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Apesar de estarem aparentemente saudáveis e engordando, os 6,5 mil animais das sete fazendas paranaenses declaradas como focos de febre aftosa precisam ser sacrificados, sob risco de espalharem a doença. A avaliação é do veterinário Valmir Kowalewski de Souza, 55 anos, superintentende do Ministério da Agricultura no Paraná. Na entrevista a seguir, Kowalewski revela que a decisão de decretar os focos no estado, mesmo sem o isolamento do vírus, encontrou resistência até mesmo dentro do ministério. A experiência paranaense deverá gerar argumentos para uma proposta de mudança das regras da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE). Gazeta do Povo – O que está causando a volta da febre aftosa na América do Sul, comprovada pelos focos de Mato Grosso do Sul, do Paraná e da Argentina?

Valmir Kowalewski de Souza – Temos várias áreas de risco, já levantadas pelo Grupo Inter-Americano para a Erradicação da Febre Aftosa (Giefa), que está fazendo um estudo no continente. A preocupação é muito grande, mesmo para a exportação de grãos, porque eles podem transportar o vírus. Os Estados Unidos lideram este grupo e, hoje, a presidência está com um brasileiro, Sebastião Costa Guedes. Eles estão elaborando um plano hemisférico para a erradicação da aftosa.

Como este plano está avançando?

O grupo iniciou as ações em 2005 e quer concluí-lo em 2009. Já levantou zonas de risco, endêmicas, onde sempre temos o vírus circulando. Essas zonas incluem a parte nordeste do Paraguai, na fronteira com Mato Grosso do Sul; a tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, que inclui o Paraná; a fronteira Paraguai-Argentina, na região de Corrientes. Todos os últimos focos estão ligados a essas zonas de risco. Para a execução deste plano continental, é necessária a colaboração internacional, com recursos financeiros, principalmente junto aos grandes importadores de grãos americanos que querem comprar soja, por exemplo, de regiões que não têm aftosa.

Uma cobertura vacinal maciça como a que ocorre no Paraná não é suficiente, por causa dessas condições geográficas?

Mesmo nas áreas livres de aftosa com vacinação, como era o caso do Paraná, temos a ameaça constante de trânsito e ingresso de animais das áreas de alto risco. Nos outros países não há investimento maciço em defesa sanitária, com exceção de Uruguai e Argentina, grandes exportadores de carnes.

Se os animais brasileiros são vacinados regularmente, como pegaram a doença?

Em Mato Grosso do Sul, há o contrabando de animais ao longo da fronteira seca com o Paraguai. Temos nessa faixa fazendas de brasiguaios (brasileiros que vivem no país vizinho). Sem consciência sanitária, muitos trazem os animais clandestinamente para a engorda ou o abate. Outro problema é que a vacinação é presumida. Quem dá as garantias de vacinação no sistema brasileiro é o produtor. Ele compra a vacina, apresenta a nota de acordo com o número de animais da fazenda. Mas parte dos produtores não aplica ou aplica mal a vacina, principalmente pela auto-confiança gerada pelo fato de que o Paraná, localizado em uma zona de risco, estava há dez anos sem aftosa.

Como isso pode ser feito de maneira mais eficaz?

Podemos aperfeiçoar o sistema atual com uma ação oficial de vacinação, conscientização, orientação e educação sanitária. Com o credenciamento de técnicos e o envolvimento das prefeituras. Outra medida é fortalecer a ação dos vacinadores, com o credenciamento e treinamento deles. Podemos ter vacinadores oficiais, pagos pelos municípios, e vacinação gratuita para as pequenas propriedades e assentamentos. Nas grandes fazendas, é importante a exigência do veterinário como responsável técnico, que daria a garantia de que aquele rebanho foi efetivamente imunizado.

Por que em Mato Grosso do Sul e na Argentina a solução foi mais rápida que no Paraná, onde o impasse se arrasta por mais de quatro meses?

São situações diferentes. Tanto em Mato Grosso do Sul quanto na Argentina o vírus foi isolado, acompanhado pela instalação da doença, com as suas lesões características visíveis. No Paraná, que recebeu animais de uma fazenda de Mato Grosso do Sul com foco, houve a suspeita da doença. Os materiais para exame foram levados ao laboratório do ministério em Belém (PA), que têm limitação de análises e estava fazendo as análises de Mato Grosso do Sul, que registrou 33 focos e teve de abater 33 mil animais. As primeiras amostras do Paraná enviadas não foram suficientes porque as lesões não eram acentuadas. Como não houve o isolamento viral, tiveram que repetir mais vezes o envio de material. Houve a necessidade de fazer sorologia com outras provas laboratoriais. Isso demandou tempo e acabou havendo um impasse de opiniões técnicas. A definição de foco da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) é clara: tendo sorologia positiva e vinculação epidemiológica você pode decretar foco. Porém, a área técnico-científica, principalmente os virologistas, acham que deveria haver o isolamento viral e mais pesquisa para o diagnóstico.

Houve essa divergência dentro do próprio ministério?

Houve. E também dentro do estado e entre professores de universidades. Isso criou o impasse e resultou na demora da pesquisa. O ministério fez exaustivamente a pesquisa epidemiológica, as análises e a sorologia, até para tentar o isolamento viral. Criou-se uma idéia de que, para ter aftosa, é preciso o isolamento viral, independente do conceito internacional firmado por 170 países, entre eles o Brasil. Aí surgiram as opiniões divergentes e os impasses políticos. Quando o ministério, pressionado também pela OIE e pela União Européia, não tinha como justificar perante a opinião internacional o que estava acontecendo, teve que fazer a sua opção. Aí reconheceu os focos.

Hoje, o Paraná tem aftosa?

A metodologia da sorologia que serviu, há dez anos, para dizer que o Paraná era livre de febre aftosa com vacinação foi a mesma usada para, neste momento, dizer que o Paraná tem aftosa. O Brasil não teve outra alternativa. Houve a circulação viral entre os animais, que foi detectada pela sorologia, e a vinculação epidemiológica. O Paraná tem aftosa pelas regras da OIE.

Esses animais oferecem risco de transmissão da doença?

Sim. Por isso têm de ser sacrificados. Os animais ficaram infectados, permanecem com o vírus latente, e poderiam transmití-lo aos outros. Seriam portadores sadios, por isso estão bonitos e ganhando peso.

São Paulo também recebeu animais de Mato Grosso do Sul, mas a situação teve um desfecho diferente da do Paraná. Aquele estado não anunciou suspeita, mas isolou as propriedades, monitorando-as, até concluir que não havia risco. Quem agiu corretamente: o Paraná ou São Paulo?

O Paraná agiu corretamente. Fez um trabalho exemplar. Comunicamos a suspeita em tempo hábil, tomamos as medidas de barreira e controles de trânsito. Infelizmente, ocorreram todos esses percalços.

Então São Paulo agiu de forma negligente?

Não. A situação era diferente. São Paulo recebeu animais que estavam no parque de Londrina, mas não eram da Fazenda Bonanza, de onde vieram os animais leiloados e que ficaram no Paraná.

As divergências entre o governo Requião e o governo federal, principalmente na questão dos transgênicos, contribuíram para este cenário?

Não vi, por parte do ministro Roberto Rodrigues, má vontade para com o estado. Ele fez de tudo para um laudo conclusivo técnico e justo.

É o caso de se propor à OIE a reavaliação dos critérios para se declarar focos?

Devemos pedir uma reavaliação do conceito de focos. Uma das condições dos criadores do Paraná para autorizar o sacrifício foi a necropsia dos animais para várias análises. E, depois, se tivermos elementos, propor uma revisão desses conceitos. Temos que tirar uma lição no Paraná e contribuir para o aperfeiçoamento das técnicas e conceitos internacionais. Porque já pagamos e continuaremos a pagar um preço muito alto por esse impasse.

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ENTENDA O CASO

Após 4 meses de impasse, estado prepara o sacrifício

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