A Casa da Moeda não será privatizada pelo governo, conforme informou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas isso não quer dizer que a estatal será um peso que o Estado terá de carregar. É o que garante a direção da empresa, que ficou cerca de um ano à frente da companhia tentando saneá-la e encontrar novos negócios para fazer com que ela volte a ser lucrativa e não fique obsoleta em um mundo cada vez mais digital. Uma nova gestão, a ser comandada pelo contra-almirante Hugo Nogueira, vai assumir a direção a partir de 30 de outubro.
O objetivo é que a estatal atinja o break-even (receitas iguais às despesas) em 2021 e volte a ter lucro a partir de 2022. Antes da pandemia, a meta era atingir o equilíbrio neste ano, mas isso não será mais possível porque a empresa teve uma queda de produção de passaportes, seu único produto lucrativo no momento. A queda se deu porque muitos postos da Polícia Federal ficaram fechados e porque os brasileiros estão viajando menos para o exterior. Com isso, a empresa deixou de faturar R$ 160 milhões neste ano.
“Se não fosse esse revés enorme por causa do passaporte, a probabilidade era muito alta de alcançar o break-even já em 2020”, afirmou Fábio Rito, diretor de Gestão da Casa da Moeda, em entrevista à Gazeta do Povo. “Se mantiver a política de austeridade financeira, com redução das despesas, e buscar novas receitas, a Casa tem tudo para em 2021 conseguir o break-even e já conseguir lucro em 2022, desde que continuando nesse caminho”, completou.
Casa da Moeda passou a ter prejuízo a partir de 2017
Os novos gestores da Casa da Moeda, que entraram na empresa a partir do segundo semestre do ano passado, encontraram uma estatal prestes a virar dependente da União, ou seja, que dependeria de recursos do Tesouro anualmente para pagar suas despesas básicas, pois suas receitas não seriam suficientes para cobrir os gastos. O alerta foi feito pelo próprio Tesouro Nacional, em relatório sobre riscos fiscais pra União, conforme mostrou a Gazeta do Povo.
A empresa passou a ter prejuízos a partir de 2017, depois de perder o seu braço que mais garantia receita: a fabricação de selos fiscais para o setor de bebidas. A Receita Federal acabou com a obrigatoriedade de as empresas envasadoras de bebidas utilizarem o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe). O sistema foi substituído pelo chamado "bloco K".
O Sicobe era a maior fonte de receita da Casa da Moeda. Ele era responsável por 62% do faturamento bruto da estatal e tinha um custo muito baixo, pois apenas 70 funcionários trabalhavam alocados na fabricação desses selos. Era o Sicobe que acabava sustentando as outras áreas da empresa, tradicionalmente deficitárias, como produção de moeda e papel-moeda.
Sem a receita do sistema Sicobe, problemas de gestão que vinham sendo mascarados ficaram aparentes. Por exemplo: os antigos gestores não tinham controle sobre custos de produção dos produtos e serviços. Somente a produção de passaportes era (e ainda é) lucrativa. Havia poucos fornecedores para os insumos estratégicos. E o custo de pessoal era elevado, com salários e benefícios 2,5 vezes acima do mercado.
O resultado foi que a Casa da Moeda entrou no vermelho. Em 2017, a empresa teve prejuízo de R$ 117,6 milhões, interrompendo anos de resultado superavitário. Em 2018, o rombo foi de R$ 93,4 milhões. No ano passado, R$ 86,6 milhões. O resultado de 2019 poderia ter sido ainda pior: a previsão era terminar o ano no negativo em R$ 206 milhões. Só não foi porque uma série de medidas de saneamento da empresa estão sendo adotadas, garantem os gestores.
Medidas para reduzir custos
Para reduzir custos, a Casa da Moeda vem adotando uma série de medidas desde o segundo semestre de 2019, como:
- redução de despesas, como fechamento de escritórios no bairro do Flamengo, no Rio, e em Brasília, que serviam somente para os gestores;
- redução dos contratos de terceirização, eliminando duplicidade de funções com os empregados da Casa da Moeda;
- renegociação com fornecedores e desenvolvimento de novos fornecedores;
- suspensão de serviços que não faziam mais sentido, como bilhetes do metrô de São Paulo com tarja magnética e selos postais regulares (os Correios já têm estoque para seis anos);
- enxugamento da estrutural organizacional, com extinção de alguns cargos de confiança;
- novo acordo coletivo com os funcionários, com redução de benefícios que estavam acima do padrão do mercado; e
- parceria com a distribuidora de energia Light e a companhia de águas e esgoto Cedae.
Segundo a empresa, será possível reduzir em R$ 116 milhões as despesas da Casa da Moeda em 12 meses a partir deste ano com a implementação de todas essas medidas. Só com o novo acordo coletivo, a economia deve ser de R$ 81 milhões. A estatal enfrentou paralisação e greve branca no começo do ano por resistência do Sindicato Nacional dos Moedeiros ao corte dos benefícios.
Medidas para aumentar a receita: exportação e cédula de R$ 200
Do lado da receita, a Casa da Moeda vem aumentando a sua produção. A estatal está fabricando a cédula de R$ 200, que entrou em circulação neste mês. A produção foi feita em tempo recorde: se antes levava um ano para todo o desenvolvimento da cédula, desta vez tudo foi feito em 60 dia, em parceria com o Banco Central. O contrato garantiu à Casa da Moeda R$ 146 milhões pelas primeiras 450 milhões de notas.
A estatal também fechou em setembro contrato para produção de cédulas para Argentina. A quantidade contratada ficou em 400 milhões de cédulas e o valor total do contrato é de aproximadamente US$ 20,6 milhões. O cronograma de produção se inicia em outubro e vai até março de 2021.
Eduardo Sampaio, presidente da Casa da Moeda do Brasil, explicou à Gazeta do Povo que a prioridade da estatal, por lei, é atender o Banco Central brasileiro. Por isso, o banco central argentino está sendo atendido com o excedente da capacidade produtiva.
A produção para a Argentina, somada às demandas do Banco Central, possibilitarão à Casa da Moeda utilizar sua plena capacidade instalada, que é de aproximadamente 2,66 bilhões de cédulas e 4 bilhões de moedas por ano.
Há dois anos, a Casa da Moeda não fechava um contrato internacional. O último foi em 2018, com a exportação de cédulas para a Venezuela. Segundo Sampaio, a expectativa é de que 5% da receita da empresa em 2020 venha das exportações e que esse percentual dobre no próximo ano.
“Argentina é o primeiro mercado que fechamos contrato, mas estamos estudando outros para aumentar as exportações” disse o presidente.
Novos negócios digitais
Em paralelo ao processo de saneamento, a empresa também se prepara para novos negócios digitais. O objetivo é não ficar obsoleta. Segundo Saudir Filimberti, Diretor de Inovação e Mercado, são três frentes em estudo:
- rastreabilidade física e digital de produtos, hoje restrita a cigarros e bebidas, mas que pode ser estendida para medicamentos e alimentos, por exemplo;
- identidade digital: retomar o contrato da CNH digital (hoje com o Serpro) e oferecer cartão digital a conselhos de classes;
- meios de pagamentos: criar meio de pagamento da Casa da Moeda, usando o QR Code como produto ou fazendo com que a Casa da Moeda empreste o lastro a moedas digitais, por exemplo.
“A gente tinha uma questão muito urgente que era a sobrevivência da empresa. Tivemos que atacar rapidamente e de forma incisiva os principais custos que estavam fazendo a Casa perder muito dinheiro. E, uma vez que se equacione isso, você tem que pensar qual é o futuro da Casa da Moeda”, diz Sampaio.
“E olhando isso a gente não pode só olhar para os produtos tradicionais da casa. Temos que fazer uma transformação cultural na empresa pra trazer inovação, para trazer o digital para o dia a dia dela”, completa.
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