O brasileiro voltou a acumular milhas no cartão de crédito — e está aproveitando — as cada vez mais. Depois de recuar dois anos seguidos, o estoque de pontos em programas de fidelidade cresceu 13% em 2017 na comparação com o ano anterior, segundo dados divulgados pelo Banco Central. Além disso, a quantidade de pontos expirados caiu 32%, mostrando que o consumidor tem buscado mais maneiras de converter milhas em benefícios.
No ano passado, os pontos de programas de recompensa somaram 209,3 bilhões, ante 184 bilhões em 2016. O avanço chama a atenção por ocorrer mesmo em meio ao dólar caro. Em 2017, a cotação média do dólar foi de R$ 3,19 — inferior à média de 2016, mas ainda elevado. Normalmente, US$ 1 gasto no cartão resulta em uma milha. Assim, quando a moeda americana se valoriza, são gerados menos pontos — o que ajudou a derrubar o estoque acumulado nos últimos anos, depois do auge desse segmento, em 2014.
“Um dos motivos desse crescimento é a estagnação econômica, que elevou muito a procura por programas de fidelidade”, afirma Ronald Domingues, diretor financeiro da Multiplus, parceira da companhia aérea Latam. “As pessoas começaram a pesquisar mais sobre como podiam viajar ou trocar algum eletrodoméstico sem colocar a mão no bolso.”
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Outra razão, aponta ele, é o aumento de cartões das categorias chamadas intermediárias ou premium, segundo mostra o mesmo levantamento do BC. Esses cartões têm mais vantagens e podem pontuar mais que cartões básicos — única categoria que recuou no ano passado. “O cliente vem demandando cartões com mais benefícios e os bancos vêm respondendo, de olho na concorrência do mercado.” Leonel Andrade, presidente da Smiles, parceira da Gol, completa: “Os cartões que geram mais aderência são os que dão mais vantagens em programas aéreos, que têm uma percepção de valor muito grande para os clientes.”
Varejo
Não são só os bancos que estão de olho nesse mercado, ao lançarem cartões em parceria com programas de fidelidade ou diminuírem a quantidade mínima de transferência de pontos do cartão para determinado programa. O varejo não financeiro e os serviços, que até pouco tempo atrás ficavam de escanteio nesse mercado, começam a aparecer mais. Os programas têm realizado mais parcerias com empresas de setores diversos, nas quais o cliente acumula mais pontos. A Smiles, por exemplo, é parceira do Uber e da Localiza. A Multiplus, da rede Ipiranga e do Ponto Frio.
“A participação dos bancos no acúmulo dos pontos era de 80% e agora já é menos de 60%”, informa Domingues, da Multiplus. “Em contrapartida, 30% dos pontos hoje vêm dos nossos parceiros do varejo, sendo que até pouco tempo era nada.”
Se no acúmulo de pontos o varejo cresceu, no resgate continua ofuscado pelas viagens. Segundo dados da Associação Brasileira do Mercado de Fidelização (Abemf) do primeiro trimestre de 2018, 74,4% dos pontos são utilizados na compra de bilhetes aéreos. Os destinos nacionais mais procurados são Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília; entre os internacionais, a preferência é por Orlando, Miami e Santiago. Na Smiles, a busca por voos é ainda maior, chegando a 90%. “O nosso foco sempre vai ser viagem e entretenimento”, diz Andrade.
Com o aumento de estoque, no entanto, uma das principais reclamações dos consumidores, inclusive para órgãos de defesa do consumidor, é a “inflação” das milhas, ou seja, a exigência de mais pontos para determinados trechos. Questionadas, as empresas afirmam que a precificação dinâmica leva em conta oferta e demanda — mais precisamente, se o avião está cheio ou não.
Pontos a expirar
Nem sempre é fácil se desfazer de milhas prestes a expirar. Só em 2017, quase 34 bilhões de pontos foram perdidos. Pelo contrário: essa tarefa pode se transformar em uma verdadeira saga. Transferir as milhas para outra pessoa, vender em sites, resgatar produtos quaisquer para não perdê-las ou esperar expirar para depois reativá-las? A resposta pode variar, mas há um denominador comum: não há como escapar de muita pesquisa.
O advogado David Telles, de 38 anos, já exauriu todas as possibilidades na busca pela mais vantajosa. Usuário assíduo de programas de recompensa, ele se tornou uma espécie de “caçador” de boas oportunidades. De Brasília, onde mora, já foi com milhas a São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza e até para Orlando. “Só este mês, vou fazer duas viagens com milhas”, conta.
Telles, que acumula de 7 a 10 mil pontos por mês, é categórico ao afirmar que transferir os pontos para outra pessoa em um mesmo programa de milhas é, para ele, a pior opção. “Se eu transferir 10 mil milhas, por exemplo, pago perto de R$ 600, R$ 700. Não vale a pena”, diz.
Ronald Domingues, diretor financeiro da Multiplus, explica que a transferência dentro dos programas é cara porque, quando as milhas trocam de dono, estende-se o prazo de expiração. “Quando alguém transfere os pontos na Multiplus, por exemplo, renova a sua validade por mais dois anos”, diz. Ele afirma que a empresa avalia possíveis melhorias nessa área.
A opção preferida de Telles pode parecer um contrassenso: deixar os pontos expirarem para então reativá-los. Para renovar milhas expiradas, o usuário paga um valor — que também não é barato, mas pode compensar em ações promocionais. “Espero uma promoção que me dê 100% de bônus”, diz. Por exemplo: você paga para reativar 10 mil e fica com um total de 20 mil. “Aí vale a pena, pois cada milha sai pela metade do valor.”
Outra opção para quem faz parte de algum clube de milhas é fazer uma conta para a família, que permite somar a pontuação de mais usuários. “Estou fazendo uma para juntar os pontos da minha mãe e da minha esposa”, diz Telles. Mas, o mais importante, afirma, é buscar oportunidades com frequência. “Já fui a São Paulo por 3 mil pontos. O negócio é olhar sempre e ter paciência.”
Compra e venda
Além dos programas tradicionais, há uma espécie de “mercado secundário” que tem crescido - plataformas nas quais se pode vender milhas ou comprar passagens mais baratas. O lote mínimo costuma ser de 10 mil milhas - que vale, em média, de R$ 200 a R$ 300.
As empresas desse setor compram milhas vendidas pelos usuários e usam o estoque acumulado para emitir passagens, cobrando uma taxa. Na MaxMilhas, por exemplo, a comissão vai de 12% a 30%, a depender de fatores, como a companhia aérea.
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”Antes, só juntava milha quem queria viajar. Agora, com a possibilidade de um ganho, mais pessoas passam a acumular”, diz Max Oliveira, fundador da plataforma. Ele afirma que, curiosamente, só 6% dos vendedores do site negociam pontos prestes a expirar. “A maioria acumula já pensando em vender.” O site tem 1,3 milhão de cadastrados.
Os programas de fidelidade reconhecem essas plataformas como um novo player no mercado. “A nossa ressalva é quanto aos dados, porque nem todos os sites são seguros e o usuário tem de compartilhar suas informações”, diz Leonel Andrade, presidente da Smiles.
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