Não é de hoje que a sustentabilidade deixou a categoria de simples palavra da vez para ganhar contornos de hábito de consumo (com movimentações como a "guerra" contra os canudos descartáveis, apenas para citar um vilão, ainda que não tão recente). Em meio a preocupações com a escassez de recursos e os riscos associados à poluição e ao descarte inadequado de resíduos, opções mais “verdes” entraram no radar de clientes e de empreendedores em nome da diminuição dos impactos produzidos pelos atos do cotidiano, entre eles o vestir-se.
Com foco na chamada economia circular, muitos brechós fazem girar a roda do consumo a partir da velha prática de reutilizar produtos que já passaram por outras mãos, mas são estabelecimentos que se repaginaram. Para além do apelo sustentável/consciente, encontraram na experiência de compra um forte aliado para se descolar da imagem empoeirada e bagunçada que vem acompanhada do nome.
“No começo, muita gente que entrava sem saber que era brechó virava as costas e ia embora quando a gente falava sobre o conceito", relembra Danielle Kono, arquiteta e co-fundadora do brechó Agora é meu, que tem loja física (com toda a cara de boutique) em Higienópolis, São Paulo, mas mantém também todo o acervo em e-commerce.
Inaugurado em 2017, o negócio vem crescendo 100% ao ano e promete igualar a marca em 2019, indicativo de que "agora que essa história de sustentabilidade está super na moda a coisa mudou". Para Kono, as boas vendas tem relação direta não só com a onda de preocupação ambiental, mas com o produto oferecido. "A gente lava e passa todas as peças, tem todo um cuidado, e a curadoria é um diferencial", acredita.
Aposta similar é o carro-chefe da Troc, uma plataforma online que nasceu inspirada pelo promissor mercado do second hand fora do país, de acordo com Luanna Toniolo, uma das idealizadoras do brechó virtual. "Os números são impressionantes, há dois unicórnios [startups que tem valor de mercado superior a US$ 1 bilhão] no ramo só nos Estados Unidos. Vimos uma oportunidade de negócio, uma vez que a perspectiva é de que o Brasil acompanhe a tendência de fora, até por uma mudança de cultura", acredita.
"[No país], o brechó sempre foi uma necessidade, hoje é uma oportunidade, é o jogo do ganha-ganha", afirma, ao revelar que muitos consumidores são atraídos pelos preços mais baixos e acabam fidelizados pela lógica de colaborar com "um futuro melhor".
O "verde" é o novo preto
Com dois anos de trajetória e focada em marcas premium, a Troc já vendeu mais de 80 mil peças e mais de 4 mil peças circulam pela plataforma a cada semana, mas o modelo funcionou, segundo Luanna, porque a empresa resolve um problema, especialmente para quem quer se desfazer do que está parado no armário. "Resolve porque a Troc recebe as peças, analisa, seleciona, precifica, anuncia e a pessoa só tem o trabalho de sacar o dinheiro dela no site [quando a venda é feita]", compara a fundadora, "sem ter que fotografar, criar uma lojinha num site, colocar o anúncio, esperar vender, levar no correio".
Por outro lado, quem compra tem a garantia de que as peças passaram por um controle: "gente tem um selo de qualidade porque sabe que não é um mercado fácil, não é cultural nosso comprar roupas ou coisas usadas. Então, de que forma a gente percebeu que ia conquistar o mercado: dando uma boa experiência", ensina Toniolo. O resultado é um índice de 62% de clientes que voltam para uma segunda compra.
O futuro já foi fabricado
Para a criadora da Troc, a ideia pro trás do negócio foi pensar "na moda do futuro, que é trabalhar com as peças que já existem. Já foram fabricadas peças suficientes para os próximos 200 anos, gasta-se dois mil litros de água para fazer uma camiseta de algodão, então porque não apostar no second hand?", provoca.
Uma das mais poluidoras do mundo, a indústria têxtil gasta 108 milhões de toneladas de recursos não renováveis a cada ano e até 2050 deve ser, sozinha, responsável por 25% de toda a emissão mundial de carbono, conforme levantamento da Fundação Ellen MacArthur, baseada no Reino Unido. Atrás de diminuir essa pegada, as compras de segunda mão aparecem como resposta viável para duas pontas.
Uma vez que os impactos da sua produção já aconteceram, prolongar a vida útil das peças reduz a demanda por itens novos (necessariamente acompanhados de novos impactos) e evita aumentar o imenso volume de têxteis que acaba em aterros sanitários ou incineradores, estimado em 12 toneladas ao dia (ou um caminhão por segundo).