacional de 2008 e já vem sendo observado no Brasil nos dois últimos anos.

Segundo dados da pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira, realizada pelo Ibope em junho e divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 93% dos brasileiros passaram a pesquisar mais os preços antes de comprar, 80% buscaram lugares de compra mais baratos e 78% trocaram produtos mais caros por similares mais acessíveis.

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O levantamento também mostra que, entre os entrevistados, 78% afirmam estar poupando mais para caso de necessidade e 58% já alteraram seus hábitos de consumo. Por exemplo, 80% dos brasileiros esperam por promoções para comprar bens de maior valor e 68% adiaram a aquisição de itens como carros, móveis, eletrônicos e eletrodomésticos.

Para Tracy Francis, consultora da McKinsey, os novos hábitos de consumo são inéditos no país. “Em 2002 e 2003, apesar do baixo crescimento da economia, o pessoal falava que ia gastar tudo [a renda familiar], que não iria poupar.” Ela destaca que o pagamento de dívidas e a poupança entraram pela primeira vez como prioridades principais para os brasileiros.

Os indicadores que explicam essa transição para hábitos mais frugais de consumo são a alta da inflação e o medo do desemprego, que minaram a confiança dos brasileiros no último ano. Depois de uma década de explosão do consumo, com 35 milhões de pessoas entrando para a classe média, a inflação voltou a casa de dois dígitos em 2015, o desemprego chegou a 11,3% em junho deste ano e a renda total dos brasileiros encolheu quase 5% nos últimos 12 meses.

O efeito dos números aparece no dia a dias dos brasileiros. “Economia virou tema de conversa”, afirma Rafaela Pedroso. Casada e mãe de dois filhos, uma menina de 14 anos e um menino de 6, caçar promoções virou rotina na vida da empresária e de seus conhecidos. O hábito, inclusive, motivou Rafaela a criar um grupo no Facebook dedicado a divulgar promoções em supermercados de Curitiba. Já são mais de mil pessoas colaborando.

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Vai durar?

A grande dúvida é saber se os hábitos mais econômicos de consumo vão permanecer no radar dos brasileiros quando a economia voltar a se recuperar. Segundo a consultora da McKinsey Tracy Francis, nos Estados Unidos o efeito foi duradouro. Após a crise financeira de 2008, os americanos aprenderam a viver sem produtos caros e 18% passaram a comprar marcas com preços mais baixos. No Brasil, o especialista em varejo da Nielsen Felipe Manssur Santarosa acredita que o efeito será menor no pós-crise. “Mas algumas dessas escolhas vão permanecer”, completa. Dados da Nielsen mostram que um em cada quatro brasileiros pretende continuar comprando marcas mais baratas, mesmo após uma recuperação da economia.

Empresas reduzem custos para ganhar competitividade

Se a crise despertou hábitos mais frugais de consumo nos brasileiros, o mesmo efeito aconteceu nas empresas. Estudo da consultoria PwC Brasil mostra que, enquanto algumas organizações estão esperando para ver o que acontece com a economia, outras decidiram tomar algumas medidas.

A racionalização dos custos, a otimização dos investimentos, a renovação do portfólio de produtos e a identificação de propostas de valor que levem os consumidores a voltar a gastar estão entre as ações mencionadas.

A pizzaria Vila Prudente, de Curitiba, é um exemplo. Para reduzir os custos, o proprietário Paulo Liblik colocou lâmpadas LED no interior do imóvel e na fachada. Ele também instalou um forno misto, que funciona ao mesmo tempo a lenha e gás natural.

“O gás é para estabelecer a temperatura ideal e evitar desperdício. Assim coloco só um pouco de lenha para dar aquele defumado na pizza”, explica Liblik. O forno misto permite que o empresário compre menos lenha, trabalhe sem estoque de madeira e diminuía os gastos com frete.

A Ecovia, concessionária que administra a BR-277, reduziu o consumo de energia quase 12% de 2015 para 2016 ao instalar lâmpadas LED. A empresa também passou a fazer o descolamento dos funcionários de forma compartilhada, através do fretamento de ônibus e vans executivas.

Já a Brazil Bonito, também de Curitiba, resolveu economizar nas formas de pagamento oferecidas aos clientes. Segundo Rafaela Pedroso, sócia da marca de moda praia e fitness, o desconto que era oferecido para clientes que compravam à vista foi retirado e a empresa passou a aceitar cheque somente de clientes antigos para se precaver de possíveis calotes.