São Paulo Os acidentes provocados por falhas em produtos ou serviços são mais freqüentes do que imaginamos. Uma cartilha lançada ontem pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro-Teste) e Associação Médica Brasileira (AMB) identifica várias situações de risco e quantas pessoas foram levadas para três grandes hospitais da rede pública de São Paulo depois de se machucarem com brinquedos, material escolar, panela de pressão e escadas. Até uma simples queda no ônibus, depois de uma freada brusca do motorista, é considerada acidente de consumo. O consumidor também pode reclamar ao se cortar em uma lata de alumínio em que as tampas são abertas sem a necessidade de abridor.
"Nos Estados Unidos e na Europa é fácil identificar os acidentes de consumo e pedir esclarecimentos e providências aos fornecedores dos produtos. Isso também precisa ocorrer aqui", diz Maria Inês Fornazaro, consultora da AMB.
Um projeto de lei sobre o assunto (de autoria do deputado Dimas Ramalho-PPS) está tramitando na Câmara dos Deputados desde junho do ano passado. Se aprovado, os médicos terão de notificar os atendimentos por causa desse tipo de acidente. A expectativa, segundo Maria Inês Dolci, coordenadora do Departamento de Relações Institucionais da Pro-Teste, é que o projeto vire lei até o fim do ano que vem ou, no máximo, no início de 2007. Atualmente, os consumidores podem processar as empresas com base no Código de Defesa do Consumidor.
A Pro-Teste e a AMB fizeram 2.021 entrevistas em três grandes hospitais de São Paulo: o Hospital das Clínicas, a Santa Casa e o Hospital São Paulo, da Unifesp. O resultado foi alarmante. Segundo o levantamento, 1.465 consumidores sofreram lesões causadas por produtos com defeito e 556 por serviços prestados. Pela pesquisa, 60% das vítimas eram crianças, sendo que 38% se machucaram com os seus próprios brinquedos ou com material escolar. Grande parte teve o nariz ou o ouvido obstruído. Os adultos são vítimas, principalmente, de queimaduras, conseqüência de acidentes com produtos de limpeza (álcool ou cloro, por exemplo) e utensílios domésticos (panelas).
"Os adultos são também as maiores vítimas de acidentes que provocam lesões ou ferimentos, principalmente no ouvido (435), em sua maioria acidentes com hastes (mais conhecidas pelo nome de uma das marcas: cotonete). Eles também caem de escadas portáteis e pisos cerâmicos, lesando, inclusive os membros inferiores (54%)", relata Maria Inês Dolci, da Pro-Teste.
De acordo com as duas entidades, a maioria dos acidentes relacionados à prestação de serviços ocorre nos meios de transporte. É comum as pessoas caírem no ônibus em uma arrancada brusca do motorista. As calçadas desniveladas também são um grande risco para as pessoas. Por ser feita em rede pública de saúde, a pesquisa registrou que a maioria das vítimas de acidentes de consumo possui renda familiar entre um e três salários mínimos (74% e 66%, respectivamente). Cerca de 25% têm renda entre três e cinco salários. O porcentual de entrevistados com renda familiar superior a cinco salários mínimos é inferior a 10%.
"Estamos fazendo um grande esforço para a sociedade saber que os acidentes são comuns. O Sistema Nacional de Acidentes de Consumo terá o objetivo de notificar os fornecedores e estabelecer, junto com o Código de Defesa do Consumidor que tipo de reparação deve ser feita pelo fabricante. Comprovado o acidente, o fabricante tem que tirar o produto do mercado", afirma Maria Inês.
Segundo ela, o Brasil poderá economizar muito dinheiro se o assunto for levado a sério e as despesas com médicos forem pagas pelo fabricante do produto e não pelo governo. Nos Estados Unidos, de acordo com ela, houve em 1999 (último dado disponível) 4.308 mortes causadas por acidentes de consumo. As falhas em produtos e serviços foram responsáveis por 4,163 milhões de ferimentos tratados em salas de emergência de hospitais. Os prejuízos para o governo seriam enormes, de mais de US$ 300 milhões, se o custo ficasse por conta do Estado.
"Até meados de 2004, nem sequer se discutia esse assunto no Brasil. Ninguém tinha a menor idéia das seqüelas sociais e econômicas originadas pelos acidentes do consumo. O fornecedor tem dever legal de reparação", afirmou Maria Inês. A cartilha tem 16 páginas e será distribuída gratuitamente para entidades médicas e representantes de consumidores.
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