A Câmara encerrou a sessão desta terça-feira (22), a última do ano, sem votar a proposta que aumenta os repasses da União para municípios. A medida se transformou em instrumento de manobra para medir as forças das eleições para o comando da Câmara. A etapa deliberativa foi encerrada às 23h53, ou seja, sete minutos antes de o ano legislativo acabar.
A inclusão da PEC na pauta chegou a ser classificada por integrantes do governo como uma "pauta-bomba" no final do ano, justamente em meio à disputa pela sua sucessão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Único candidato já declarado à sucessão da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem a predileção do Palácio do Planalto e mantém interlocução com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O grupo ligado a Maia ainda não lançou candidato.
Sessão foi cancelada em busca de saída para impasse
Na hora marcada para votação, no início da noite de ontem, a sessão foi cancelada para a busca de uma saída meio termo para o impasse. O aumento do repasse do FPM, se ocorrer, tende a ficar para 2022. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) avisou, porém, que vai continuar trabalhando para a proposta entrar em vigor no ano que vem – o que exigiria votação durante o recesso legislativo, o que hoje parece improvável.
De um lado da disputa, Maia quis surpreender a base governista e incluiu na pauta de votação a proposta, adormecida há um ano depois de ter sido aprovada em primeiro turno em dezembro de 2019. A estratégia em jogo era forçar a liderança do governo a reconhecer o impacto para as contas públicas e trabalhar para retirar a proposta da proposta da pauta, o que desagradaria os prefeitos que têm força de pressão na Casa.
No campo oposto, a articulação política do Palácio do Planalto que resolveu apoiar ontem a PEC para não perder apoio ao seu candidato nas eleições, Lira, mesmo atropelando a equipe de Guedes, que na véspera alertara para o risco fiscal da perda permanente de R$ 4 bilhões por ano, sendo R$ 1 bilhão no primeiro ano. A PEC aumenta em 1% o repasse do FPM, que é feito com base na arrecadação de tributos do governo.
Estratégia do governo teve reviravolta
Para não ser derrotado numa aprovação dada com certa, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), passou a apoiar a PEC com a defesa de que ela tem o DNA da política do presidente Jair Bolsonaro de "Mais Brasil e Menos Brasília" de maior divisão do bolo de arrecadação com Estados e municípios. Barros tentou jogar a responsabilidade para o colo de Maia, que sempre teve apoio do mercado financeiro com a marca de protetor do ajuste fiscal. O líder, inclusive, minimizou o impacto da medida afirmando que era de R$ 700 milhões em 2021.
Segundo apurou o jornal "O Estado de S. Paulo", o estopim da reviravolta na estratégia do governo foi o manifesto dos partidos de esquerda, que apoiaram Maia na sucessão, contra a pauta que classificam de "neoliberal" do governo, inclusive as privatizações. Para integrantes do governo, a suposta aliança de Maia com a esquerda para não privatizar seria uma prova de que o presidente da Câmara atuou para que a venda das estatais não avançasse nos últimos dois anos.
Guedes ficou em silêncio o tempo todo
Guedes, que é desafeto de Maia e não quer que a esquerda tenha influência na pauta econômica em 2021, ficou em silêncio e não defendeu publicamente que os deputados não votassem a PEC que aumenta os repasses aos prefeitos, apesar do alerta do secretário do Tesouro, Bruno Funchal, de que aprovação colocaria em xeque a reorganização do equilíbrio fiscal. O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, em entrevista, tergiversou e não defendeu a retirada da proposta.
Para Maia, o governo Bolsonaro deixou de ser "popular" para virar "populista". Nas palavras dele, o governo fez um "cruzamento" entre os prefeitos, que pressionam pela aprovação da proposta, e a Faria Lima, em referências a economistas que manifestam preocupação com o impacto fiscal da medida. "Qual é a posição do governo, contra ou a favor? O governo vai liberar [o posicionamento dos deputados]? Eles vão desmoralizar o Paulo Guedes?", provocou Maia.
Congresso só deve ter sessões em fevereiro, após eleições nas duas Casas
Com o encerramento do ano legislativo, o Congresso Nacional só deve ter sessões em fevereiro, após a eleição para as presidências da Câmara e do Senado. Um dos projetos pendentes é o Orçamento de 2021. Qualquer votação no meio do recesso dependeria de uma convocação aprovada pela maioria absoluta das duas Casas, possibilidade considerada improvável antes da eleição para o comando do Legislativo.
Além da PEC dos municípios, a Câmara ficou sem votar a nova lei do gás e sem terminar a análise do novo marco legal do câmbio, que teve apenas o texto-base aprovado. Os deputados também deixaram de concluir a votação da medida provisória que isentou o pagamento de energia elétrica no Amapá. Deputados se articulam para ampliar a isenção. O texto poderá voltar à pauta em fevereiro.
Sem os itens mais polêmicos, a Câmara aprovou outros projetos nesta terça-feira. Um deles abre caminho para uma terceira fase do Pronampe, programa lançado para socorrer micro e pequenas empresas durante a pandemia de covid-19. Deputados e senadores pressionam o Planalto para que a proposta seja sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (23).
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast