As reformas tributária e administrativa voltaram a tramitar com mais força e empenho, para a surpresa do governo. No Palácio do Planalto e na equipe econômica, a repercussão tem sido positiva. A avaliação feita é de que, enquanto o Senado busca protagonismo e cargos diante do palanque criado pela CPI da Covid, a Câmara busca o seu jeito de ter um papel determinante no cenário político.
Entre deputados federais, uns concordam com a leitura feita no governo, outros discordam. Em uma Câmara com 513 deputados, naturalmente as visões políticas divergem, mas uma delas prevalece: a de que dificilmente ambas as reformas serão aprovadas ainda em 2021. Deputados ouvidos pela reportagem acreditam que apenas a tributária tem condições de ser aprovada.
A tributária tem maiores chances de avançar pela possibilidade de enfrentar menos resistência dos partidos de oposição ao governo e chegar a um acordo com os governadores. Já a administrativa segue impopular e com resistência até junto a lideranças e deputados do Centrão, grupo que integra a base governista.
O que o governo acha da tramitação das reformas
No Palácio do Planalto, a análise é de que as discussões do Orçamento — que se arrastaram entre março e abril — contribuíram para o entrave da tramitação da agenda econômica. Alguns entendem, contudo, que também faltou mais vontade política para se debater ambas as matérias, tributária e administrativa.
Independentemente dos motivos pelos quais as reformas, agora, andam com mais celeridade, o cenário é animador no governo. A equipe econômica entende que, em um momento em que o Senado busca palanque político e cargos no Executivo — até estruturas do Ministério da Economia —, a Câmara demonstra o “compromisso reformista do Congresso”. É o que avalia um interlocutor do ministro Paulo Guedes.
“Sem esse compromisso reformista, o Congresso passa a imagem de que querem cargos e emendas [parlamentares] para gastar. O [Arthur] Lira enxergou isso e está tirando as reformas da gaveta, a tributária e administrativa”, pondera o interlocutor. Elas têm impacto não no curto prazo, mas sim no longo, complementa.
O resgate das reformas deixou a equipe econômica confiante. No Ministério da Economia, a análise é de que o clima de crise e tensão política enfrentado pelo governo no Senado tende a se acalmar com a retomada do processo reformista no Congresso. Contudo, ao passo que se tem a expectativa de votação e até aprovação das reformas, o governo sabe que o prazo é curto.
“É uma janela muito curta, que vai de agora até outubro. Depois disso, entra na contagem regressiva da eleição”, justifica um interlocutor de Guedes. “Temos aí uma ação de governo até outubro, que tem que ser muito proativa. Enquanto isso, espera-se que, com a vacina e uma possibilidade da recuperação econômica, tende a se estabilizar a crise [política] e na sociedade hoje”, acrescenta.
Disputa política entre Arthur Lira e Renan Calheiros ajuda reformas
Outra leitura feita no governo é de que a retomada das reformas é uma resposta de Lira ao protagonismo do senador Renan Calheiros (MDB-AL) na CPI da Covid, que assumiu a relatoria no colegiado. Ambos são rivais políticos em Alagoas e disputarão o comando do estado nas eleições de 2022, ainda que por meio de aliados. Nas eleições municipais de Maceió, por exemplo, Lira apoiou no segundo turno a candidatura vitoriosa de JHC (PSB) contra o candidato de Calheiros, Alfredo Gaspar (MDB).
Em 2019, o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), que está em seu segundo mandato, explicou a rivalidade ao então ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Articulador político à época, ouviu do filho de Renan Calheiros que, no estado, não se tem “adversários políticos”, mas, sim, “inimigos pessoais”, segundo relataram pessoas próximas do ministro.
O deputado federal José Nelto (Podemos-GO), vice-líder do bloco da Maioria (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Podemos, Avante e Patriota) concorda com a leitura feita no governo de que Lira esteja usando de seu poder e influência para acelerar as tramitações e rivalizar com Calheiros. Mas desdenha e acha que não terá efetividade. “É só para mostrar trabalho. O Senado pegou todo o protagonismo, não há como discutir mais nada [no Congresso]”, avalia.
“A cabeça [da Câmara] quer, mas o corpo não obedece. O que eu quero dizer: aprovar as reformas é uma vontade do Lira, que quer tirar o protagonismo do Renan. Mas ele não vai conseguir maioria para isso”, acrescenta Nelto. Para ele, concluir a agenda reformista em um ano pré-eleitoral é improvável. “É delicado. Acabou o timing [político]. Era um Congresso reformista, mas a Covid e a falta de habilidade do Guedes e do [presidente Jair] Bolsonaro atrapalharam”, sustenta.
Um líder partidário da base governista não descarta a leitura feita por governo e Nelto quanto à associação do avanço das reformas com a disputa por protagonismo entre Lira e Calheiros. “Pode ser que seja, porque o Renan é opositor, eles são oposição em Alagoas. Pode ser que isso tenha motivado o Arthur a avançar mais rápido”, analisa. “Mas eu não vi ele verbalizando para ninguém”, acrescenta o líder.
Promessa de campanha e momento político: os demais motivos
Outros parlamentares ouvidos pela reportagem, inclusive líderes e outras lideranças políticas e partidárias, entendem que o avanço das reformas é decorrente do compromisso de Arthur Lira com o governo e os demais deputados. Durante a campanha às eleições da Mesa Diretora da Câmara, ele prometeu colocar em votação as reformas tributária e administrativa.
O deputado Celso Sabino (PSDB-PA) nega qualquer associação política com a tramitação da agenda econômica e afirma que, em momento algum, as reformas deixaram de tramitar. "Não tem disputa de ego com o Senado", diz. Nas eleições da Mesa Diretora da Câmara, ele atuou como um dos coordenadores da campanha de Lira.
"A Câmara entende o papel do Senado e esperamos que ele entenda o papel da Câmara. Está bem dividido. Da mesma forma, não tem nenhuma nesga mínima de disputar protagonismo com Renan Calheiros ou tentar fazer qualquer coisa contra ou a favor", acrescenta Sabino.
Para Sabino, agilizar o ritmo de tramitação das reformas estruturantes por essas questões políticas seria um “pensamento muito pequeno” que a Câmara “não deve nem cogitar ". “Pelo menos da parte do presidente Arthur, garanto que não tem intenção de disputar palanque, microfone. Ele está, realmente, imbuído em entregar as reformas tributária e administrativa”, sustenta.
O líder do PSL, Vitor Hugo (GO), concorda que não há associações políticas para explicar a celeridade na agenda econômica. “Elas nunca pararam. A Covid, lógico, deu uma segurada”, analisa. Ele justifica que, em virtude do enfrentamento à pandemia, a Câmara se mobilizou para votar pautas referentes ao combate do coronavírus e à preservação dos empregos. “Agora, que as coisas estão mais organizadas na parte legislativa, a Câmara pode voltar a se preocupar com esses temas”, avalia.
Outro líder ouvido entende que é compreensível Lira usar de seu poder político para encaminhar as reformas. “Ele tem uma ânsia natural de mostrar serviço porque assumiu agora”, diz. “A Câmara vem aprovando projetos simples, mas as grandes gestões são marcadas por projetos estruturantes. O [Rodrigo] Maia marcou a dele com a [reforma da] Previdência. O Lira vai marcar a dele com o quê?”, acrescenta.
Um outro deputado, aliado de Lira, analisa, por sua vez, que o presidente da Câmara apenas cumpre com a promessa feita ao governo. “O governo já enxergou que a aprovação [do Bolsonaro] está despencando porque o povo está mais pobre e quer fazer reforma para ajudar com o assistencialismo. O governo quer arrecadar mais, e a reforma, na prática, pode ajudar nisso”, explica.
E quais as chances de passar a reforma tributária?
Reforma que tem mais chances de ser aprovada, a tributária é que receberá mais atenção dos deputados. Nesta terça-feira (4) houve uma movimentação importante na tramitação dessa proposta. O relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), entregou o seu parecer propondo uma reforma tributária ampla, contrariando o desejo da equipe econômica e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de fatiar a proposta para facilitar sua aprovação.
Em reação, Lira determinou a extinção da comissão especial mista que discutia o tema — e que havia ficado um longo tempo inativa por causa da pandemia — e pretende desconsiderar o relatório de Aguinaldo.
O deputado Celso Sabino explica que a Câmara tende mesmo a optar pelo fatiamento da reforma. “Conforme a dificuldade legislativa que a gente venha a ter, existe a possibilidade de dividirmos ela em três ou quatro itens mais importantes para discutir isso de forma paralela”, afirma. Já o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), diz que o fatiamento do texto depende de consultas.
Um líder partidário sente uma disposição maior de Lira e de líderes da base em avançar a reforma tributária. Por isso, acredita que a matéria tende a ser aprovada. “Até porque a oposição não é que vai deixar de obstruir, mas não vai obstruir com tanta força e vai contribuir com o debate”, comenta. O parlamentar alerta, contudo, para o prazo exíguo. “Se não for esse ano, esquece. Em 2022, não tem concentração para aprovar, é difícil concentrar esforços em um ano eleitoral”, justifica.
A reforma tributária até tem maior propensão para passar na Câmara, mas enfrentará resistência. O deputado Luis Miranda (DEM-DF), vice-líder do bloco da Maioria e presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, é contrário a iniciar a discussão da pauta pela fusão do PIS e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a proposta do governo.
O CBS, pondera Miranda, representa um aumento real da carga tributária e aumenta o imposto para o setor de serviços. “O compromisso do Brasil deve ser com uma PEC que trata da simplificação e redução da carga tributária que incide sobre a população e o consumo para potencializar a geração de empregos e elevar o poder de compra”, defende. “O compromisso dos parlamentares deve ser com o povo, não com politicagem”, complementa. Ele pode ser um dos relatores da reforma.
E a reforma administrativa? Tem chances de passar ou não?
O clima dos bastidores da Câmara em relação à reforma administrativa ainda são os mesmos em relação a março, quando a Gazeta do Povo mostrou não haver clima político para passar o tema ao Senado. A tendência é que a proposta ande, mas sem chances de ser aprovada este ano. E não sendo este ano, as lideranças ouvidas pela reportagem reconhecem que é ainda menos provável que isso ocorra em 2022.
“No caso da administrativa, tem ainda menos apoio da base [governista] e muito mais obstrução da oposição. A esquerda vai obstruir de qualquer jeito”, sustenta um líder partidário. Um vice-líder partidário concorda. “A tributária passa fácil porque ela tem aceitação, uma visão de pauta positiva que é urgente. A administrativa, não. Não tem ambiente para passar, não tem votos”, destaca.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF), está empenhada em aprovar o texto. Deputados próximos afirmam que ela quer aprovar a admissibilidade, até por ser uma promessa feita a governistas quando assumiu o colegiado. Mas encontra forte obstrução da oposição e pouco apoio de lideranças do Centrão para acelerar os debates e colocar em votação.
O deputado Celso Sabino discorda da leitura de que a administrativa não seja aprovada e afirma que ela se encaminha na Câmara para a análise da admissibilidade. A expectativa, segundo ele, é que a matéria seja aprovada na CCJ e, superada essa etapa, afirma que Lira constituirá uma comissão especial para discutir o mérito. “Está dentro do prazo, no rito, não está parada, anda até rápida”, avalia.
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