Ouça este conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro parece ter sido convencido a levar adiante a ideia de criar um imposto sobre pagamentos, semelhante à antiga CPMF. No domingo (3), ele disse ter dado o aval para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, debata, junto ao Congresso, a criação do novo imposto – desde que haja como contrapartida a redução ou extinção de outros tributos. "Não tem aumento de carga tributária, tem para substituir imposto. Se for aumentar, pessoal não aguenta mais pagar imposto, não", disse.
Por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Executivo não pode abrir mão de receitas sem diminuir suas despesas. Além disso, o governo sofre de falta de recursos. É improvável, portanto, que a criação do novo tributo implique em redução da carga tributária. A relação inversa, porém, não é verdadeira: não há garantias de que a nova CPMF não irá aumentar o peso da tributação sobre a sociedade brasileira.
Uma das razões da incerteza é a forma como o próprio governo está conduzindo o debate. Até agora, o Ministério da Economia encaminhou ao Congresso apenas a primeira etapa da proposta da reforma tributária, que unifica PIS e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). As outras alterações, entretanto, permanecem como balões de ensaio.
"Não há como opinar sem dados. Por ora, temos vários projetos de reforma tributária no nível do faz de conta", diz José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). "Como sou um técnico, só posso opinar quando mostrarem os textos legais e, sobretudo, os dados e simulações", completa.
Embora defenda o tributo sobre transações desde o início do governo, Guedes até hoje não apresentou um estudo consolidado sobre seus custos e benefícios. Agora, o Ministério da Economia prepara um trabalho para mostrar que tributar movimentações financeiras é menos danoso à economia do que a contribuição sobre a folha de pagamentos, tributo que o governo quer baixar. Segundo "O Globo", a ideia é rebater críticas de que o imposto seria inflacionário e regressivo, pesando mais sobre pobres que ricos.
No discurso político, quem é contra o novo imposto afirma categoricamente – mas também sem apresentar simulações, a exemplo do que faz o governo – que ele vai elevar a carga de tributos.
"Não é apenas aumento da carga tributária. Tem todo o impacto negativo na economia de um imposto parecido com a CPMF", disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na segunda (3), ao ser questionado por jornalistas sobre as declarações de Bolsonaro na véspera.
Em entrevista ao jornal "Valor", o relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), também ligou um imposto sobre transações a um aumento no peso dos tributos. "Não defendo aumento de carga tributária. É um princípio que defenderei com toda força", disse.
Nova CPMF socializa conta que, hoje, é dos empregadores
O imposto sobre pagamentos vem sendo gestado pela equipe econômica como uma forma de desonerar ao menos parte da folha de salários. Por enquanto, o governo tem divulgado que o novo tributo terá alíquota entre 0,2% e 0,4%, o que possibilitaria uma arrecadação de pelo menos R$ 120 bilhões por ano.
A conta não fecha: com tão pouco não é possível desonerar toda a folha de salários – o que custaria, pelo menos, R$ 320 bilhões por ano, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal. Assim, a nova CPMF serviria para desonerar apenas uma parte dos tributos pagos por empresários na contratação de funcionários com carteira assinada. Na proposta de alíquota de 0,2%, o governo afirma que seria possível zerar a contribuição previdenciária sobre um salário mínimo e reduzir de 20% para 15% a alíquota que incide sobre as demais remunerações.
O aumento ou não da carga tributária vai depender de como a nova CPMF irá se encaixar no quebra-cabeças dos impostos brasileiros. Mas, se a proposta for levada adiante dessa forma, uma coisa é certa: o novo tributo irá fazer com que todos acabem pagando a conta que hoje está nas mãos dos patrões.
"Ter uma contribuição alta sobre a folha é ruim, ninguém discorda disso. A questão é quem vai fazer o pagamento dessa conta. A CPMF reduz a carga tributária do empregador e joga para a sociedade", diz Leonardo Alvim, professor do Insper.
Segundo ele, além disso, para que a nova CPMF arrecade o montante que vem sendo esperado pelo governo, a tendência é de que a alíquota incida sobre um número importante de transações. "Se compararmos com o que já existiu, fica claro que teríamos que ter uma base mais ampla do que aquela de antigamente para chegar à arrecadação que vem sendo anunciada", completa Alvim.
Para Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal e autor de uma proposta de reforma tributária em discussão na Câmara (a PCE 45), o projeto do governo troca um imposto ruim por outro.
"A discussão de desonerar a folha é importante e precisa ser feita. Por outro lado, achamos que um imposto sobre transações financeiras é de qualidade muito ruim", disse ele em entrevista à Gazeta do Povo no ano passado. "Toda a literatura internacional entende que isso não é um bom imposto, que tem um impacto negativo sobre o crescimento."
Primeira fase da reforma não altera carga tributária, segundo o governo
Sobre a primeira fase da reforma tributária do governo, por outro lado, já há mais detalhes – afinal, o Ministério da Economia já apresentou o texto completo para apreciação do Congresso. Na justificativa do projeto, o governo afirma, com base em estudo da Receita Federal, que a Contribuição sobre Bens e Serviços (originária da unificação de PIS e Cofins) é neutra, ou seja, não aumenta nem diminui a carga tributária.
Mesmo assim, alguns setores já reclamam de um possível aumento da tributação, especialmente porque nem todos poderão fazer o abatimento dos créditos previstos na nova legislação. A princípio, o setor de serviços seria o mais penalizado pois, de forma geral, gasta mais com pessoal do que com insumos.
"Tudo isso vai acabar sendo descarregado no preço de serviços e mercadorias. Ou seja, a tributação vai continuar sendo regressiva e o aumento da carga vai acabar penalizando mais quem tem menos renda", avalia João Eloi Olenike, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Ele defende que, antes da reforma tributária, o governo leve adiante a reforma administrativa, buscando diminuir gastos. "Só então seria possível fazer uma reforma tributária de verdade. O que estamos vendo é uma tentativa de simplificação, que sempre esbarra no quesito arrecadação. O governo precisa arrecadar muito, então não pode fazer uma reforma em que haja redução da carga tributária", completa Olenike. Mas a reforma administrativa, que o ministro Guedes queria ter enviado ao Congresso ainda no fim de 2019, foi barrada por Bolsonaro. O texto só será apresentado em 2021, segundo o presidente.
Leonardo Alvim, do Insper, por outro lado, pondera que o repasse de um possível aumento da carga tributária ao consumidor vai depender da dinâmica de cada setor. "Economicamente é impossível saber o quanto isso tudo vai influenciar no preço. Alguns setores, por exemplo, conseguem simplesmente jogar um aumento nos produtos. Outros não conseguem, especialmente os de serviços mais supérfluos", diz o professor.
Conteúdo editado por: Fernando Jasper