Líderes e representantes de caminhoneiros autônomos e celetistas se reúnem neste sábado (18) para debater uma pauta ampla a ser apoiada pela categoria dos transportadores rodoviários de carga. Conforme informou anteriormente a Gazeta do Povo, é a partir desse encontro que parte das lideranças acredita na possibilidade de montagem de uma agenda que, se não avançar, pode desencadear uma greve dos caminhoneiros.
A reunião é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), pela Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), e pelo Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC).
O encontro ocorrerá em Brasília, no Hotel Laguna Plaza, das 9h às 17h. A ideia dos organizadores é reunir todas as lideranças que estejam dispostas a debater a pauta da categoria, afirma o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sindicam) de Ijuí (RS), Carlos Alberto Dahmer, o "Liti", que é diretor da CNTTL. "Foram e permanecem convidadas lideranças de caminhoneiros autônomos e celetistas, associações, sindicatos, federações, confederações e cooperativas de transporte", diz.
A previsão é de que a reunião conte com lideranças que convocaram duas greves este ano – para 1º de fevereiro e 25 de julho – e até mesmo outras que não aderiram aos chamamentos. Entretanto, não há perspectiva de que participem líderes autônomos que bloquearam trechos em rodovias pelo país entre 7 e 10 de setembro.
"São os urubus dos caminhoneiros, vivem da carniça. As pautas deles não acabam com a 'prostituição' do frete", critica o líder autônomo Odilon Fonseca, que não participará da reunião. Ele foi um dos caminhoneiros recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto durante a recente paralisação.
A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que tem assinado um acordo de cooperação técnica (ACT) com o Ministério da Infraestrutura e é reconhecida por líderes autônomos como a representante "máxima" e de "direito" da categoria, não participará da reunião por entender que as pautas defendidas são inconsistentes e representam "grupos isolados".
Qual é o impacto da reunião após a recente paralisação dos caminhoneiros
A reunião deste sábado difere do recente movimento de uma parcela dos caminhoneiros autônomos e celetistas liderados pelo youtuber Marcos Antônio Pereira Gomes, o "Zé Trovão". Os transportadores que bloquearam trechos em rodovias no país por quatro dias tinham uma pauta política, da qual constavam o voto impresso auditável, o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a absolvição do que classificaram de "presos políticos" conservadores.
A pauta defendida para esta reunião não prevê itens políticos, mas econômicos, com pontos que, no entendimento dos organizadores, podem beneficiar diretamente os trabalhadores do transporte rodoviário de cargas. Embora boa parte dos líderes e representantes não pretendam participar, o encontro deste fim de semana vai juntar, pela primeira vez no ano, lideranças que até então pensavam diferente sobre a ideia de uma greve.
A classe dos transportadores autônomos e celetistas é muito dividida e uma greve só tem condições de prosperar com a união dos líderes. Só em 2021 foram convocadas duas paralisações pelo presidente do CNTRC, Plínio Dias, que não prosperaram pela falta de unidade. Nas duas ocasiões, diferentes lideranças e representantes – como o presidente da Abrava, Wallace Landim, o "Chorão", um dos líderes da greve nacional de 2018 – não apoiaram o chamamento.
A reunião deste sábado contará com a presença de Chorão. Desde julho, ele articula um amplo encontro com a participação de trabalhadores de outros segmentos do transporte – não apenas caminhoneiros autônomos, mas também taxistas, motoristas de aplicativo e transportadores que atuam na indústria e em outras atividades econômicas.
A convocação para sábado vem sendo trabalhada por Liti, diretor da CNTTL, ao longo dos últimos 45 dias. Ele promoveu rodadas prévias de conversas com transportadores rodoviários celetistas e autônomos da Baixada Santista, que atuam no Porto de Santos; do Recife, que atuam no Porto de Suape; e de Itajaí (SC) e Navegantes (SC), que atuam nos Portos de Itapoá e Portonave.
O líder autônomo Janderson Maçaneiro, o "Patrola", que opera na região portuária catarinense, aderiu à convocação e acredita que ela tem os elementos para ser a maior do ano da categoria. "A reunião do dia 18 vai ser de tratativas de união que vem a fortalecer a unidade, que é o que temos que buscar", destaca.
Patrola é outro líder que, como Chorão, não aderiu às convocações de greve da categoria para fevereiro e julho. A participação dos dois sugere, no entendimento de ambos, o início de um realinhamento dos líderes.
"Existe uma situação de fragmentação das lideranças. Vimos nascer um líder desconhecido, o Zé Trovão, que protagonizou um movimento gigantesco, nacional, mas que não representava a classe", destaca Patrola. "No momento, nós precisamos unir as lideranças, todos em um só discurso, para daí termos condição de iniciar um processo de montagem de pauta", complementa.
Quais as dificuldades de reunir todas as lideranças dos caminhoneiros
A divergência de pautas é a principal explicação para que, desde a greve de 2018, os caminhoneiros não consigam chegar a uma ampla unidade. Mas não é o único motivo, analisa Chorão, que aponta motivações políticas por trás. "Até nos grupos não se fala mais de categoria, apenas um maltratando o outro. Quando fala mal da esquerda, é 'bolsonarista'. Quando fala mal da direita, é 'esquerdista'. Temos que parar com isso e focar nas nossas demandas", diz.
Há caminhoneiros que, segundo Chorão, são "100% de direita". Outros são mais alinhados à centro-direita. Outros são apartidários. E também há os posicionados à centro-esquerda e esquerda. "O que não existe é levantar o movimento usando o nome da categoria em uma pauta política. Nunca vai ter o consenso, nem é o que estamos promovendo", afirma.
As pautas levantadas para a reunião de sábado, como piso mínimo de frete e revisão da política de preço da Petrobras, entretanto, também são obstáculos para se chegar a um consenso.
"Lei de piso mínimo não vai acabar com o frete baixo. O que acaba isso é a mudança da cultura do caminhoneiro, que tem que parar de se prostituir. Chegam nas filas de carregamento, que tem 100, 200 caminhões para carregar a um frete baixíssimo. Eu encostei meu caminhão, não estou carregando, e esses líderes deveriam incentivar o mesmo", diz Odilon.
Ele defende ideias para reduzir a quantidade de caminhões rodando no país, a fim de equilibrar a oferta e demanda e aumentar o custo do frete, como o respeito à jornada de trabalho, de 8h diárias mais 2h extras. "Piso mínimo não resolve o problema. A única coisa que eu vi da pauta de sábado que, no meu entender é ótima, é a jornada de trabalho", sustenta.
Líder defende responsabilidade fiscal e critica STF por "fique em casa"
Outra pauta criticada por Odilon é a retomada do tratamento diferenciado de aposentadoria. Até a aprovação da reforma da Previdência, os transportadores podiam se aposentar com 25 anos de contribuição na função, independentemente de idade mínima e sem a incidência do fator previdenciário. Os organizadores do encontro de sábado querem discutir essa pauta.
"A reforma da Previdência já foi feita, não tem lógica essa pauta. Isso é uma coisa que envolve muito dinheiro", diz Odilon. Ele defende uma política econômica com responsabilidade fiscal e entende que não há espaço para ampliar as despesas públicas. O líder autônomo também reforça a cobrança da pauta política e diz que os ministros do STF têm responsabilidade na atual situação econômica. "Os ministros barraram o país de se desenvolver com o 'fique em casa', que deu autonomia para governadores e prefeitos travarem a economia", diz.
A CNTA, entidade máxima de representação dos transportadores autônomos junto ao governo, tem conhecimento da reunião de sábado e informa que permanece aberta para qualquer contribuição, desde que seja benéfica para a categoria. "Estamos abertos para dar continuidade ao trabalho, desde que seja uma pauta consistente para toda a categoria, não a grupos isolados e indivíduos com projeções pessoais e políticas", afirma a confederação.
Quais as chances de a reunião criar as condições de uma greve nacional
O efeito prático da reunião, ou seja, a apresentação de uma agenda minimamente consensual, divide lideranças e representantes. Chorão é um dos que têm confiança na possibilidade de sair do encontro com pautas pré-definidas. "Eu acredito que consigamos sair dessa reunião com uma pauta que realmente traga benefícios", destaca.
O líder da greve de 2018 acredita que o não atendimento das pautas definidas no sábado pode desencadear uma paralisação nacional, mas evita aprofundar o assunto. "A categoria está fragilizada há muitos anos e vem sofrendo a cada dia e, hoje, sofre mais, não tem condições de se manter. Com uma pauta unificada, com união, e não falo nem referente a uma paralisação, mas em uma cobrança mais enérgica, acho que a gente consiga avançar", sustenta.
A análise é endossada por Liti, que também acredita na elaboração de uma agenda em comum e evita falar em greve. "Temos pautas direcionadas ao governo federal, ao Legislativo e ao Judiciário. Precisaremos avaliar as ações que faremos para demandar cada um dos Poderes. Feito isso e avaliando os resultados, vamos analisar se existem alternativas ou outra forma de pressão para cada um dos pontos que não seja exatamente a possibilidade de greve. Esgotadas essas opções, a greve passaria a ser o último 'cartucho'", explica.
A promessa da categoria é não banalizar a ameaça de greve, que, em 2018, prejudicou a economia. A estimativa feita pelo Ministério da Fazenda meses depois daquela paralisação era de que a paralisação havia "tirado" 1,2 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) esperado, que naquele ano acabou crescendo 1,8%, segundo dado revisado em 2020.
Liti, contudo, não descarta uma paralisação nacional. "Como o movimento é muito dinâmico, nunca se descarta a possibilidade de uma paralisação. Porém, a gente levará ao extremo do diálogo para que a situação não aconteça, porque não é bom para ninguém, não há vencedor", destaca o diretor do CNTTL. "A reunião não se trata de um movimento grevista. É um movimento de construção de entendimento de unificação e de diálogo", reforça.
Patrola é menos confiante sobre a possibilidade de a reunião terminar com a formulação e apresentação de uma agenda, justamente tendo em vista a fragmentação da categoria. "Eu não acredito na montagem de uma pauta com deliberação sindical neste primeiro momento. Não tenho como afirmar que vamos sair de lá com uma pauta coesa em comum acordo, mas tenho certeza que será construída alguma coisa num projeto futuro de entendimento", diz.
O líder catarinense defende, ainda, que qualquer deliberação da reunião seja discutida com os transportadores autônomos. "Não cabe às lideranças a construção de pautas e datas de paralisação, mas à categoria. Tudo o que nós conversarmos na reunião tem que ser levado à base. É a base, o caminhoneiro, que tem que decidir quais os itens dessa pauta e quais são os caminhos que temos que seguir para chegar ao objetivo", avalia.
Em grupos de WhatsApp, circulam áudios de líderes afirmando que, do encontro de sábado, sairá até uma data de greve, diz Odilon. Ele, entretanto, não acredita na possibilidade de uma paralisação nacional. "Eles [líderes que participarão da reunião] perderam a credibilidade. Tem gente que quer encontrar com satanás, mas não quer encontrar com o Chorão. Já ouvi áudio deles, que podem sair com uma paralisação definida, mas isso não vai acontecer", afirma.
As demandas que serão debatidas para compor a pauta dos caminhoneiros
Os organizadores da reunião de sábado vão levar uma "pauta de discussão mínima" centrada em 11 itens, a começar pelo cumprimento do piso mínimo de frete e pela retomada do tratamento diferenciado de aposentadoria. A jornada de trabalho também estará presente.
Outra pauta é o chamado "voto em trânsito", a permissão de que qualquer seção eleitoral do país possa permitir que o caminhoneiro exerça seu direito de voto caso esteja em viagem a trabalho. Outras pautas são a contratação direta com plena implementação do documento de transporte eletrônico (DT-e), que unifica documentos exigidos para o transporte rodoviário de carga.
Dentro do debate do DT-e, que foi aprovado pelo Congresso e aguarda sanção presidencial, os transportadores autônomos demandam que o presidente Jair Bolsonaro vete dois trechos criticados na redação aprovada: o que anistia até 31 de maio as transportadoras e embarcadoras que não tenham cumprido com o piso mínimo de frete; e o que permite ao caminhoneiro contratar uma associação ou sindicato para administrar seus direitos relativos ao frete, de modo que tais entidades sejam responsáveis pelas obrigações fiscais e pelo recolhimento de tributos.
A Gazeta do Povo ouviu de interlocutores do Palácio do Planalto que Bolsonaro deve sancionar integralmente o DT-e, ou seja, com os pontos criticados pela categoria. No caso da contratação de associações ou sindicatos para administrar os direitos, caminhoneiros entendem que daria autonomia para os embarcadores administrarem o frete e o recolhimento dos autônomos contratados diretamente, o que vem sendo chamado de "uberização" do caminhoneiro.
A pauta da reunião ainda deve envolver: o marco regulatório do transporte rodoviário de cargas; mudanças no projeto do BR do Mar; o cumprimento da resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) aprovada na segunda-feira (13) que garante a volta dos caminhões de 11 eixos; e a revisão da política de preços da Petrobras. A maioria dessas pautas não encontrará ampla concordância entre as lideranças presentes.
Patrola é um dos que discorda das críticas de "uberização" sobre o DT-e. "Estamos deixando de ficar na mão das transportadoras, da subcontratação, e indo negociar diretamente com o embarcador. Onde é que está a prisão nisso?", questionou anteriormente à reportagem. Ele também não é contrário à anistia às transportadoras. "De nada vale eu ter a contratação direta se eu tiver um processo contra o embarcador, porque o embarcador não vai me contratar."
Patrola defende muita sobriedade e uma agenda curta, mas minimamente consensual nos debates da reunião, embora admita que isso seja improvável. "Nós temos um trabalho muito difícil, para não dizer impossível, que é montar uma pauta de comum acordo. Por isso, não adianta ter pauta com dezenas de itens. Algumas são de comum acordo, outras, não. Num entendimento final, numa resolução a ser encaminhada à base, temos que ter uma pauta enxuta", avalia.
Chorão defende a discussão das pautas e pondera que levará ao debate até mesmo a proposta de incentivo tributário sobre o óleo diesel ao caminhoneiro. "Na questão da tributação, nós precisamos da criação de um incentivo tributário na prestação do serviço. O transporte rodoviário é peça fundamental para o PIB do país", justifica.
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