A queda de Carlos Ghosn, um dos mais poderosos executivos da indústria automobilística mundial, preso no Japão sob a acusação de ocultar rendimentos dos informes oficiais da Nissan e, segundo a mídia japonesa, de usar indevidamente recursos da montadora em benefício próprio reacende uma velha discussão: o quão preparadas estão as empresas para enfrentar problemas de compliance, como fraudes empresariais?
A discussão não é nova. Outro caso emblemático aconteceu em outubro. O executivo espanhol Rodrigo Rato, ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), começou a cumprir uma pena de quatro anos e meio de prisão. Ele e outros ex-executivos do banco espanhol Bankia e da caixa de poupança Caja Madrid foram condenados por uso indevido de cartões corporativos.
Os dois perfis se encaixam como uma luva nas características de quem comete fraudes contra empresas. Os maiores riscos, segundo a Kroll, vem de ex-empregados ou de funcionários alta e média gerência.
O fraudador típico, de acordo com um estudo da KMPG de 2016, é homem, com idade entre 36 e 55 anos. Ele trabalha há muitos anos na organização e ocupa um cargo de alto escalão, usufruindo de autoridade ilimitada na empresa. É um tanto autoritário, mas ainda assim respeitado e tido como uma pessoa amigável pela maior parte dos colegas de trabalho.
“É uma pessoa que se sente acima do bem e do mal”, sintetiza Antonio Gesteira, sócio de tecnologia forense da KPMG.
João Paulo Naegele, especialista em compliance do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, aponta que o objetivo do fraudador é o de obter benefícios pessoais, sejam eles financeiros ou não. E ele se aproveita de deficiências nos sistemas internos de controle para violá-los.
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Uma característica do Brasil e de países latinos, segundo Gesteira, é o envolvimento frequente de equipes de três a cinco pessoas nas fraudes e o envolvimento de terceiros, como fornecedores, na prática. “Nos países mais desenvolvidos é mais comum que elas sejam realizadas por só uma pessoa.”
Muitas vezes a fraude está vinculada a outros tipos e é motivada pela obtenção de ganhos além da renda normal. “É o caso de executivos cujo grande percentual de remuneração é variável, atrelada ao cumprimento de metas por performance, e que acabam manipulando os resultados.”
Os principais registros nos canais de denúncia das empresas, segundo a KPMG estão relacionados à ética e conduta dos profissionais; ética e conduta para os parceiros de negócios, clientes e fornecedores e conflito de interesse e informação privilegiada.
Os riscos de compliance mais relevantes para as empresas estão na fraude, combate à corrupção e lavagem de dinheiro; gestão de terceiros; políticas, processos e procedimentos; questões trabalhistas, segurança do trabalho, previdenciária e tributária e questões regulatórias.
Corrupção não é exclusividade do “jeitinho brasileiro”
“Episódios como o da Nissan, ou outros mais antigos como os da Enron ou da Siemens mostram que esses problemas também existem em outros países. Não é só por causa do jeitinho brasileiro”, diz Bruno Milanez, professor de Direito da Uninter.
É um tema que ganhou força no Brasil a partir da operação Lava Jato, desencadeada a partir de 2015. Uma pesquisa feita pela Kroll, aponta que, no ano passado, o Brasil teve um crescimento significativo em fraudes empresariais em 2017. 84% dos executivos consultados apontaram a incidência de fraudes em suas empresas. No ano anterior, eram 68%. As mais comuns foram violações regulatórias ou de conformidade e fraudes financeiras internas. E elas foram identificadas, principalmente, por meio de auditorias internas.
Segundo Ian Cook, diretor sênior de investigações para a América Latina da Kroll, os números também refletem a maior preocupação com o compliance entre as empresas brasileiras após a operação Lava Jato. A pesquisa mostra que as organizações estão mais cientes dos riscos e estão implementando meios de prevenção às fraudes, por meio de controles financeiros e de ativo.
Segundo relatório da Transparência Internacional,
As grandes empresas, até por receio de serem punidas, criaram estruturas de compliance e incrementaram seus mecanismos de controles internos nos últimos anos. É necessário agora, que essas iniciativas sejam de fato capazes de criar um contexto corporativo que favoreça a atuação integra das companhias (em especial da alta administração) e de seus fornecedores. Os esforços nesse sentido devem ser estimulados tanto pelo próprio mercado quanto pelo governo”, aponta relatório feito pela Transparência Internacional.
Mas, mesmo assim, os descuidos das empresas ainda são grandes. Uma pesquisa feita no Brasil pela KPMG, e que contou com 450 empresas participantes, mostra que em uma escala de um (fraco) a cinco (avançado), o compliance praticado pelas empresas brasileiras recebe classificação 2,47.
Segundo o levantamento, ao mesmo tempo em que 73% das empresas afirmam possuir um comitê de ética e compliance e 59% dos executivos sêniores reforçarem que a governança e a cultura são essenciais para o sucesso da empresa, 59% dos executivos não revisam e aprovam anualmente o programa de compliance, e 32% afirmaram que esse conceito não é uniforme na empresa.
Combate à fraude deve nascer dentro da empresa
Os principais calcanhares-de-aquiles estão em áreas que trabalham com contratos e a área de tecnologia, sujeita a roubo de dados. “Muitas fraudes surgem em situações como contratação de fornecedores ou envolvem pagamentos de favores, que não necessariamente precisam ser financeiros. Pode ser por outros tipos de benefícios”, diz Cook.
E, segundo Bruno Milanez, professor de Direito na Uninter, há uma questão cultural que favoreceu as fraudes empresariais nas empresas: a falta de estruturas de adequadas de compliance. “Muitas vezes os diretores estão cientes do risco e avaliam que vale a pena o risco para conseguir mais lucro.”
A estratégia para evitar as fraudes empresariais deve vir de dentro das empresas, ressalta o professor. Um programa robusto deve envolver três frentes: a prevenção, a detecção e a resposta ao problema.
Para Cook, da Kroll, um dos maiores investimentos precisa estar na prevenção. “O primeiro passo é entender a vulnerabilidade e o segundo criar uma cultura de compliance.” Dentro dessa política devem ser previstos procedimentos e regras bem claras e transparentes.
E não é preciso gastar muito em soluções caras, afirma Cook: “É preciso saber contratar bem um funcionário, não olhando só para o currículo; a empresa também tem de evitar conflitos de interesses e ter mecanismos como canais de denúncia, com políticas de não retaliação.”
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Naegele, do Vinhas e Redenschi Advogados, sugere o estabelecimento de patamares e critérios para a aprovação de pagamentos de determinados valores. “E a pessoa que solicita o pagamento deve ser diferente daquela que faz o pagamento. É o que se chama de segregação de funções.”
Tecnologia ajuda a prevenir fraudes
O uso da tecnologia pode ser um importante aliado, aponta o especialista. O sistema de compliance, por exemplo, precisa ter um vínculo com o sistema financeiro, impedindo o descumprimento dos requisitos estabelecidos pela empresa.
Outras alternativas apontadas por Milanez e que não requerem grandes investimentos são a implantação de um código de ética, que expresse os valores que são aceitos pela empresa, e a implantação de um canal interno de denúncias, por e-mail, que assegure o anonimato das denúncias e a não retaliação aos denunciantes.
Treinamentos também são uma ferramenta efetiva para inibir os problemas de fraudes empresariais. E, apesar de uma das principais fontes de irregularidades estar no relacionamento com terceiros, 61% dos respondentes à pesquisa feita pela KPMG informaram que não houve treinamentos para terceiros nos últimos 12 meses. E 28% dos funcionários não receberam treinamento em compliance e corrupção nos últimos 12 meses. “Falta treinamento”, destaca Gesteira.