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Nem a euforia do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), do Ministério da Economia, nem o cenário desastroso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mercado de trabalho formal provavelmente está em uma espécie de meio-termo entre os dois levantamentos, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
De um lado, o Novo Caged mostra que o emprego com carteira assinada se recuperou plenamente e até já superou os níveis do período pré-pandemia – o que tem sido ressaltado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que compareceu às últimas entrevistas coletivas de divulgação dos dados. Enquanto isso, a Pnad sinaliza situação bem diferente, indicando a destruição de milhões de postos de trabalho formais em pouco mais de um ano.
Segundo o Novo Caged, o número total de empregados formais no país era de 39,625 milhões em fevereiro de 2020. Com a chegada do vírus e a interrupção – a partir de março – de atividades em todo o país, esse estoque caiu por quatro meses consecutivos até atingir 37,982 milhões em junho. Depois, passou a subir quase sem trégua. Em fevereiro deste ano, ao passar de 40 milhões de vagas, superou pela primeira vez o nível pré-pandemia, e ainda avançou por mais dois meses até alcançar a marca de 40,321 milhões em abril – último dado disponível. Nos últimos dez meses, somente em um (dezembro de 2020) o saldo de contratações e demissões ficou negativo.
Enquanto isso, a Pnad Contínua, que trabalha com médias trimestrais, apontava um total de 33,624 milhões de empregados formais com carteira assinada no setor privado no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2020. Esse estoque caiu sem parar por meio ano, até chegar a 29,067 milhões no trimestre encerrado em agosto. Voltou a subir por alguns meses, mas caiu nas últimas quatro divulgações, chegando à média de 29,570 milhões de vagas no relatório mais recente, referente ao primeiro trimestre deste ano.
Assim, a comparação entre o último dado do período pré-pandemia (fevereiro de 2020) e o número mais recente indica:
- a geração acumulada de 696 mil postos formais de trabalho, conforme o Novo Caged (até abril de 2021); e
- o fechamento de 4,054 milhões de vagas com carteira assinada, pela medição da Pnad Contínua (até março de 2021).
A criação de vagas formais apontada pelo Novo Caged nos últimos meses condiz com o crescimento do PIB no primeiro trimestre e as revisões para cima das projeções de avanço econômico no ano todo. Esse alinhamento dos indicadores não ocorreu em 2020, no entanto. No ano passado, o Novo Caged apontou a geração líquida de mais de 140 mil empregos no acumulado de janeiro a dezembro, ao passo que o PIB anual despencou 4,1%, no pior resultado em três décadas.
A Pnad Contínua, por sua vez, caminhou ao lado do PIB no ano passado, apontando o fechamento de 3,8 milhões de vagas formais. Em 2021, porém, os dados do emprego com carteira trazidos pela pesquisa estão na contramão do desempenho da atividade econômica.
“Os dois dados têm potenciais problemas e não conseguimos dar certeza se de fato está ocorrendo [o registrado] ou não”, diz o pesquisador Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Um indicador alternativo do mercado do trabalho, elaborado por economistas do Itaú, mostra que o emprego formal ficou 1% abaixo do nível pré-Covid em março e 0,4% abaixo em abril. Ele também mostra que o desemprego fechou em 14,1% em março, contra 14,7% dos dados oficiais.
Sondagens feitas pela FGV indicam cenário parecido com o do Itaú. Segundo Tobler, elas mostram que o ímpeto de contratações não está tão negativo quanto indica a Pnad, nem tão positivo quanto aponta o Novo Caged.
Problemas metodológicos
Há diferenças metodológicas entre os dois levantamentos. Os dados do Novo Caged são informados pelas empresas, por meio de um sistema onde informam o desligamento ou a admissão do funcionário no mês vigente. É obrigação das companhias informar todas as movimentações.
No caso da Pnad, do IBGE, a coleta de informações é feita por meio de questionários junto às famílias, que reportam se estavam ou não empregadas no período de referência, e em que condições. Com a pandemia, a coleta de dados, que era feita por meio de entrevistas presenciais, passou a ser por telefone, e o número de respondentes diminuiu – o que, na avaliação de alguns especialistas, pode ter prejudicado a qualidade da amostra.
Um dos problemas do Novo Caged, segundo o professor Wilhelm Meiners, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), seria uma subnotificação dos desligamentos, por causa de atraso na prestação de informações por parte das empresas. Esse problema, avalia Meiners, pode ter se acentuado com a pandemia, que fez com que muitas empresas fechassem as portas e deixassem de prestar informações ao sistema oficial de dados.
As bases do antigo Caged (vigente até o fim de 2019) e do Novo Caged (com dados a partir de janeiro de 2020) não são comparáveis, diz ele. O professor aponta que a base atual também inclui trabalhadores temporários e bolsistas, que não era o caso da anterior. Com isso, há avaliações de que o retrato do mercado de trabalho feito pelo Ministério da Economia desde o ano passado não reflete o cenário do emprego formal no setor privado com a mesma precisão de antes.
Para Meiners, um agravante é a falta de um órgão próprio para o estabelecimento de políticas para o mercado de trabalho. O ministério existente para tal fim foi incorporado ao da Economia com a posse do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019.
Um impacto da discrepância nos dados ocorre na formulação de políticas públicas para o emprego. “Não há uma certeza sobre o real quadro do mercado de trabalho. E, além disso, nesta situação atual de pandemia, ficamos sem saber o real efeito dela no mercado de trabalho brasileiro”, diz Tobler.
Os impactos da pandemia no mercado de trabalho
Os momentos de agravamento da pandemia têm efeito no mercado de trabalho. A criação de novas oportunidades de trabalho, embora ainda ocorra, vem diminuindo desde fevereiro, segundo o Novo Caged. O impacto é maior em alguns segmentos de serviços e comércio que dependem de mais circulação de pessoas.
A possibilidade de uma terceira onda de contaminações por Covid-19 e uma nova necessidade de medidas restritivas podem afetar novamente o mercado de trabalho. Meiners, da PUC-PR, afirma que as maiores implicações se dariam no segmento de serviços, mais sujeito ao abre-e-fecha, e que responde por 68,1% do PIB brasileiro.
“A aceleração do programa de vacinação se mostra cada vez mais importante. Enquanto, na balança entre piora da pandemia e efeitos positivos da vacinação, o segundo termo não for mais predominante, ficaremos sempre no risco de impactos no mercado de trabalho”, diz Tobler.
Segundo ele, os programas de apoio ao emprego – como o de redução ou suspensão do contrato de trabalho – se mostraram muito eficientes. “É certo que teve um papel fundamental para atenuar os impactos negativos da pandemia.”
Mas o pesquisador da FGV aponta que a nova rodada do programa de redução ou suspensão do contrato de trabalho foi instituída somente no fim de abril, com atraso em relação ao agravamento da pandemia. Quem mais vem se beneficiando do programa é o setor de serviços, justamente o que mais vem sofre os efeitos da crise: bares e restaurantes, serviços pessoais, atividades turísticas, hotelaria e transporte aéreo.
Mais de 2 milhões de trabalhadores com salário reduzido têm estabilidade provisória
Um dos fatores que pode estar contribuindo para o bom desempenho do mercado formal capturado pelo Novo Caged é a garantia provisória de emprego concedida aos trabalhadores enquadrados no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, instituído no ano passado como ferramenta de combate aos efeitos da pandemia na economia, e reeditado em abril deste ano.
No programa, os trabalhadores com jornada de trabalho e salário reduzido ou contrato suspenso recebiam um complemento de renda pago pelo governo, conhecido como BEm. Além disso, têm direito a estabilidade de emprego por alguns meses.
Neste momento, segundo estimativas do sistema Dataprev divulgadas pelo Ministério da Economia, 2,225 milhões de trabalhadores estão protegidos por essa estabilidade. Boa parte deles foi incluída ainda na primeira versão do programa, em 2020.
A visão do governo
O governo descarta que haja problemas com as estatísticas referentes ao mercado de trabalho. A Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia afirmou, na entrevista coletiva de apresentação dos resultados do Caged de abril, que os dois levantamentos – Caged e Pnad – não têm comparação, mas que ambos são consistentes.
Segundo o órgão, o Caged é um registro administrativo baseado em informações fornecidas pelas empresas e a Pnad é uma pesquisa por amostragem. “Não existe apagão de dados no mercado de trabalho”, disse, na ocasião, o secretário de Trabalho, Bruno Bianco Leal.