Em um leilão realizado no mês passado, com compradores de diferentes regiões do mundo dispostos a desembolsar pequenas fortunas para comprar grãos de café de alta qualidade, o cafeicultor Antonio Rigno de Oliveira, da região da Chapada Diamantina (BA), vendeu parte da sua produção – 18 sacas de 60 quilos – ao preço de R$ 9.717 por saca. O valor é quase 20 vezes a cotação do café tradicional (arábica), cultivado em larga escala no Brasil: R$ 505 a saca. Esse abismo entre os preços reflete o crescente interesse de consumidores por uma bebida mais fina, os chamados cafés especiais (gourmet, certificados e orgânicos) produzidos no país e que começam a ganhar destaque na indústria mundial de café.
Dados da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês) mostram que a produção desses grãos especiais chegou a 5 milhões de sacas em 2015, das quais 80% são destinados à exportação. As vendas ao exterior de cafés especiais representaram 32,7% do total de receitas das vendas externas de café brasileiro, embora, em quantidade, os grãos especiais respondam por 24,8% do volume. Para 2016, a expectativa é que a produção chegue a 6 milhões de sacas.
“Sempre tivemos esse café, mas fizemos diferente da Colômbia, que desde os anos 70 trabalhava com essa questão de promover a qualidade e não a quantidade.”
A diretora-executiva da associação, Vanusia Nogueira, diz que o avanço no segmento é resultado de um esforço iniciado em 2007, quando a BSCA passou a estimular que mais produtores investissem num café de maior qualidade e a divulgar a existência da produção especial a potenciais compradores no exterior. “Um dos resultados é que, agora, os Estados Unidos passaram a ser nosso maior comprador de café especial. Trata-se do mercado em que mais se consome café no mundo”, disse Vanusia, que avalia que em breve o Brasil será mundialmente reconhecido como parte do grupo de países produtores de alta qualidade, como Guatemala, Colômbia, Nicarágua, Quênia e Ruanda. “Alguns compradores externos já nos colocam nesse patamar. Sempre tivemos esse café, mas fizemos diferente da Colômbia, que desde os anos 70 trabalhava com essa questão de promover a qualidade e não a quantidade.”
Com a maior qualidade, a diferença de preço é evidente. O retorno é cerca de 30% superior ao do café tradicional – para lotes especiais, o valor é ainda maior. Além dos EUA, Japão e Alemanha são grandes compradores desse café de qualidade. A BSCA, a Apex e a Alliance for Coffee Excellence promovem uma disputa no país para escolher grãos considerados de altíssimo nível e promovem leilões para esses compradores. No último, do qual participou o produtor da Chapada Diamantina, foram ofertados 22 lotes.
Redes como a americana Starbucks e marcas como Nespresso e a italiana Illy também são consumidoras de parte da produção dos grãos especiais do Brasil. A Ipanema Coffees, uma das principais produtoras de cafés especiais do país, conhece bem essas redes. De 1995 a 2005, a empresa foi a única fornecedora brasileira do grão para a Starbucks. Após o fim do contrato de exclusividade, outros mercados começaram a ser explorados, e, atualmente, entre seus principais clientes estão a Nespresso e a alemã Tchibo. “Temos a produção do café em quatro fazendas em Minas e também fazemos o beneficiamento [etapa anterior à torra]. A comunidade internacional já reconhece a alta qualidade do nosso café”, explicou Murilo Viotto, responsável pela área de marketing da empresa. Atualmente, a Ipanema vende seus grãos para 28 países, que compram cerca de 75% de sua produção – que gira entre 120 mil e 150 mil sacas ao ano.
Consumo interno
A demanda por um café de maior qualidade não é só externa. No mercado interno, o consumo também cresce. Apenas 5% do café consumido no Brasil é dessa categoria especial, mas o avanço é de mais de 10% ao ano, bem acima da expansão de 3% do consumo dos cafés tradicionais. É para atender esse público que produtores e torradores de café buscam os melhores grãos, como é o caso do Coffee Lab, de São Paulo. O estabelecimento reúne, em um só local, uma torrefação, uma cafeteria e uma escola destinada à formação de baristas (profissionais e amadores). “O interesse é crescente e, por isso, triplicamos o tamanho da escola. O interesse é cada vez maior e a busca por uma produção de qualidade também”, afirmou a fundadora da empresa, Isabela Raposeiras, que regularmente visita produtores para garimpar os melhores grãos.
Na avaliação da empresária, embora mais caro que o tradicional, o café de qualidade tem potencial de crescimento em públicos de diferentes poderes aquisitivos. Para garantir a qualidade, Isabela explica que uma das exigências do Coffee Lab para comprar um grão é poder rastreá-lo: saber a variedade exata, ano em que foi plantado e de qual área de plantio é proveniente.
De olho no público disposto a pagar um pouco mais por um café de qualidade, Liana Baggio Ometto criou a Baggio Café, que faz a torrefação e aromatização do produto. Ela vem de uma família tradicional no cultivo do que já foi o principal produto de exportação do Brasil. Seu bisavô, em 1886, já trabalhava com café. “Tem um público que não abre mão de tomar um café de qualidade. Agora, vamos começar a expandir para o restante do país, não só Sudeste, e a exportar mais”, ressaltou, completando que a expectativa é de um faturamento 30% maior, compensando a retração de quase 20% de 2015 (os valores não foram revelados).
Parte do aumento do faturamento virá das exportações, que hoje não chegam a 5% das vendas totais, mas a expectativa é de que alcancem 20%. O Uruguai é um dos destinos dos grãos aromatizados, e a Baggio já conversa com compradores nos EUA.
Além de colher mais café, os produtores estão sentindo menos a queda das commodities – que atingiu em maior proporção as matérias-primas metálicas e o petróleo, mas também o preço de produtos agrícolas. No entanto, devido à valorização do dólar, mesmo para o produtor tradicional não houve queda na receita, já que o preço da saca, em reais, está até um pouco acima do praticado no início de 2015. Segundo o Centro de Estudos Aplicados da Esalq/USP, a saca do café tipo arábica está sendo negociada a R$ 505,16, alta de 8,4% ante o início de 2015. Em dólar, caiu de US$ 176,77 para US$ 138,92, recuo de 21,4%.